S. Luc. 23:43 é uma passagem bíblica que pode comprometer a compreensão sobre a doutrina da mortalidade da alma, para quem entende-la errado. No original grego a redação é esta: Amen soi lego semeron met emon ese em tõ paradeiso.
Os termos se acham aí na mesma ordem do original, apenas separadas as palavras, e não unidas como no original. Os livros de Lucas foram escritos em grego mesmo, pois eram dirigidos a um grego — Teófilo — afastada assim a ideia de algum defeito de versão.
Traduzindo-se a passagem, respeitada a ordem traçada pelo Espírito Santo, temos: Na verdade te digo hoje comigo estarás no paraíso. "Digo hoje" é uma oração: "comigo estarás", outra oração. O advérbio hoje rege o verbo digo, e não o verbo estarás.
OBJEÇÃO
Objeta-se que Jesus não tinha necessidade de explicar que estava dizendo naquele dia, porque não podia estar falando antes, nem depois. Mas a objeção cai por terra, em face de outras passagens que tão claramente dão a entender que a expressão era comum, para maior ênfase da afirmação.
Em Deut. 30:8 encontramos: eu te denuncio hoje que certamente perecerás. As traduções atuais, acomodando a passagem às crenças populares, dizem: Na verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso.
Mas para isso transpõem a palavra comigo para depois do verbo estarás, que fica assim junto ao advérbio hoje. Acrescentaram a conjunção que, não empregada no grego, colocando-a antes do advérbio hoje, quando deveria ser antes de comigo.
São Jerônimo, na Vulgata, foi mais fiel: Amen, Amen, te dico hodie mecum eris in paradiso. O hodie está junto ao verbo dico, e o mecum antes do verbo eris: "digo hoje comigo estarás".
A pontuação, que não existia na época, e só apareceu em 1490, terá que ser aplicada de acordo com o sentido da frase, e com o contexto.
Se for conservada a tradução comum, atira-se em Jesus a contradição de prometer ao penitente malfeitor estar, no mesmo dia de sua morte (hoje), com Ele no paraíso, e de afirmar a Madalena, depois da ressurreição, que ainda não havia subido ao Pai. Uma tradução correta e fiel se impõe, por amor da verdade: "Na verdade te digo hoje que comigo estarás no Paraíso."
PONTUAÇÃO
Nos manuscritos originais, como no texto de Lucas 23:43, não havia pontuação como hoje. Nem tinha o "que", partícula que complica o entendimento do texto. Os textos eram escritos sem pontuação e geralmente com as palavras todas ligadas, assim (já transliterado):
"kaieipenautôamensoilegosemeronmetemoueseentôparadeisô."
Em português:
"Edisseaeleemverdadeatidigohojeestaráscomigonoparaíso."
Separando-se as palavras:
"E disse a ele em verdade a ti digo hoje estarás comigo no paraíso."
O entendimento do texto depende do lugar em que colocamos a pontuação, especialmente em relação ao advérbio de tempo "hoje". Vejamos as duas possibilidades de pontuação:
1. "E disse a ele: Em verdade te digo, hoje estarás comigo no paraíso." Por essa maneira de pontuar, colocando-se a vírgula antes de "hoje", o texto quer dizer que foi prometido ao ladrão arrependido que naquela mesma sexta-feira ele estaria com Jesus no paraíso.
Tal tradução, porém, vai contra os ensinamentos da própria Bíblia quanto ao momento da recompensa, que, para os justos, será na ocasião da segunda vinda de Cristo (Mt 25:31-34; lTs 4:16) e, para os ímpios, após o Milênio (Ap 20:5,7-9), e não quando se morre.
2. "E disse a ele: Em verdade te digo hoje, estarás comigo no paraíso." Essa maneira de traduzir, combinando o advérbio de tempo "hoje" com o verbo "digo", está de acordo com outras expressões bíblicas similares como, por exemplo, "Eu te ordeno hoje" (ver Êx 34:11; Dt 4:40, etc).
Além dessa concordância gramatical, essa maneira de traduzir o texto está de acordo com o ensinamento bíblico de que a recompensa para os justos será dada na segunda vinda de Cristo, e para os ímpios, após o Milênio, e não por ocasião da morte (como visto no parágrafo anterior).
Por esse modo de tradução do texto, a promessa ao ladrão arrependido teria sido de que ele estaria no paraíso quando Jesus "viesse no Seu reino" (Lc 23:42) e não ao morrer naquela sexta-feira da crucificação. A opção pela primeira maneira de traduzir o texto apresenta sério questionamento: teria Jesus mentido ao ladrão arrependido, visto que Ele não foi ao paraíso naquela sexta feira?
No domingo pela manhã, Jesus disse a Maria Madalena:
"Não Me detenhas; porque ainda não subi para Meu Pai" (Jo 20:17).
Ora, se Jesus, no domingo cedo, não havia ainda ido ao paraíso, como teria estado nesse lugar, na sexta-feira, com o ladrão arrependido? O Novo Testamento é claro em dizer que Jesus é Deus, e "é impossível que Deus minta (Hb 6:18).
A opção pelo segundo modo de se traduzir o texto está de acordo com outras expressões bíblicas, nas quais aparece o advérbio de tempo "hoje" com verbos similares a "digo" como "ordeno", "falo"; está de acordo com o ensinamento bíblico de que a recompensa não é dada quando se morre, mas por ocasião da segunda vinda de Cristo (para os justos) e após o Milênio (para os ímpios); além de estar de acordo com o próprio pedido do ladrão:
"Lembra-te de mim quando vieres no Teu reino" (Lc 23:42, itálico acrescentado).
Com a promessa feita ao ladrão, Jesus estava dizendo a ele:
"Estou lhe dizendo hoje, agora: Morra tranquilo! Descanse confiando no que estou lhe dizendo hoje: Você vai estar comigo no paraíso."
Essa mesma promessa pertence a todo aquele que enfrenta o "vale da sombra da morte". Um dia Jesus virá e ressuscitará todo aquele que fez dEle seu Salvador e morreu confiando nEle, que é "ressurreição e a vida" (Jo 11:25). Não é essa uma doce e confortadora promessa? -
FONTE: Por Ozeas C. Moura, doutor em Teologia Bíblica e professor do Salt, campus Engenheiro Coelho, SP
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Revista Adventista Mac/2010 Pag. 19
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