NO capítulo II reproduz o autor a cediça acusação de que ensinamos que a expiação dos pecados é feita também por Satanás, pelo fato de o bode emissário de Lev. 16:10 representá-lo e ser portador dos pecados dos remidos. A conclusão é simplista e tendenciosa. Seria o cúmulo do contra-senso admitir que Satanás seja um salvador em qualquer sentido. Seria uma perversão das Escrituras. Ensinamos, ao contrário, que ele é o autor e instigador do pecado. Ensinamos ainda que não há outro nome dado dos céus, pelo qual possamos ser salvos, senão Jesus. Mas Satanás – como primeiro responsável pelo terá que ser exemplarmente punido, não somente pelas próprios pecados, mas pela responsabilidade que ele tem nos pecados daqueles que foram perdoados.
Mas cumpre notar que ele só entra depois de realizada a expiação, depois de cumprido o plano da salvação. É o ajuste final. Como no tipo (leia-se Lev. 16:20), o bode vivo só entrava em cena depois de "acabado de expiar o santuário." Ao passo que o Salvador descrito na Bíblia veio em nosso socorro "quando ainda éramos pecadores" Rom. 5:8. Ora, pecadores não necessitam de um salvador que só entra em contato com eles de depois de os pecados terem sido expiados.
A relação de Satanás com os nossos pecados, pode ser explicada por meio da seguinte ilustração que, com a devida vênia, reproduzimos:
"Um grupo de homens é preso, interrogado e acusado de certos crimes. É-lhes imposta uma multa pesada. Não possuindo dinheiro algum, encontram-se eles em estado desesperador. O seu desespero, porém, muda-se em alegria: um rico filantropo oferece-se para pagar a multa. Eles aceitam a oferta e são libertados. O caso está aparentemente solucionado. Porém, não; a justiça, continuando suas investigações, descobre que certa pessoa de perversos intentos, dominou aqueles pobres homens, seduzindo-os à prática de maus atos. Esta pessoa é presa e julgada. Como resultado de ter a justiça achado que ela é ré de toda a culpa, é-lhe imposta multa mui pesada – muito superior àquela mediante a qual os pobres homens foram libertados graças ao generoso filantropo.
"Todos consideram que a justiça tenha agido retamente. Ninguém pensaria que, pelo simules fato de o grupo de homens haver sido libertado, o caso estaria liquidado... o culpado deve finalmente sofrer as conseqüências dos mesmos crimes, porque ele foi o responsável direto." (1)
Aí está exemplificada a relação de Satanás com os nossos pecados. Somos réus diante de Deus, sem recursos, mas Cristo – o grande filantropo – pagou o preço exigida para a nossa libertação – não com ouro ou prata, mas com Seu precioso sangue. Porém a justiça divina revela que Satanás, o arquiperverso, foi o causador e instigador de todo o pecado, e prossegue ação contra o nosso adversário culposo, fazendo recair sobre a sua cabeça todos os males e culpas dos que foram perdoados.
Isto é justo, lógico e bíblico. Não é invenção de adventistas, como se pretende impingir. O Dr. John Eadie, notável e erudito comentador evangélico, afirma: "Os pecados são lançados sobre Satanás remoto autor e instigador dos mesmos. Embora a penalidade seja retirada aos crentes perdoados, contudo não é retirada daquele que os conduziu à apostasia e à ruína. Os tentados são restaurados, mas toda a punição é vista cair sobre o arquitentador." (2)
Damos ênfase ao fato de ser Satanás o autor do pecado e não salvador em qualquer sentido. Só muita má vontade para conosco concluiria tal absurdo. E aqui vem a pêlo lembrar certo escritor evangélico que, tempos atrás, também nos acusava de ensinarmos que Satanás é o nosso salvador. Porém – sincero que era – teve a hombridade de retratar-se. A acusação fora escrita pelo pastor Grant Stroh – um dos redatores do famoso jornal evangélico Moody Bible Institute Monthly (Mensário do Instituto Bíblico Moody), e apareceu na edição de novembro de 1930. Em resposta a uma carta enviada àquele órgão, o Sr. Stroh, num gesto elegante e cristão, publicou na edição de fevereiro de 1931, o seguinte:
"Disséramos: 'Os adventistas do sétimo dia negam o sacrifício expiatório de Cristo como único meio de salvação do homem, e declaram, em lugar disso, que Satanás é nosso salvador, portador dos pecados e substituto vicário.'
"Afigura-se-nos isto uma afirmação pesada, porém, tendo lido atentamente alguns dos escritos dos adventistas do sétimo dia desde que fora feita, achamos que pode ser provado por eles que tal não é a sua crença. Estou certo de que a maioria daquele povo está salva... e que a maioria deles provavelmente não sustenta tal idéia da expiação.
"Foi somente por amor à verdade, contudo, que lemos não somente uma declaração popular sobre suas crenças – o folheto Crenças e Obras dos ASD mas também examinamos o caminho da salvação apresentado pela sua conhecida prafetisa Sra. Ellen G, White, no The Great Controversy (O Grande Conflito, em português) sobre o qual se basearam as afirmações de "Heresias Expostas." Pedimos desculpas pela grosseria da afirmação em nossa edição de novembro e pedimos perdão àquele bom povo por qualquer afirmação inexata relativa às suas doutrinas."
Isto é confortador e põe à calva o falso pressuposto de que ensinamos a monstruosidade de que Satanás seja um salvador.
Não há dúvida que Satanás será aniquilado. As palavras traduzidas, no Novo Testamento, por "eterno" e "todo o sempre" não significam necessariamente que nunca terá fim. Vêm do grego aion, ou do adjetivo aionios – que é derivado daquele substantivo. Diz Otoniel Mota que esse adjetivo, flutuante em sua significação, espicha ou encolhe, conforme o ambiente em que está, conforme o substantivo a que se apega; é absoluto ou relativo, conforme as circunstâncias, de maneira que pode alargar e restringir a sua significação." (3) Ligado por exemplo, a Deus, vida ou quaisquer atributos divinos, tem o sentido de "sem-fim". Junto de substantivas de natureza transitória ou perecível, certamente tem o sentido de duração limitada.
A carência de espaço não nos permite citar muitas exemplos e comentários de abalizados autores e helenistas eméritos, em torno deste ponto. H. G. Moule, por exemplo, no erudito comentário The Cambridge Bible for Schools and Colleges, anota: "O adjetivo tende a marcar a duração enquanto a natureza da matéria o permite."
Sustentam isto doutos cultores do grego, como J. H. Moulton, George Milligan e estudiosos comentadores como Alfred Plumer, Trench, Alexandre Cruden e outros. Sobre o significado de aion consulte-se o conhecido léxico grego de Lidell and Scott.
Em Judas 7, por exemplo, se diz que "Sodoma e Gomorra es as cidades circunvizinhas .. sofrendo a pena do fogo eterno" (aionios). Estas cidades não estão ardendo até hoje, mas arderam por um limitado espaço de tempo, enquanto havia combustível.
Indicamos ainda o conceituado comentário de J. P. Lange, a respeito deste assunto.
De fato, pregamos o aniquilamento de Satanás, seus anjos e os ímpios. Mas esta operação incineratória não se realiza ex abrupto, num momento. A queima, o tormento no lago que arde com fogo e enxofre (que é a segunda morte) tem uma duração, mais ou menos, longa, proporcional à responsabilidade dos punidos. A cada um "segundo as suas obras". Sem dúvida, cremos numa terrível punição para os ímpios, avultando a de Satanás, a besta e o falso profeta.
Para o autor do livro Sabatismo, o bode emissário também representa Cristo, na parte da remoção dos pecados. Isto é uma interpretação livre e contrária evidência dos fatos que se verificam no ritual do santuário, que tinha lugar no décimo dia do sétimo mês. Notemos o seguinte:
1. A palavra que Almeida traduzia por "bode emissário, no original hebraico é um nome próprio: AZAZEL. Assim o conservou a Versão Brasileira. Grande parte das versões estrangeiras da Bíblia também o conservam. Se é um nome próprio, deve significar alguma coisa.
2. É patente o contraste de que as sortes eram lançadas uma "por Jeová" e outra "por Azazel." Se ambos representassem o mesmo personagem, não haveria tal distinção. E o papel destes caprinos no cerimonial da expiação anual indicam, pelo contraste entre eles, que um tipificava Cristo e o outro logicamente o adversário de Cristo.
3. Os escritores hebreus e cristãos concordam que Azazel (ou bode emissário) seja o tipo de Satanás. Infelizmente não dispomos de espaço para citar os muitos comentários que consultamos, mas indicamos algumas fontes idôneas: M'Clintock And Strong, Cyclopedia of Biblical, Theological and Ecclesiastical Literature, Vol. 9, págs. 397 e 389 art. "Scapegoat"; The Encyclopedic Dictionary, Vol. I, pág. 397; J. Hastings, Bible Dictionary, pág. 77, art. "Azazel;" The New Sehaff-Herzog Encyclopedia of Religious Knowledge, Vol. 1, Pág. 389, art. "Azazel."
O Comentário de Lange, talvez a maior e mais autorizada de suas obras, afirma que "a grande maioria dos modernos comentadores" entende que Azazel seja Satanás.
4. Claramente afirma Lev. 16:9 (RC) que o bode que teve a sorte "pelo Senhor" Arão "o oferecerá para expiação do pecado" O outro de "por Azazel" não era sacrificado e, como foi dito, só entrava em cena depois de "acabado de expiar o santuário" V. 20. Como admitir que seja Cristo também o segundo bode?
Reafirmamos que Satanás é o originador e instigador de todo o pecado. "Ele é primacialmente responsável pelos pecados de todos os homens, e a morte de Cristo não expia a parte de sua responsabilidade e culpa como instigador. Cristo expiou os pecados dos homens mas não os de Satanás. Portanto, quando os nossos pecados estiverem expiados pelo precioso sangue de Cristo, Satã terá que responder por sua parte naqueles mesmos pecados. Eis porque eles serão no devido tempo lançados sobre a cabeça do maligno e ele terá que sofrer por eles. Mas ele não tem parte alguma na expiação pela culpa do homem. Sofrerá por sua própria culpa, por ter induzido os homens ao pecado." (4)
Nada mais claro.
Referências:
F. D. Nichol, Answers to Objections, pág. 410.
Eadie's Bible Cyclopedia, pág. 577.
Otoniel Mota, Uma Passagem Interessante (opúsculo), pág. 6.
W. H. Branson, In Defense of The Faith, pág. 288.