PODE-SE com segurança dizer que o primeiro capítulo do malsinado livro é nada menos que um amontoado de falsidades inomináveis e revoltantes. Infelizmente o autor não é um homem bem informado, e por isso reproduziu notícias infundadas e outras grosseiramente deturpadas sobre a nossa origem denominacional.
Atacando de início o "ignorante fazendeiro" Guilherme Miller, o autor, além de revelar completo desconhecimento das fatos, está sendo descaridoso para com um próprio colega. Sim, porque Miller era pregador batista licenciado, por força de um certificado que lhe fora outorgado em 12 de setembro de 1833 pela Igreja Batista de Low Hampton (*) Neste documento, atestam-se os conhecimentos bíblicos de seu pregador. E antes de aceitar a fé, era ele deísta confesso. Após catorze anos de estudo persistente e sistemático das Escrituras, foi-lhe conferido o certificado. Seria tão "ignorante" assim?
Outro aspecto importante, que o autor demonstra desconhecer: apesar de ter sido notável pregador e conhecedor das profecias, apesar de seu papel saliente nos antecedentes históricos do adventismo, Miller jamais se tornou um adventista do sétimo dia. Rejeitou doutrinas básicas dos adventistas do sétimo dia – como o sábado, o santuário celestial, o estado do homem na morte e outras. Finalmente morreu como membro da igreja batista, e irredutível observador do domingo. (1)
Como poderia ter sido o fundador da igreja adventista do sétimo dia? Nada mais infundado.
É preciso esclarecer que, ao tempo de Miller, em quase todos os quadrantes do mundo, levantaram-se pregadores inflamados, anunciando com ênfase a vinda de Jesus. Miller, porém, tomou-se o mais veemente arauto desta mensagem, e seu movimento ganhou tal ressonância que, já em 1840, ficou conhecido como milerismo.
Ainda mais: os ardentes pregadores da volta de Cristo em 1844 eram de quase todas as denominações existentes, não existindo naquela época a igreja adventista do sétimo dia – que só se formou depois do desapontamento daquele ano. Releva notar que ministros, oficiais e membros de várias igrejas, inclusive a batista, eram conhecidos como mileritas. Eis o insuspeito testemunho de Licht, escrito em 1844: "Os que pregam a segunda vinda de Cristo e se unem ao milerismo, são membros das seguintes igrejas: Protestante Episcopal, Metodista Episcopal, Metodista Evangélica, Metodista Primitiva, Metodista Wesleyana, Batista da Comunhão Restrita, Batista da Comunhão Livre, Batista Calvinista, Batista Arminiana, Presbiteriana, Congregacional, Luterana, Reformada Alemã etc." (2)
Como se vê, as várias ramificações batistas também estavam ligadas ao milerismo. Como admitir que Miller pertencia à nossa denominação, se a esta altura nem se pensava em adventistas do sétimo dia?
Outro ponto que precisa ser revisto – por ser totalmente infundado – é essa história de fixação de datas pelos adventistas do sétimo dia. Verdade é que Miller fixara a volta de Cristo para 1843, e depois para 1844. Foi só. Após isso, nem ele nem os adventistas do sétimo dia – que surgiram depois – fixaram outras datas.
Outra inverdade é que Miller tenha pregado a obrigatoriedade da guarda "da lei do Velho Testamento". Ele jamais se ocupara deste assunto. O tema único de sua prédica era a iminente volta de Cristo. O seu cálculo profético, baseada em Daniel 8:14, estava rigorosamente exato quanto ao tempo, mas errado quanta ao acontecimento. Não era a vinda de Jesus o que estava predito, mas o inicio do juízo investigativo, como será oportunamente demonstrado.
Como é óbvio, Cristo não podia ter vindo em 1844. Decepções como as de Miller e seus seguidores, sofreram os discípulos. Em caminha de Emaús, lamentou-se um deles ao próprio Jesus: "Nós esperávamos que fosse Ele..." S. Luc. 24:21. O desapontamento de 1844 foi uma dura prova de fé. Como o livro comido pelo vidente de Patmos (Apoc. 11:10), a esperança do segundo advento era doce, mas a decepção tornou-se amarga. Em conseqüência, veio o esbarrondamento do milerismo. De quase um milhão de adeptos restaram aproximadamente cinqüenta mil – segundo os melhores cálculos. Mesmo estes se dividiram em vários grupos com nuances teológicas diversas.
Mas um grupo remanescente – de robusta fé nas promessas divinas – apegou-se em Apoc. 11:11: "Importa que profetizeis outra vez a muitos povos, e nações, e línguas e reis." Deste grupo fiel originou-se a Igreja Adventista do Sétimo Dia – que hoje envolve o mundo num dos mais arrojados empreendimentos missionários.
O adventismo não é um das tantos "ismos" que proliferam no mundo, mas – como disse um escritor – "uma expressão genuína do cristianismo apostólico, remanescente ou redivivo." Ele é portador de uma mensagem específica para os nossos dias.
"O movimento adventista não surgiu no cenário dos acontecimentos histórico-sociais como mera divisão do Protestantismo, ou como fruto amadurecido de uma fantástica e fértil imaginação doentia, como já foi evidenciado; antes, porém, é uma verdade positiva, documentada pela profecia bíblica e pelo desenrolar dos acontecimentos universais, aparecendo no palco da História, no momento exato em que no relógio divino do tempo, soou a hora clara de dar a derradeira mensagem de advertência, de amor e de esperança, que Deus em Sua infinita misericórdia reservou à humanidade na época atual." (Dr. Gideon de Oliveira, em "Data Significativa" – 1951.)
Aí está a verdade sobre a origem denominacional dos adventistas da sétimo dia, e isto destrói os supostos indícios de falsidade com que se procura inquiná-la.
Fica esclarecido que os adventistas do sétimo dia jamais fixaram data para a volta do Senhor. Quem o fez, na época, foi G. Miller, e era batista. Outros grupos espúrios, procedentes do milerismo, talvez o tenham feito também. Nunca, porém, os adventistas da sétimo dia.
À pág, 19 do livro que estamos considerando há essa clamorosa inverdade: que a Sra. White recebeu a revelação de que o santuário de Dan. 8:14 era a Terra e que Cristo viria em 1844. Não tendo vindo o Mestre – arenga o autor – ela mudou de opinião, dizendo que o santuário estava no Céu.
Inteiramente falso. Ela jamais teve revelação desta espécie. O batista Miller é que cria referir-se Dan. 8:14 à Terra e por isso pregava com entusiasmo a volta de Cristo para o fim das 2.300 tardes e manhãs –período profético que terminava indubitavelmente em 1844. Depois do desapontamento, quem primeiro recebeu a nova luz sabre o acontecimento, e compreendeu que o santuário referido naquele versículo era o santuário celestial, onde Crista intercede como Sumo Sacerdote, foi o Sr. Hiram Edson – um dos componentes do primeiro grupo dos adventistas do sétimo dia. A Sra. White também teve luz com relação a esta verdade, confirmando-a.
Porém a mentira mais calva e estarrecedora é esta: "Fixaram então a data da vinda de Cristo para 1844. Falhou outra vez? Continuaram a fixar outras datas, como sejam os anos: 1847, 1850, 1852, 1854, 1855, 1863, 1866, 1867, 1877 etc., e Cristo nunca veio! O que pensa o leitor dum sistema doutrinário com uma base como esta?"
Pondo de parte o sofrível português desse parágrafo, honestamente nós é que não sabemos o que pensar de quem tenha inventado tão grossa patranha a nossa respeito. Aí está uma afirmação inteiramente gratuita, leviana e insustentável. Se é princípio assente que quem afirma assume o ônus da prova, pode-se reptar o autor ou quem quer que seja a provar que os adventistas do sétimo dia em alguma época tenham fixada datas para a vinda do Senhor. Busquem-se fontes fidedignas, exatas e de boa fama. Compulsem-se quaisquer publicações da época. Recorram aos escritos dos pioneiros, do nosso movimento. Examinem-se atas, registros, testemunhos e documentos desde o início da obra; recomponha-se a nassa verdadeira história denominacional e debalde se encontrará uma data fixada pelos adventistas do sétimo dia para a gloriosa vinda de Cristo.
Sem dúvida, a fonte dessas afirmações levianas é de origem suspeita, quando não malévola. Uma propositada confusão objetivando amesquinhar o povo de Deus. Houve um grupo de mileritas, organizado ainda antes dos adventistas do sétimo dia e que se denominava "Igreja Cristã Adventista," de efêmera duração, que se notabilizou em marcar várias datas para a vinda de Jesus. (3) Esse grupo amorfo, que adotava as confissões de fé protestantes, jamais teve a menor ligação com os adventistas do sétimo dia.
Seria o caso de o autor pretender atribuir-nos as datas fixadas por aquela agremiação espúria? Se o faz por ignorância, esta desculpado, mas se deliberadamente quer confundir-nos com aquela corporação de fixadores de tempo – a exemplo de Canright, e outros nossos antagonistas – é tempo de se retratar da falsa imputação, se é que ama a verdade.
Quanto à suposta revelação que a Sra. White teria recebido sobre a fechamento da porta da graça em 1844, então a imputação é mais grave, porque cita livros de sua autoria, onde nada consta a respeito. Compulsamos o Spiritual Gifts, edição de 1858, a que teria servido de base para a acusação, e nada existe a respeito do fechamento da porta da graça. O Great Controversy que outro não é senão o conhecido O Grande Conflito em nosso idioma nada traz a respeito.
É deselegante tal sistema de acusar, baseado em citações de segunda mão, obtidas de fontes não idôneas. Essas imputações foram primeiramente feitas por Miles Grant, Sra. Burdick e reeditadas por Canright. O autor valeu-se deste último testemunho. Mas tudo inteiramente destituído de fundamento. Há aí uma errônea interpretação do que ocorreu em 1844.
No livro citado Spiritual Gifts, às págs. 159 e 160 (e não às págs. 170 e 171) há o seguinte:
"Foi-me então, mostrado o que teve lugar no Céu quanto ao período profético terminado em 1844. Vi que a ministração de Cristo no lugar Santo (do santuário celestial) terminara, e Ele fechara a porta daquele compartimento, e densas trevas cobriram aqueles que tinham ouvido e rejeitado a mensagem da vinda de Cristo e O perderam de vista."
Como é evidente, este trecho não se refere ao fechamento da porta da graça, mas sim do compartimento do santuário celestial, donde passou Cristo para o lugar Santíssimo em 1844, conforme o nosso ensino denominacional, iniciando-se o juízo investigativo. É um grosseiro torcimento de sentido, a inclusão da porta da graça nessa revelação. Isto é o que diz Spiritual Gifts, citado de contrabando pelo autor. O Grande Conflito nada traz a respeito, e pode ser compulsado por qualquer leitor.
Quando começaram a circular tais boatos, ainda em seu tempo a Sra. White desmentia categoricamente tais rumores. Em carta enviada ao pastor Loughborough, diz ela: "... as acusações de Miles Grant, da Sra. Burdick e outros, publicadas em Crisis, NÃO SÃO VERDADEIRAS. São falsas as declarações referentes ao meu procedimento em 1844." "... nunca tive visão de que não mais se converteriam pecadores. Eu sou franca e sinto-me livre para declarar que nunca ninguém me ouviu dizer ou leu da minha pena, afirmativas que lhes justifiquem as acusações que têm feito contra mim neste ponto. Foi na minha primeira viagem para o leste... que me foi apresentada a preciosa luz acerca do santuário celestial, sendo-me mostrada a porta aberta e fechada." "Nunca disse eu nem escrevi que o mundo está condenado." (4)
É pena que o autor se tenha louvado em inverdades tais.
É lamentável que se combata uma doutrina mediante tais processos, porque a mentira, segundo as Escrituras, tem uma péssima filiação.
Concluindo, dizemos: não negamos que o nosso movimento tem raízes que vieram do solo dos mileritas, principalmente quanto ao anelo da segunda vinda do Senhor. E alguns dos pioneiros do nosso movimento, tenham sida mileritas. Isso em nada nos desabona. Os evangélicos de hoje existem em conseqüência da Reforma do século XVI, mas os reformadores haviam pertencido à igreja romana. Paulo saíra das fileiras do judaísmo.
O que negamos com veemência, é que Miller tenha sida o fundador da Igreja dos adventistas do sétima dia – como querem os nossos oponentes – e também que a nossa igreja tenha em algum tempo fixado data para a vinda do Senhor. Nada disso pode ser provado.
Referências:
W. H. Branson, In Defense of the Faith, pág. 318.
The Advent Shield Review, maio 1844, pág. 90.
F. D. Nichol, The Midnight Cry. pág. 476.
F. D. Nichol, Ellen White and Her Critics, págs. 203 e 204.
* Este documento está fotografado à pág. 57 da obra "The Midnight Cry" (O Clamor da Meia-Noite), de Francis D. Nichol – um estudo histórico sobre o milerismo.