Ainda é pecado o cristão ir ao cinema nos dias de hoje?


Debates religiosos acalorados sempre têm surgido em torno do papel do cinema na sociedade e as possíveis influências manipuladoras que ele exercesse sobre os expectadores, diante do fato que essa indústria é o que é devido aos lucros obtidos vendendo violência, imoralidade, vaidade e outros ‘antivalores’ que têm pervertido a moral e os bons costumes no mundo todo.

Contudo, atualmente a igreja cristã também tem se utilizado dessa ferramenta poderosa para impactar pessoas com a mensagem do evangelho, e o resultado se mostrou positivo em filmes como “Prova de fogo” “Desafiando gigantes” “A virada” “Deus não está morto” e mais recentemente “Eu acredito”.


Questionamentos religiosos surgem e envolvem algo como:

- Ainda hoje será errado cristão ir ao cinema?

- O cinema é apenas uma ferramenta como rádio e TV?

- Mesmo com conteúdo gospel o cinema pode prejudicar?

- A igreja está evoluindo ou apostatando ao liberar o cinema?

Vejam por exemplo nesse vídeo o que o cantor Leonardo Gonçalves, que fez parte da trilha sonora do filme “Eu acredito” disse no teaser de lançamento do filme sobre essa temática atual...


Logo abaixo está a transcrição de uma pesquisa muito valiosa feita pelo professor Bruno (UFRN) que vale a pena ser conferido.


A SALA DE CINEMA MANDA 98% DO QUE VEMOS DIRETAMENTE PARA O NOSSO SUBCONSCIENTE?

“De acordo com algumas pesquisas que tive contato, na mídia escrita temos 80% de defesa cerebral; 20% de tudo o que lemos vai diretamente para o nosso inconsciente, sem que possamos impedir ou bloquear. 

No rádio, música, etc, temos 50% de defesa cerebral; os outros 50% de tudo o que ouvimos, vai para o nosso inconsciente. 

Na Televisão temos 40% de defesa cerebral; os outros 60 % vocês já sabem. Por fim, no cinema, temos 2% de defesa cerebral [Pausa e cara de seriedade]: 98 % de tudo o que vemos, vai DIRETAMENTE para o nosso inconsciente, sem que possamos impedir ou bloquear isto”.

Toda essa linha de raciocínio vem de uma das primeiras teorias da comunicação chamada 'agulha hipodérmica' (ou bala mágica). Em suma, ela defendia que o conteúdo da mídia penetra na mente, sem nenhuma resistência, assim como o conteúdo de uma agulha penetra no corpo. Era uma teoria instrumentalista, muito preocupada com os efeitos políticos que os meios de comunicação traziam para a sociedade. 

A mídia é considerada onipotente, fazendo com que circule na sociedade os elementos simbólicos que ela quer e como ela quer. A audiência é um alvo amorfo, passivo, que apenas obedece cegamente aos estímulos dos meios de comunicação. Em algumas mídias, há uma ‘resistência’ maior; em outras, o cérebro é totalmente ‘coagido’ a responder tal como estimulado.

É curioso que, no paradigma defendido pela turma do ‘contra-cinema’, até os termos são os mesmos dos defensores da agulha hipodérmica: "resistência", "98% de absorção", "estímulos que foram cuidadosamente estudados e propositalmente utilizados".

O "problema" é que essa teoria foi desacreditada, no mínimo, desde há própria década que foi formulada (1930-1940), pelo próprio autor que a formulou (Harold Laswell) por vários motivos: 

(a) quando os estudiosos da comunicação foram fazer análise de recepção (isto é, como os produtos da mídia são recebidos) viram que a forma como as pessoas 'recebem' os produtos da mídia são MUITO variados e tem várias nuances e variáveis, como idade, sexo, meio social, experiências passadas, influências dos pais, etc, etc, etc; 

(b) a revolução cognitiva trazida por Chomsky mostrou que a relação entre mente-conteúdo externo NÃO é, de forma alguma, uma relação simples do tipo 'estímulo-resposta', 'conteúdo-absorção', 'mente tábula rasa-preenchimento'; 

(c) pesquisas da própria década de 1930, como os da Fundação Payne, já mostravam que o ‘efeito direto das mensagens no cérebro dos receptores’ era uma ilusão: as pessoas não recebiam as mensagens da mesma forma.


Agora, o mais irônico: a teoria da agulha hipodérmica vem do paradigma behaviorista, que trata o ser humano como QUALQUER outro animal, cujas ações são baseadas no estímulo-resposta. 
Essa teoria faz harmonia com as teorias psicológicas em voga na época: 

(a) psicologia das massas, de Le Bom; 

(b) behaviorismo extremado, de John Watson; 

(c) teorias sobre condicionamento, do russo Ivan Pavlov; 

(d) os estudos de psicologia social do britânico William McDougall.

Para se ter uma ideia, esse último defendia que SOMENTE certos impulsos primitivos (instintos) podem explicar os atos, SEJAM DOS HOMENS, SEJAM DOS ANIMAIS. Assim como no mundo animal você 'treina' um cachorro, estimulando com X para que ele responda de forma Y, com os humanos é a mesma coisa ("apesar da ilusão de que somos diferentes"): você estimula o humano de forma X (calibra áudio, vídeo, etc) e vai ganhar a resposta Y (98% de absorção, etc).
Claro: o pressuposto natural de tal teoria é que o ser humano evoluiu de outros primatas; logo, a nossa mente é igualzinha à deles, com algumas nuances de complexidade (como a ilusão do livre arbítrio).

A IRONIA é defender com veemência o criacionismo e ao mesmo tempo, apoiar com veemência essa teoria TOTALMENTE evolucionista, de ponta a ponta, que NEM O PRÓPRIOS EVOLUCIONISTAS DEFENDEM MAIS porque viram que ela não tem embasamento na realidade.

Sem exagero: defender a agulha hipodérmica (behaviorismo extremado) e o criacionismo, ao mesmo tempo, é como defender a veracidade da Bíblia e, ao mesmo tempo, dizer que Deus não existe!"

Bruno Ribeiro é professor de comunicação na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Referências usadas na pesquisa:
ARAÚJO, Carlos Alberto. A pesquisa norte americana [de comunicação]. In: HOHLFELDT, A. MARTINO, L. C. FRANÇA, V. V. (Org.). Teorias da comunicação: conceitos, escolas e tendências. Petrópolis: Vozes, 2007.
FERREIRA, G. M. As origens recentes: os meios de comunicação pelo viés do paradigma da sociedade de massa. In: HOHLFELDT, A. MARTINO, L. C. FRANÇA, V. V. (Org.). Teorias da comunicação: conceitos, escolas e tendências. Petrópolis: Vozes, 2007.
LASSWELL, Harold. A estrutura e a função da comunicação na sociedade. In: COHN, Gabriel. Comunicação e Indústria Cultural. São Paulo: T.A. Queiroz, 1987.
MATTELART, Armand & MATTELART, Michele. História das Teorias da comunicação. São Paulo: Loyola, 1999.