Antes do estudo dos problemas envolvidos na tradução deste versículo, algumas palavras sobre o vocábulo Logos.
Os comentários sobre esta palavra têm sido variados e extensos. Sabatini Lalli, estudou-a com proficiência num volume de 100 páginas – O Logos Eterno.
O Dicionário Teológico do Novo Testamento de Kittel dedica-lhe nada menos de 60 páginas. O autor destas linhas também teve o privilégio ou a pesada incumbência de a estudar numa monografia de 70 páginas para o seu mestrado na Andrews University.
Este termo segundo tudo indica se originou com os Estóicos, que o usaram para designar a sabedoria divina como a força integrante do universo. O vocábulo grego Logos é muito rico em significados pois pode ser traduzido em português por máxima, razão, pensamento, palavra, ordem, argumento, explicação, verbo e outros.
Apesar do grande número de diferentes significados, a sua tradução básica é "palavra". É da mesma raiz do verbo lego = falar, dizer.
O livro Jóias do Novo Testamento Grego, de Kenneth S. Wuest, comenta nas páginas 46 e 47 sobre esta expressão o seguinte:
"No idioma grego existem três palavra que significam palavra, uma que se refere a mero som articulado da voz, outra que fala desse som como manifestação de um estado mental, e ainda outra, a que é empregada por João, cujo sentido será aqui discutido.
"Essa palavra é Logos (em nossa versão portuguesa traduzida como Verbo). Deriva-se do verbo que significa literalmente escolher ou selecionar, ou seja escolher palavras a fim de expressar os próprios pensamentos, ou ainda, falar. Refere-se a uma palavra proferida pela voz humana, palavra essa que inclui um conceito ou idéia. Não se refere meramente a uma parte da linguagem, mas antes, a uma expressão total. Os filósofos gregos, na tentativa de compreender a relação existente entre Deus e o universo, falavam de um mediador desconhecido, e a esse mediador chamavam de Logos.
"João informa aos mesmos que esse mediador que desconheciam é nosso Senhor, e para tal emprega o mesmo nome, Logos (Verbo). Nosso Senhor é o Logos de Deus no sentido de que Ele é o conceito total de Deus, é a Deidade a falar por intermédio do Filho de Deus, não em partículas de linguagem, como que numa sentença composta de vocábulos, mas antes, na vida humana de uma Pessoa divina. Nosso Senhor Jesus disse: "Quem me vê a mim, vê o Pai" (João 14:9), e Paulo diz (Heb. 1:1, 2) que enquanto nas épocas passadas Deus falou a Israel usando os profetas como porta-vozes, agora nos tem falado em uma Pessoa que é Seu próprio Filho. Portanto, nosso Senhor é a Palavra de Deus no sentido de que é a Deidade expressa".
O filósofo judeu Filo a usou 1.300 vezes em sua exposição do Velho Testamento, mas em seus escritos Logos exclui a idéia de Personalidade e Preexistência. Para ele o Logos era um "instrumento" ou "ferramenta" de que se serviu o Criador para formar o Universo.
Na Septuaginta o termo "Logos" é usado para traduzir a palavra hebraica dabhar. De acordo com uma característica da psicologia hebraica o dabhar de um homem é considerado, em certo sentido, extensão de sua personalidade.
João o usou como uma designação para Cristo, como a expressão do caráter, mente e vontade de Deus. Que nesta passagem significa uma pessoa, prova-o o versículo 14 logo abaixo. Por que João chamou a Cristo de Logos é uma questão muito controvertida entre os comentaristas. Talvez a explicação mais simples e satisfatória seja a de Melanchton e outros, a saber: Cristo é chamado o Verbo porque ele é a voz ou o intérprete da vontade divina.
Qual a finalidade de qualquer palavra?
Expressar uma idéia, revelar um pensamento; portanto Cristo veio como expressão da vontade de Deus, para revelá-Lo aos homens. Foi este Verbo ou esta Palavra que trouxe todas as coisas à existência. Todas as coisas foram feitas por Ele, isto é, pelo Verbo Eterno.
Logos corresponde a Eloim no Velho Testamento. Eloim não é um título para a Divindade, mas o nome para Deus como o CRIADOR - Gên. 1:1. João 1:3 apresenta Logos como o Criador de todas as coisas.
João de maneira categórica e inequívoca inicia seu Evangelho declarando que Cristo é Deus, sendo esta uma das mais fortes referências da Bíblia, concernente à absoluta Divindade de Cristo mas apesar desta clareza meridiana este verso é o mais citado pelas Testemunhas de Jeová para negarem a Sua Divindade.
Eis ainda a síntese feita por William Barclay, em New Testament Words, página 188, após o estudo do "Logos" de João.
"Chamando a Jesus de Logos, João afirmou duas coisas sobre Ele:
1ª.) Jesus é o poder criador de Deus vindo para os homens. Sua vinda não foi tanto para nos dizer coisas, mas para fazer coisas por nós.
2ª.) Jesus é o pensamento de Deus encarnado. Podemos bem traduzir as palavras de João assim: "O pensamento ou propósito de Deus se tornou um homem. Uma palavra é sempre a expressão de um pensamento, e Jesus é a perfeita expressão dos pensamentos de Deus para os homens."
Na língua em que João escreveu o Evangelho, João 1:1 está assim:
en arch hn o lοϖgοv και o lοϖgοv hn prov ton yeοϖn kai yeοv hn o lοϖgοv
As Testemunhas de Jeová, com seu negativismo doentio, procurando derribar a doutrina da Trindade e da Divindade de Jesus apresentam a seguinte tradução e comentário deste verso:
"Em João, capítulo primeiro, fala-se dele como sendo o Verbo de Deus, isto é, o porta-voz ou orador representante de Deus. No texto da Bíblia em grego o Verbo é Logos. Daí ele pode ser chamado de Verbo do Logos. Sendo poderoso e tendo essa alta posição de Logos e sendo antes de todas as outras criaturas, ele era um Deus, mas não o Deus Todo-Poderoso, que é Jeová. Essa distinção se comprova na tradução que o Diaglótico Enfático faz de João 1:1-3, conforme se segue: 'No princípio era o Logos, e o Logos estava com DEUS, e o Logos era DEUS. Isto estava no princípio com DEUS. Através disto todas as coisas foram feitas; e sem isto nada do que foi feito se fez'.
"Aqui em nossa citação a diferença tipográfica entre DEUS e Deus está exatamente como se encontra no Diaglótico. A tradução interlinear do Diaglótico feita do grego, palavra após palavra, faz a distinção entre Jeová como "DEUS" e o Logos como "Deus" mais explicitamente conforme lemos a seguir: 'Em um princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e um deus era o Verbo. Isto foi num princípio com Deus'. De maneira muito feliz [veja como foi classificado por Bruce logo na frente] a Tradução Novo Mundo das Escrituras Cristãs Gregas (publicada em 1950) verte João 1:1, 2 assim: 'Originalmente era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era um deus. Este estava originalmente com Deus'. Assim o Verbo ou Logos veio à existência muito antes de uma das posteriores criaturas de Deus se transformar em um diabo e tornar-se, conforme é chamada em II Cor. 4: 4 (T N M), 'o deus deste sistema de coisas'." – Seja Deus Verdadeiro, pág. 33 e 34
Classificaria este trecho com três adjetivos: prolixo herético e confuso.
A tradução no princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era um deus, não pode ser aceita pelo seguinte:
1º.) Apresentando "um segundo Deus" introduzem o politeísmo no monoteísmo bíblico;
2º.) Ninguém, entre os profundos conhecedores do grego, sanciona esta tradução.
3º) Consultando as grandes traduções da Bíblia verificamos que esta distorção não aparece. Apenas Moffatt e Goodspeed, ao que parece para contornarem o problema da não existência do artigo antes da palavra Deus (Theós em grego) traduziram – "e o Verbo era Divino". Se esta fosse a idéia de João ele teria usado o adjetivo divino (theiós).
Em João 1:1, período formado de três orações, as duas primeiras visam preparar o nosso espírito para a afirmação sublime de que Cristo era Deus.
Os dois principais problemas gramaticais levantados pelas Testemunhas de Jeová, são estes:
1 - Qual o sujeito da oração?
2 - O uso do artigo com a palavra Theós = Deus.
PRIMEIRO PROBLEMA - O sujeito da oração.
Em português colocamos o complemento predicativo depois do verbo de ligação, enquanto no grego ele é colocado antes, porque se torna muito mais enfático. The Interpretation of St. John's de R. C. Lenski, página 33.
De acordo com Robertson, página 791, Theós nesta frase é complemento predicativo e Logos o sujeito,
É regra elementar da gramática grega que o adjetivo vindo antes do artigo é predicativo e se o adjetivo vier depois do substantivo, ainda sem artigo é também predicativo. Sabatini Lalli, em seu livro O Logos Eterno na página 34 cita do First Greek Book de John Williams White os seguintes exemplos: μιϖχραι αι οιχιϖαι ησαν − αι οιχιϖαι ηϖσαν - As casas eram pequenas, que elucidam a afirmação feita acima. Nestes dois exemplos o substantivo o οιχιϖαι é o sujeito, e o adjetivo μιϖχραι é o complemento predicativo. Aplicando esta mesma regra à terceira afirmação de João 1:1 veremos que "Logos" é o sujeito e "Theós" o predicativo, portanto a única tradução correta sé poderá ser – "O Verbo era Deus".
SEGUNDO PROBLEMA - Ausência do artigo com "Theós".
Arnaldo B. Christianini em Radiografia do Jeovismo, página 36, escreveu:
"Argumentam elas, as chamadas Testemunhas de Jeová, que ocorrendo o artigo definido TÓN Theón [τοϖν Θεοϖν] em S. João 1:1 segunda oração, e não ocorrendo o artigo com Theós [Θεοϖv] na terceira oração da mesma passagem do Evangelho, é porque essa omissão se destina a mostrar uma diferença. E vão mais longe ainda: dizem que essa 'diferença' é no primeiro caso significar o Único Deus Verdadeiro (Jeová), e no segundo caso significa apenas 'um deus', outro que não o primeiro, inferior a Ele, sendo este último "deus" Jesus Cristo.
"Ora, isto é um contra-senso, além de ser um sacrilégio! Não há nenhuma base lingüística nem lógica para tal desconchavo. Pura invencionice!"
Esta afirmação das Testemunhas de Jeová talvez tenha sua proveniência em Orígenes – o precursor do arianismo que fazia diferença entre Theós e O Theós de João, Cristo é Theós, enquanto Deus o pai é O Theós.
Walter R. Martin, talvez quem melhor sintetizou a parte histórica e doutrinária das Testemunhas de Jeová mostrou a fragilidade da argumentação jeovista de que Deus com artigo é Jeová e sem artigo, um deus inferior, isto é Jesus. No livro The Kingdom of the Cults, páginas 75 e 76 ilustrou com vários exemplos bíblicos que tal afirmativa é inconseqüente.
Para serem coerentes deveriam traduzir as seguintes passagens desta maneira:
Mateus 5: 9 - chamados filhos de um Deus
Lucas 1:35 - Filho de um Deus
Lucas 1:78 - Compaixão de nosso um Deus
João 1:6 - Enviado por um Deus;
desde que o artigo definido não se encontra diante destas palavras.
As Testemunhas de Jeová acrescentam o artigo e o omitem desde que isto favoreça suas conclusões, sem considerarem as regras mais rudimentares da sintaxe do artigo em grego.
Os eruditos na língua grega afirmam que os escritores do Novo Testamento freqüentemente omitem o artigo com a palavra Deus - em grego Theós.
Robertson comentando S. João 1:1 afirma: "No Novo Testamento... embora tenhamos "pros ton Theón" é muitíssimo mais comum encontrarmos simplesmente "Theós, especialmente nas Epístolas.
O uso ou não do artigo é bastante complexo em grego. Estudando a sua sintaxe em três das melhores gramáticas gregas, ou sejam Dana And Mantey, Robertson e Blass não achei nenhuma base filológica que prove suas descabidas afirmações.
Dana And Mantey na página 139 da sua gramática afirmam:
"Um estudo do uso de Θεοϖv como dado por Moulton nos convence de que sem o artigo significa divina essência, enquanto com o artigo divina personalidade... O uso de Theós em João 1:1 é um bom exemplo: prós ton Theón aponta para a comunhão de Cristo com a pessoa do Pai, enquanto Theós en ho logos enfatiza a participação de Cristo na essência da natureza divina.
Robertson, que dedica quarenta e três páginas da sua gramática, para a sintaxe do artigo, afirma na página 795: "A Palavra Theós como um nome próprio, é freqüentemente usada com o artigo ou sem ele. Nas Epístolas aparece freqüentemente sem o artigo. Em S. João 1:1, como sujeito ho Theós, mas como um predicativo, Theós en ho Logos".
W.C. Taylor em seu livro Introdução do Novo Testamento Grego, na página 198 declara:
"Em geral o sujeito tem artigo, mas o predicativo não o tem: ho Theós agape estin = Deus é amor (I João 4:16)".
Quanto ao emprego do indefinido "um" antes da palavra Deus, usada por eles irreverentemente com letra minúscula, Arnaldo B. Christianini provou, à saciedade, que tal invencionice não subsiste.
Robertson, página 796, afirma: O grego não tem artigo indefinido Teria sido muito fácil se a ausência do artigo em grego sempre indicasse que o nome é indefinido, mas nós temos visto que isto não acontece. O nome sem artigo pode ser definido ou "indefinido"
Blass em sua gramática Grega do Novo Testamento na página 143 declara: "Os nomes predicativos em regra geral são usados sem o artigo".
O professor Bruce M. Metzger, profundo helenista, especializado no grego do Novo Testamento, em seu trabalho "Jehovah Witness and Christ", comenta:
"Empregando o artigo "um", os tradutores (da Tradução Novo Mundo) desprezaram o bem conhecido fato de que na gramática grega os nomes podem ser definidos por várias razões, quer esteja presente ou não o artigo definido. Uma frase prepositiva, na qual o artigo definido não vem expresso pode ser definida no grego, como ocorre realmente em João 1:1".
Depois de outros comentários sobre João 1:1, Pastor Christianini conclui:
"As chamadas Testemunhas de Jeová não têm nem mesmo o senso do ridículo ao insistirem na sua esdrúxula "tradução". Seus "ministros" (todos os membros são ministros) não admitem que ninguém mais conheça o grego. Todas as sumidades de renome mundial daquele idioma são uns ignorantes. Só as traduções 'Diaglótica' e 'Novo Mundo' são intocáveis. Não querem examinar. Não querem cotejar. Não querem analisar. Escondem a cabeça sob a areia, como o avestruz." (Pág. 40)
Ainda outra prova conclusiva da irreverente e absurda tradução das Testemunhas de Jeová temos no livro Answers to Questions de F. F. Bruce:
"Pergunta: Que relação, se há alguma, tem a mais recente luz sobre o uso ou omissão do artigo no grego do Novo Testamento sobre João 1:1 com referência à tradução e interpretação daquele verso corrente entre as Testemunhas de Jeová 'o Verbo era um Deus?'
"Resposta: À luz do mais recente estudo do artigo no grego do Novo Testamento, a tradução das Testemunhas de Jeová é vista como sendo 'uma assustadora ou pavorosa (em inglês frightful) tradução incorreta'. Ela despreza inteiramente uma regra estabelecida na gramática grega que requer a tradução '... e o Verbo era Deus'. Colwell da Universidade de Chicago salientou em um estudo do artigo definido grego que 'um predicado nominativo definido tem o artigo quando seque o verbo; não leva artigo quando precede o verbo... O verso inicial do Evangelho de João contém uma das muitas passagens onde esta regra sugere s tradução de um predicado com um substantivo definido. A ausência do artigo (antes de Theós) não torna o predicado indefinido ou quantitativo quando precede o verbo; ele é indefinido nesta posição apenas quando o contexto o exige. O contexto não faz tal exigência no Evangelho de João, porque esta declaração não pode ser considerada como estranha no prólogo do Evangelho que atinge o seu clímax na confissão de Tomé (Bruce M. Metzger, The Jehovah Witness and Christ, 1953, p. 75).
"Veja também C. F. D. Moule, An Idiom of New Testament Greek, 1953, p. 115; Turner, Moulton's Grammar of New Testament Greek, Vol. III Syntax, 1963, p. 183. The New English Bible convenientemente parafraseia a cláusula: 'o que Deus era, a Palavra era'. Este é o princípio fundamental do Quarto Evangelho: 'os feitos e palavras de Jesus são os feitos e palavras de Deus; se isto não for verdade, o livro é blasfemo'."
Nec Plus Ultra
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