9 O NOVO CONCERTO REAFIRMA A LEI DE DEUS

SUBTILEZAS DO ERRO


O CAPÍTULO III é confuso na explanação da matéria a que se propõe, mas ressalta o objetivo do autor em tentar demonstrar que não precisamos observar a lei de Deus, porque não estamos debaixo do velho concerto. 

É preciso esconder-se em premissas falsas para se chegar a tal conclusão. Afirmamos que os Dez Mandamentos eram a base do velho concerto, como igualmente eles são a base do novo concerto. Os oponentes, tomando o conteúdo pelo continente, concluem que se o velho concerto caducou, também caducou a lei de Deus. Mas não é assim. 

De fato, em Deut. 4:13 se afirma que as Dez Mandamentos (dez palavras, no original) eram o concerto, porém essa maneira de expressar é u modismo hebraico. Do mesmo modo Moisés dissera aos israelitas: "... eu tomei o vosso pecado, o bezerro que tínheis feito, e o queimei." Deut. 9:21. Em linguagem exata, o pecado era o volver deles para um falso deus – um ato da vontade rebelde – mas o bezerro era a base daquele pecado, era apenas aquilo em relação ao qual fora o pecado cometido. Assim também, o concerto fora feito pela vontade dos israelitas em resposta a Deus (Êxo. 19:5-8); os Dez Mandamentos eram a base – o ponto de referência sobre o qual fora o concerto feito. Esta é a legitima relação do decálogo com o concerto. Nada mais claro. 

Por aquele concerto, Israel prometera guardar o decálogo. O concerto dependia do decálogo, mas o decálogo não dependia do concerto. Sem dúvida, o concerto – o trato que Israel fizera – podia ser quebrado um milhão de vezes, porém isto não afetaria a lei de Deus. Por amor aos leitores menos cultos, vamos ilustrar esta verdade. 

Um estrangeiro pode prometer guardar a lei do nosso país, sob a condição de que seja aceito como um cidadão brasileiro. Há então como que um concerto, uma promessa formal da parte dele, e aceita pelas nossas autoridades máximas. A lei do país (Constituição, códigos etc.,) seria no caso a lei que serviria de base a esse convênio ou promessa. Pois bem, esse indivíduo poderia quebrar a sua promessa, ou violar seu convênio; isso, porém, não aboliria e de modo algum afetaria a lei da pais. Ela permaneceria em vigor, quer ele a observasse ou não. O seu convênio dependia da lei, mas a lei não dependia do convênio. 

Portanto há um grande equívoco na argumentação do autor. 

A promessa do novo concerto não prediz uma época em que a graça suplantaria a lei de Deus, mas ao contrário, refere-se claramente a um tempo em que a lei de Deus seria escrita no coração dos homens, e isto, sem dúvida, pela graça de Deus atuando nos seus corações. Jer. 31:33; Heb. 8:10; 10:16. Assim é evidente que, longe de ser a lei de Deus abolida, ela é guardada nu interior daquele que recebeu um novo coração. Ela é, portanto, reafirmada, e não ab-rogada. 

É oportuno lembrar que o insucesso do velho concerto não estava na lei de Deus, mas no povo. Em Heb. 8:8 se diz que Deus os repreendeu, porque eram repreensíveis. A tradução inglesa diz: "Porque sendo eles (o povo) achado em falta..." 

O velho concerto era um pacto de obras, feito sobre promessas humanas, e o seu fracasso demonstrou a falibilidade do homem em pretender, por esforço próprio, guardar os mandamentos de Deus, ou pôr-se em harmonia com a lei do Céu. Quão significativas as palavras de Paulo, ao dizer que "a inclinação da carne" – a mente carnal que caracterizou o Israel rebelde – "não é sujeito à lei de Deus, nem em verdade o pode ser." Rom. 8:7. Isto significa que, quando, pelo evangelho, somos transformados do carnal para o espiritual, então a lei de Deus pode ser escrita em nossos corações, e o novo concerto –ratificado com o precioso sangue de Cristo – é efetivado em nossa vida. Quem não tem um novo coração e não se põe em harmonia com a lei do Céu, nunca nasceu de novo, pois quem vive transgredindo a lei de Deus continua no pecado, porque "pecado é transgressão da lei", segundo a melhor tradução de I S. João 3:4 e o mais autorizado conceito teológico. 

Só mesmo uma falsa concepção da finalidade e conteúdo dos concertos conduziria à conclusão da ab-rogação da lei de Deus. 

As leis civis e cerimoniais eram derivação da lei de Deus, para os judeus. Primeiro, porque eram, na época, depositários dos oráculos divinos, e assim entendemos que, enquanto não surgisse o Messias – o Cordeiro de Deus que Se imolou pelos pecadores – as leis cerimoniais com suas prefigurações consistentes em símbolos, holocaustos, ofertas, sacerdócio, ritos e festividades que apontavam para Ele, tinham que vigorar. Em segundo lugar, porque Israel, como nacionalidade teocrática, tinha o sen código civil de certo moda relacionado com o decálogo. 

Se o velho concerto ligava o Israel literal a Deus, é óbvio que, embora a base daquele concerto fosse o decálogo, logicamente abrangia as leis acessórias. É elementar que os estatutos civis e cerimoniais eram, para Israel, acessórios ao decálogo; eles deviam sua existência e significado ao decálogo, mas este não era dependente deles. 

Sabido é que o novo concerto, a rigor, remonta à queda do homem – com a promessa de redenção que seria efetuada pela Semente da mulher; e que o concerto fora reafirmado a Abraão, Isaque etc., e teve sua vigência suspensa quando os israelitas apresentaram o concerto do Sinai, denominado velho concerto. Porém o novo concerto foi restabelecido depois da falácia do velho, sendo eficazmente ratificado com o sangue de Cristo, e extensivo aos gentios, aos filhos de Deus, ao Israel espiritual. Gál. 3:29. A base desse pacto da graça continua sendo a lei de Deus escrita nos corações. Como é evidente, permaneceu a base, o decálogo. As leis acessórias estão extintas, pois o código civil judaico deixou de vigorar desde o ano 70 A. D, e o cerimonialismo com suas festividades caducou na cruz, quando o "véu do santuário rasgou-se de alto a baixo". 

É fatal a conclusão da que não há o mais leve indício, na doutrina dos concertos, de que a lei de Deus tenha sido abolida. 

Que o novo concerto abrange todos os homens, e que todos os crentes se unem sob o mesmo está claramente demonstrado em Efés. 2:11-13. Diz o apóstolo aos crentes de Éfeso (não eram só judeus) que eles em outros tempos estavam sem Cristo, "estranhos aos concertos da promessa," mas "agora em Cristo Jesus... pelo sangue de Cristo chegastes perto." É disparatada a conclusão de que o novo concerto se aplica somente ao Israel literal, principalmente pelo fato de que este povo, como povo de Deus, fora formalmente rejeitado nos tempos apostólicos, e jamais tornará a ser povo de Deus. 

Não se deve passar por alto o fato de o chamada novo concerto ter sido feito antes do velho. Era, como foi dito, a promessa da graça redentora, que provia o perdão dos pecados. Fora feito a Adão, renovado a Noé, Abraão e a Isaque. Ora, se era um concerto que, no entender do autor do livro, desobriga da guarda da lei de Deus, então os patriarcas também não precisavam guardar os dez mandamentos, por aí se vê como é palpável o absurdo da tese antinomista construída sobre os concertos. 

A lei "dada 430 anos depois," significa que ela foi dada em forma escrita ou solenemente promulgada nessa época, como lembrete a um povo que, pelo convívio com o paganismo, estava perdendo a noção da vontade divina, porém a lei moral existia desde o princípio. Ela revela o pecado, portanto, desde que o existe o pecado, ela existe também. 

A lei de Deus consubstancia-se nos dez mandamentos; resume-se no decálogo, e sua observância subordina-se à aceitação dos homens. Por isso é chamada a "lei da liberdade" em S. Tia. 2:12. Também Cristo dissera ao jovem: "Se queres... guarda os mandamentos." 

Certamente as ordenanças ritualísticas da lei cerimonial e os preceitos civis não seriam escritos nos corações, porque tais leis não dependiam do arbítrio dos homens, mas eram-lhes impostas. Não eram de caráter moral. E note-se que a lei escrita no coração é a mesma lei que Jeremias conhecia seiscentos anos antes de Cristo. E isto vem em abono da permanecibilidade da santa lei de Deus. Como admitir-se a sua ab-rogação? 

Note-se cuidadosamente o que Deus disse através de Jer. 31:33: "Porei a Minha lei no seu interior, e a escreverei no seu coração." Donde se conclui que o novo concerto é uma providência para pôr o homem novamente em harmonia com a vontade divina, ou seja, pô-lo em situação em que possa guardar a lei de Deus. Não há dúvida que "as melhores promessas" conferem perdão dos pecados, dão graça e poder para obedecer à lei de Deus, coisas que o velho concerto não tinha. 

Esta é a verdadeira doutrina bíblica dos concertos, na qual a lei de Deus é exaltada. Porém a tese de que o novo concerto nos desobriga de viver em harmonia com a vontade divina revelada no decálogo, não passa de mais um subterfúgio esfarrapado dos inimigos da lei de Deus.