17 PASSAGENS MAL COMPREENDIDAS

SUBTILEZAS DO ERRO


TODA a dialética que se possa urdir contra a vigência da lei de Deus tem a sua base em passagens mal compreendidas. Analisemos algumas delas. 

A CARTA DE CRISTO, NÃO EM TÁBUAS DE PEDRA. 

O autor engendra um intrincado comentário em torno do capítulo 3°. de II Coríntios, na vã tentativa de demonstrar que o decálogo foi ab-rogado. A palavra "lei" nem sequer aparece nos textos apontados, e isso é importante. 


Qualquer pessoa de mediana conhecimento das Escrituras facilmente percebe que o assunto que Paulo focaliza aí é o contraste entre os dois concertos, concluindo que o Velho Testamento (à margem, concerto) foi abolido (verso 14). Demonstramos, à saciedade, em outro capítulo desta série, que os dez mandamentos eram a base do concerto, mas não eram o próprio concerto. 

Pediríamos, agora, ao leitor que lesse atentamente, com vagar, todo o capítulo 3º. da segunda carta aos Coríntios. Logo se percebe que Paulo fala de "ministério" e não de lei. É só prestar atenção. O apóstolo estabelece vários contrastes entre os concertos, que, em resumo, são os seguintes: 

VELHO CONCERTO                        NOVO CONCERTO

1. "ministério da morte"           contra    2. "ministério da condenação" 

2. "ministério da condenação"  contra    2. "ministério da condenação" 

3. "letra que mata"                    contra    3. "espírito que vivifica" 

4. "foi abolido"                         contra     4. "permanece" 

5. "em glória"                           contra     5. "em excelente glória" 

Vamos analisar estes contrastes, para melhor esclarecimento. 

1. e 2. Que vinha a ser este "ministério da morte" ou "ministério da condenação?" Com toda certeza não significava "lei", porque ministério ou ministração jamais foi sinônimo de lei. Uma coisa é a ministração de uma lei, outra coisa a lei em si mesma. A ministração, ou ministério, nada mais é do que os meios pelos quais a lei é aplicada, ensinada e vivida e só muita má vontade poderia confundi-la com a própria lei. Portanto, é fora de dúvida que o "ministério da morte" ou "ministério da condenação" referem-se inequivocamente ao antigo ministério ou ministração da lei que fora "gravada com letras em pedra" – ou seja o concerto com base no decálogo, concerto este que, pela incapacidade dos israelitas, precisou ser abolido. 

Ao novo concerto, em contraste, Paulo chama de "ministério do espírito" ou "ministério da justiça". Salta à evidência que, em linguagem vívida e comparativa, o apóstolo procura demonstrar que Cristo e o Seu ministério são a glória refulgente, ao lado da qual a glória do ministério dos tempos anteriores empalidecia e desaparecia. O livro de Hebreus está cheio destes contrastes, livro que fora escrito para os crentes judeus, os quais até aceitarem Cristo criam naturalmente que a glória do Sinai – a ministração (ministério) da lei divina pelos sacerdotes, levitas e governadores – era a última palavra no plano celestial. No entanto, viam depois que a glória de Cristo a superava em muito. 

É evidente também que a metáfora comparativa "tábuas de pedra" e "tábuas de carne do coração" é indicativo do contraste entre os dois concertos. Compare-se cuidadosamente com Jer. 31:31-34; Ezeq. 11:19 e 20. Mas não se pode encontrar aí a mais leve alusão à ab-rogação da lei de Deus. Convém lembrar também que há expressões na Bíblia que devem ser entendidas pelo que de fato significam e não tanto pela forma das palavras. Por simples figura literária, o ministério da lei no velho concerto é denominado de "morte" ou "condenação", isto porque a transgressão da lei (pecado) tinha o seu salário de morte ou condenação. 

Também nos dias de Eliseu, certa vez, as filhos dos profetas ajuntaram-se em torno da "panela grande" em que se cozeu colocíntidas. Evidentemente eram ervas venenosas porque os que as comiam clamaram: "Homem de Deus, morte na panela." II Reis 4:38-40. Em linguagem exata, queriam dizer que havia algo no interior da panela que iria causar a morte, mas, trocando a causa pelo efeito, gritaram, expressando-se daquela forma. Mas fácil é encontrar-se o sentido. Basta ser sincero, e querer descobri-la. Assim a relação de Paulo com as "tábuas de pedra." 

3. Consideremos a "letra que mata," em contraste com o "espírito que vivifica." Um ministério de lei, baseado em sua letra, resulta somente em morte para os seus transgressores; mas um ministério de lei, baseado na justiça de Cristo através da ação do Espírito no coração do pecador, resulta em vida. O primeiro ministério foi letra morta, por inadimplente por parte do novo; o último, espírito que vivifica, por ser Cristo que habilita o homem a obedecer. Sempre em foco os dois concertos. Nada sugere a abolição do decálogo. 

4. Quanto ao que "foi abolido," o versículo14 diz, no original, que foi o velho concerto (diatheke) e não a lei de Deus. O novo permanece. Se a Bíblia diz que permanece, é porque permanece mesmo, queiram ou não os inimigos da verdade. Não se desmente a Palavra de Deus com malabarismos exegéticos. Nada é aqui afirmado com relação ao decálogo. 

5. Finalmente, com relação à "glória" mencionada por Paulo, diz respeita à glória proporcional aos dois ministérios. A justiça divina refulgiu de modo terrível no monte Sinai, quando foi solenemente proclamada a lei. Deus era um fogo consumidor. Porém quão incomparavelmente maior, infinitamente maior, a glória de Deus jorrando sobre a Terra seus raios vivificantes, quando Cristo desceu para "salvar a povo dos seus pecados" S. Mat. 1:21. A última "glória" empalideceu a primeira. Aquela primeira – que produziu reflexos no rosto de Moisés – foi abolida, superada que foi pelo resplendor inigualável da segunda. Claramente diz a Bíblia que o véu foi posto no rosto de Moisés, e não nas tábuas da lei. Era a sua face que brilhava, não as tábuas; e foi o brilho do seu rosto que feneceu, não o decálogo. 

São verdades fáceis de entender. Nos versos 15 e 16, Paulo alude aos judaizantes que se supunham sob o véu, sob o velho concerto. E a glória do Senhor é exaltada no verso 18, como senda o supra-sumo do novo concerto. Claríssimo! Somente num esquema pré-fabricado, amoldado e torcido caberia a tese da ab-rogação da lei de Deus com base em II Cor. 3. 

Comentando este capítulo, escrevam os eruditos e fundamentalistas Jamieson, Fausset, and Brown: "A lei moral dos dez mandamentos, sendo escritas pelo dedo de Deus, é tão obrigatória agora como sempre o foi; mais ainda sob o evangelho com espírito de amor, do que sob a letra de uma obediência servil; agora com espiritualidade muito mais intensa e mais profunda (S. Mat. 5:17-48; Rom. 13:9)." 

Portanto, II Cor. 3 reafirma a vigência da lei! 

À pág. 45 do livro é citado Gál. 3:24 "De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, para que, pela fé, fôssemos justificados," concluindo que em Cristo terminou a função da lei. O Padre Matos Soares traduz melhor: "A lei, pois, foi o nosso pedagogo, para nos conduzir a Cristo, a fim de sermos justificados pela fé." A nosso ver, isto é tão claro que dispensa comentário. 

É ensino fundamental das adventistas que a lei revela a pecado, denuncia as transgressões, mostra o estado miserável do homem e sua incapacidade de salvar-se, e par isso conduz o pecador Àquele que é capaz de salvar: Cristo. O objetivo da lei é levar o homem manchado Àquele que pode – e somente Ele – remover a mancha. A lei conduz o homem a Cristo. Por quê? O próprio texto em lide esclarece: "a fim de ser justificado pela fé." E depois de justificado, já não está mais sujeito à influência da lei ou sua condenação, porque escrito está: "nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus..." Como, em tempos remotos, o aio conduzia meninos à escola, aos mestres para serem ensinados. 

A Authorized Version (Bíblia em inglês) assim traduz o passo: "Assim, mesmo como o aio que conduz uma criança à casa do Mestre, assim a lei nos conduz a Cristo (nosso Mestre), para que pela fé fôssemos justificados." 

Gastaríamos de perguntar: depois de entregue a criança ao mestre-escola, morre acaso o aio? Não continuará ele no seu mister, conduzindo sempre crianças ao mestre? Por que concluir pela ab-rogação da lei, se o texto fala da sua função? Por que baralhar deliberadamente as coisas? Por que tomar o continente pela conteúdo? O nosso oponente precisa aprender muita coisa com os seus colegas mais sábios e experimentados. 

Por exemplo, ninguém melhor do que Charles Spurgeon, príncipe dos pregadores batistas, para lhe explicar Gál. 3:24 à luz do seu contexto. Diz o grande Spurgeon: "Antes de vir a fé, éramos mantidos sob a lei, retidos dentro da fé que depois se revelaria. Por essa causa a lei era nosso aio para conduzir-nos a Cristo, a fim de sermos justificados pela fé. Digo-vos que pondo de parte a lei, despojastes o Evangelho de seu auxiliar mais competente. TIRASTES DELE O AIO QUE LEVA OS HOMENS A CRISTO. Eles nunca aceitarão a graça sem que tremam perante uma lei justa e santa. Por conseguinte, a lei serve ao mais necessário e benéfico propósito, e não deve ser removida do lugar que ocupa." (1) Grifos e versais nossos. 

Spurgeon reduz a subnitrato o raciocínio blasfemo de O Sabatismo à Luz da Palavra de Deus. Outro renomado ministro batista, William Carey Taylor, disse: "Seria uma bênção se cada púlpito no mundo trovejasse ao povo a voz divina do Decálogo, pois a lei é o aio para guiar a Cristo." (2) 

Nada mais é necessário dizer sobre este ponto para demonstrar que o infeliz autor foi refutado pelos seus próprios pares mais esclarecidos. A sua argumentação aqui foi desastrosa, como de .resta em todo o livro. A posição dos anominianos é comprometedora e insustentável diante da clareza do ensino bíblico. A lei divina é sempre reafirmada! 

É lastimável que haja ensinadores religiosos que chegam ao cúmulo de reunir argumentos para votar a lei de Deus ao desprezo! 

Isto é que é insultar a Cristo, o que nos remiu da maldição da lei, mas no-la escreve em nossos corações, sob o novo concerto. 

C. H. Spurgeon, The Perpetuity of the Law of God, pág. 11. 

W. C. Taylor, Os Dez Mandamentos, pág. 5.