Os gnósticos se seguiram a vários movimentos religiosos que enfatizavam a gnose ou o conhecimento, principalmente sobre a origem da pessoa. O DUALISMO cosmológico também era uma característica do sistema – mundos espirituais opostos do bem e do mal. O mundo material estava alinhado com o mundo sombrio do mal.
Ninguém conhece com certeza a origem do gnosticismo. Alguns acreditam que começou com um grupo herético dentro do judaísmo. Os proponentes dessa teoria citam o Apocalipse de Adão e A paráfrase de Sem como antigos documentos gnósticos que revelam uma origem judaica.
Outros dão a ele um contexto cristão. Uma forma incipiente pode ter tido uma base completamente pagã. Durante os séculos II a IV o gnosticismo foi considerado uma séria ameaça por pais da igreja como Agostinho, Justino Mártir, Ireneo, Clemente de Alexandria, Tertuliano e Orígenes.
Fontes Primárias: O livro de Ireneo, Contra as Heresias, dá um tratamento extenso ao que os gnósticos acreditavam. Três códices gnósticos escritos em copta foram publicados. Dois foram descobertos em Nag Hammadi, Egito, em 1945.
O Códice Askewia-nus contém Pistis Sophia, Códice Brucianus contém O Livro de Jeú. O mais conhecido entre os documentos de Nag Hammadi é o evangelho de Tomé. Uma terceira obra desse período, Códice Berolinenses, foi encontrada em outra parte e publicada em 1955.
Contém o Evangelho de Maria [Madalena], a Sofia de Jesus, Atos de Pedro e o Apócrifo deJoão. A primeira tradução de um tratado, o Evangelho da Verdade, apareceu em 1956, e uma tradução de 51 tratados, inclusive o Evangelho de Tomé, apareceu em 1977.
SIMÃO, O MÁGÍCO
Os pais da igreja primitiva acreditavam que o gnosticismo começara no século I e que Simão, o mágico de Samaria (At. 8), foi o primeiro gnóstico. De acordo com os pais da igreja, Simão praticava magia, afirmava ser divino e ensinava que sua companheira, uma ex-prostituta, era Helena de Tróia reencarnada.
Hipólito (m.236) atribuiu o Apophasis Megale [O Grande Anúncio] a Simão. O discípulo de Simão, um antigo samaritano chamado de Menandero, que lecionou em Antioquia da Síria no final do século I, ensinava que os que acreditavam nele não morreriam. Essa afirmação foi anulada quando ele morreu.
No início do século II, Saturnino (Satórnilo) afirmou que Cristo incorpóreo era o redentor, negando que Cristo realmente tivesse se encarnado como homem. Essa crença é compartilhada com o DOCETISMO.
Nesse período, Cerinto, da Ásia Menor, ensinava o adocia-nismo, a heresia segundo a qual Jesus tinha sido apenas um homem sobre o qual Cristo descera no batismo. Já que Cristo não podia morrer, abandonou Jesus antes da crucificação. Basilides do Egito foi considerado dualista por Ireneo e monista por Hipólito.
Um dos gnósticos mais polêmicos, apesar de atípico, foi Marcião do Ponto. Ele acreditava que o Deus do AT era diferente do Deus do NT e que o cânon das Escrituras incluía apenas uma versão truncada de Lucas e dez das epístolas de Paulo (todas, menos as Epístolas pastorais). Suas teorias foram severamente atacadas por Tertuliano (c. década de 160-c.215).
Marcião tornou-se um estímulo para a igreja primitiva definir oficialmente os limites do cânon.
Valentin de Alexandria foi outro gnóstico proeminente. Veio a Roma em 140 e ensinava que havia uma série de emanações divinas. Dividiu a humanidade em três classes:
1) hiléticos ou incrédulos, que estavam imersos na natureza material e carnal;
2) cristãos psíquicos ou comuns, que viviam pela fé e atividades pneumáticas;
3) gnósticos espirituais. Entre seus seguidores estavam Ptolomeu, Herácleo, Teódoto e Marcos. A interpretação de João por Herácleo é o primeiro comentário conhecido do NT.
Crenças de características gnósticas persistiram até o século IV. Entre as manifestações posteriores estavam o maniqueísmo, uma seita dualista que enganou Agostinho na sua vida pré-cristã. Contra ela Agostinho escreveu muitos tratados.
Ensinamentos: Já que o gnosticismo carecia de uma autoridade comum, ele compreendia várias crenças. A base da maioria, se não todas, era:
1. O dualismo cósmico entre espírito e matéria, bem e mal.
2. A distinção entre o Deus finito do AT, Iavé, que era igualado ao Demiurgo de Platão, e o Deus transcendental do NT.
3. A visão da criação como resultante da queda de Sofia (Sabedoria).
4. A identificação da matéria como maligna.
5. A crença em que a maioria das pessoas são ignorantes sobre a sua origem e condição.
6. A identificação de fagulhas de divindade que estão encapsuladas em certos indivíduos espirituais.
7. A fé num Redentor docetista, que não era realmente humano nem morreu na cruz. Esse redentor trouxe salvação na forma de uma gnose secreta ou um conhecimento que foi comunicado por Cristo após a sua ressurreição.
8. O objetivo de escapar da prisão do corpo, atravessando as esferas planetárias de demônios hostis e reunindo-se com Deus.
9. A salvação baseada não na fé nem nas obras, mas num conhecimento especial ou gnose da própria condição.
10. A visão confusa da moralidade. Carpócrates incentivou seus seguidores a se empenharem em promiscuidades deliberada. Epifânio, seu filho, ensinava que libertinagem era a lei de Deus.
A maioria dos gnósticos, no entanto, tinham uma posição muito ascética com relação ao sexo e ao casamento, argumentando que a criação da mulher era a fonte de todo o mal e procriação de filhos só multiplicava o número de pessoas escravizadas pelo mundo material.
A salvação das mulheres dependia de um dia se tornarem homens e voltarem às condições do Éden antes de Eva ser criada. Por incrível que pareça, as mulheres eram proeminentes em muitas seitas gnósticas.
11. A interpretação do batismo e da santa ceia como símbolos espirituais da gnose.
12. A visão da ressurreição como sendo espiritual, não física.
Um dos códigos de Nag Hammadi, De resurrectione [Da ressurreição] afirma que:
“O Salvador tragou a morte [...] Pois colocou de lado o mundo que perece. Transformou-se em um éon incorruptível e levantou-se, depois de ter tragado o visível através do invisível, e nos deu o caminho para a imortalidade [...] Mas se somos manifestos nesse mundo ao vesti-lo, somos seus raios pelo sol, sem sermos impedidos por nada. Isso é a ressurreição espiritual que traga o psíquico junto com o carnal” (Malinime, p. 45).
O gnosticismo como movimento organizado existe como sociedade secreta atualmente. Há também um remanescente atual no sudoeste do Irã. Mas muitos ensinamentos gnósticos continuam entre os adeptos da Nova Era, existencialistas e críticos da Bíblia.
O reavivamento do interesse no Evangelho de Tomé pelo chamado Seminário Jesus é um exemplo disso. Também há uma tendência, mesmo entre alguns teólogos evangélicos, de negar a natureza física da ressurreição. Mas o gnosticismo continua vivo hoje de forma ampla no movimento da Nova Era (Jones).
Avaliação: O gnosticismo foi muito criticado pelos pais da igreja primitiva, principalmente Ireneu, Tertuliano, Agostinho e Orígenes, apesar de Orígenes aceitar algumas de suas posições.
NOTA: O Gnosticismo é combatido em diversas epístolas do Novo Testamento, como Colossenses, 1 Timóteo, 1,2 e 3 João.
GNOSTICISMO NA BÍBLIA
Uma das heresias mais perigosas dos dois primeiros séculos da igreja foi o gnosticismo. Sua doutrina central era que o espírito é inteiramente bom e a matéria, inteiramente má. Desse dualismo antibíblico fluíram cinco erros importantes:
1. O corpo do homem, que é matéria, é mau por essa mesma razão. Deve ser diferenciado de Deus, que é totalmente espírito e, por isso mesmo, totalmente bom.
2. A salvação é escapar do corpo, sendo obtida não mediante a fé em Cristo, mas por meio de conhecimento especial (a palavra grega traduzida por “conhecimento” é gnosis, de onde, gnosticismo).
3. A verdadeira humanidade de Cristo era negada de duas maneiras:
a) alguns diziam que Cristo somente parecia ter corpo, e essa teoria era chamada docetismo, do grego dokeo (“parecer”);
b) outros diziam que o Cristo divino uniu-se ao homem Jesus no batismo, abandonando-o antes de morrer, teoria essa chamada cerintismo, segundo o nome do seu porta-voz mais destacado, Cerinto. Essa opinião forma o contexto de boa parte de 1 Joăo (v. 1.1; 2.22; 4.2,3).
4. Como o corpo era considerado mau, devia ser tratado com rigor. Essa forma ascética de gnosticismo forma o contexto de parte da carta aos colossenses (2.21-23).
5. Paradoxalmente, esse dualismo também levava ŕ licenciosidade. O raciocínio era que, como a matéria — e não a violação da lei de Deus (1Jo 3.4) — era considerada má, a violação da sua lei não era de conseqüência moral.
O gnosticismo com o qual o NT lidava era uma forma primitiva dessa heresia, não o sistema desenvolvido e já complexo dos séculos II e III. Além da forma encontrada em Colossenses e nas cartas de João, alguma familiaridade com o gnosticismo primitivo se vę refletida em 1 e 2 Timóteo, em Tito, em 2 Pedro e talvez em 1 Coríntios.
Fonte:
1 - Norman Geisler, Enciclopédia de Apologética (São Paulo, SP: Vida, 2002) p. 374 – 375.
2 - Bíblia de Estudo NVI (Introdução a 1 João)