Para o nosso vocábulo "novo" o grego nos apresenta dois vocábulos com nuances de significação, ou sejam "νεϖοv" néos e "καινοϖv" – kainós.
Os dicionários nos apresentam a seguinte distinção entre as duas palavras:
Néos seria traduzida em português por novo, jovem, recente, jovial, novo no sentido de tempo, recém-formado, etc.
Kainós é o novo na espécie, no caráter, no modelo, renovado, melhorado, de maior excelência, não novo no tempo, mas novo na forma ou qualidade, melhor que o velho, A distinção pode ser notada com mais propriedade com a resposta à seguinte pergunta.
Qual seria a diferença entre adquirir um livro novo – néos e outro novo – kainós? A resposta seria: para o ato de adquirir um livro recém impresso, o grego usa néos, e para o fato de adquirir um livro conservado, kainós, O exemplo poderia ser ampliado para um carro néos e o carro kainós, um terno néos e outro kainós.
Para a nossa língua com suas limitações vocabulares, em relação ao grego, isto é quase inexplicável.
A International Standard Bible Encyclopedia, vol. 4, pág, 2.140, falando sobre a diferença entre néos e kainós, explica que kainós, denota novo com respeito à qualidade; e néos com respeito ao tempo, aquele que tem recentemente vindo à existência. A nova tumba kainón nemeon (Mat. 27:60), na qual Jesus foi colocado, não tinha sido feita recentemente, mas uma na qual nenhum morto tinha sido colocado.
A nítida distinção entre estes dois adjetivos em grego nos é útil no campo da exegese para melhor compreensão dos seguintes temas:
I. Novo Mandamento
As passagens de São João 13:34; I João 2:7 e 8 e II João 5, têm sido mal interpretadas pelos protestantes e por outros opositores dos Dez Mandamentos, por afirmarem que Cristo dando um novo mandamento, automaticamente estava anulando a lei que foi dada no Monte Sinai. A língua grega não autoriza tal interpretação, desde que nestes versos o adjetivo kainós não significa novo no tempo, recente, mas novo na forma ou qualidade.
O SDA Bible Commentary, vol. 5, págs. 1031, 1032, tecendo considerações sobre João 13:34 nos notifica:
"O mandamento do amor não era em si mesmo novo. Ele pertencia às instruções dadas pelo Senhor, através de Moisés – Lev. 19: 18. O mandamento era novo no sentido de que uma demonstração tinha sido dada do amor e que os discípulos agora eram convidados a imitar. Pela sua revelação do caráter do Pai, Jesus abriu ao homem um novo conceito do amor de Deus. O novo mandamento aos homens, era para que perseverassem no mesmo relacionamento, de uns para com os outros, que Jesus tinha cultivado com eles e a humanidade em geral, Onde o velho mandamento ordenou aos homens que amassem seus vizinhos como a eles mesmos, o novo estimula a amar como Jesus tinha amado. O novo era de fato mais difícil que o velho, mas a graça para o seu cumprimento seria abundantemente provida."
II. Novas Línguas
A diferença entre estes dois adjetivos nos é muito útil na problemática questão do dom de línguas.
Nas discutidas declarações de Marcos 16, questionadas pela Crítica Textual, é predito que os crentes falariam novas línguas (glossais lalessousin kainais, 16:17). O emprego do vocábulo kainós e não o sinônimo néos é esclarecedor neste assunto. Conforme já explicado anteriormente, kainós se refere ao novo primariamente em referência à qualidade, ao novo não usado, enquanto néos se refere ao recente.
Roberto Cromacki, em Movimento Moderno de Línguas, pág.72, afirma:
"É admitido por todos que o fenômeno de falar línguas não ocorreu no Velho Testamento, nem no período dos evangelhos acontecendo somente pela primeira vez no dia de Pentecostes. Portanto, se o falar línguas tivesse envolvido línguas desconhecidas, nunca antes faladas, então Cristo teria usado néos (novo em referência ao tempo). Mas, visto que ele empregou kainós, tem que se referir a línguas estrangeiras, que eram novas àquele que as falasse, porém, que já existiam antes."
Estas novas línguas de Marcos 16:17 são as mesmas encontradas em Atos 2:4, com a denominação de outras línguas. O pronome empregado para outras é εϖτεραι – heterai, isto é, diferentes das que eles estavam acostumados a falar.
III. A Nova Terra
Em Apoc. 21:1 lemos: "Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe."
É confortador saber que a Nova Terra (kainé) vista por João é esta nossa Terra, renovada pelo poder de Deus. Sabemos também que o pecado obliterou o plano divino para esta Terra, mas graças ao plano da salvação esta abençoada Terra, que nos viu nascer, depois de purificada pelas chamas destruidoras será o lar edênico dos salvos.
Assim como esta terra será renovada (kainé), a nossa vida também precisa ser renovada pelo poder de Deus. Devemos submeter-nos à justiça de Cristo, para que esta renovação seja completa. "E assim, se alguém está em Cristo, é nova Criatura: as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas." II Cor. 5:17.
Quando o revelador descreveu o novo céu e a Nova Terra nesta passagem ele usou a palavra grega "kainós" que quer dizer nova em qualidade, contrastando cem néos que significa nova em tempo.
O Comentário Adventista, vol. 7, pág, 889, consigna:
"João estava, provavelmente, ressaltando o fato de que os novos céus e a nova Terra serão criados dos elementos purificados dos velhos, e assim serão novos em qualidade, e serão diferentes. Os novos céus e a nova Terra serão então uma recriação, uma nova feitura dos elementos existentes."
IV. Novo Concerto
A expressão Novo Concerto, em grego "diateke kaine" usada em Heb. 8:8 significa restaurar ou renovar. É um novo renovado, melhorado, de maior excelência.
Nem sempre a diferença entre kainós e néos é bem nítida, como na referência a novo homem, que aparece na Bíblia: kainós ântropos e néos ântropos.
E. W. Bullinger no precioso A Critical Lexicon and Concordance, pág. 523, estabelece para este caso a seguinte distinção:
"Quando as duas palavras são usadas para a mesma coisa, há sempre esta diferença: assim o kainós ântropos, o novo homem, é aquele que difere do anterior; o néos é aquele que é renovado segundo a imagem daquele que o criou." Em Efésios 2:15 – "aboliu na sua carne a lei dos mandamentos na forma de ordenanças, para que dos dois criasse em si mesmo um novo homem, fazendo a paz"; encontra-se o kainós ântropos. Em Colossenses 3: 10 – "e vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou", aparece néos ântropos.
Conclusão
Creio que o estudo destas duas palavras é proveitoso para a explicação de passagens bíblicas, a fim de que os torcedores da verdade, não empreguem declarações como "novo mandamento" e "novas línguas" para apoiarem ensinamentos não defensáveis pelas Sagradas Escrituras.