2 QUALIFICAÇÕES PARA A CONQUISTA DE ALMAS EM RELAÇÃO A DEUS

Conquistador de almas


Irmãos, nossa ocupação principal é ganhar almas. Como os ferradores, precisamos saber muitas coisas. Mas, como ferrador precisa entender de cavalos e de como fazer ferraduras, assim também nós precisamos entender de almas e de como ganhá-las para Deus. 


A parte do tema de que lhes falarei a seguir versará sobre as qualificações para a conquista de almas, limitando-me àquelas que se relacionam com Deus. Procurarei desenvolver o assunto com certo apoio no bom senso, pedido-lhes que julguem quais seriam as que normalmente Deus quereria ver Seus servos, quais provavelmente aprovaria e empregaria.


Vocês sabem que todo trabalhador, se é prudente, usa instrumentos próprios para atingir o objetivo em vista. Há artistas que nunca puderam tocar bem violino, senão como seu próprio, nem pintar, senão com o seu pincel e paleta favoritos. 


E certamente o grande Deus, o mais poderoso de todos os trabalhadores, em Sua grandiosa e artística obra de ganhar almas, gosta de contar com os Seus instrumentos especiais. Na antiga criação usou somente os Seus próprios instrumentos: "Porque falou, e tudo se fez". Na nova criação, o meio eficaz continua sendo a Sua poderosa Palavra. 


Ele fala por intermédio do ministério dos Seus servos, e por isto estes devem ser porta-vozes idôneos para que Deus fale por meio deles, instrumentos adequados para que, por meio deles, Deus transmita a Sua Palavra aos ouvidos e aos corações dos homens. Portanto, irmãos, julguem vocês mesmos se Deus vai utilizá-los, Imaginem que estão no lugar dEle, e pensem de que classe seriam os homens que vocês teriam mais condições de usar, se estivessem ocupando a posição do Deus Altíssimo.

Estou certo de que, antes de mais nada, diriam que aquele que pretende ser um conquistador de almas para Cristo deve ter caráter santo, Ah! Quão poucos dos que ousam pregar pensam nisto o bastante! Se o fizessem perceberiam logo que o Eterno jamais utilizaria instrumentos sujos, que Jeová, três vezes santo, escolheria somente instrumentos santos para a realização da Sua abra. Nenhum homem inteligente poria o seu vinho em garrafas sujas; nenhum pai carinhoso e amoroso permitirá que seus finos assistissem a uma peça ou película imoral; e Deus não trabalha com instrumentos que viriam a comprometer o Seu caráter. 

Suponhamos que toda gente ficasse sabendo que Deus empregaria homens que fossem inteligentes, sem se importar com seu caráter e com seu comportamento. Suponhamos que vocês pudessem empreender do bem a obra de Deus mediante trapaças e falsidades, como mediante sinceridade e retidão. Se fosse possível pensar isso, que homem no mundo, dotado de algum senso do que é certo, não se envergonharia de tal estado de coisas? Mas, irmãos, não é assim. Nos dias de hoje há muitos que dizem que o teatro é uma grande escola de moral. Estranha escola essa, na qual os professores nunca aprendem as lições que dão. Na escola de Deus, os professores têm que ser mestres da arte da santidade. Se ensinarmos uma coisa com os lábios, e outra com a vida que levamos, os que nos ouvem nos dirão: "Médico, cura-te a ti mesmo". "Dizes: 'Arrependei-vos.' Mas onde está o teu arrependimento? Dizes: 'Servi a Deus, e sede obedientes à sua vontade'. Mas tu serves a Deus? És obediente à Sua vontade?" 

Um ministério que não fosse santo seria motivo de zombaria para o mundo, e seria desonra para Deus. "Purificai-vos, os que levais os utensílios do Senhor." Deus pode falar por meio do néscio, contanto que este seja santo. Naturalmente não quero dizer que Deus escolhe néscios para serem Seus ministros. Mas se um homem for santo de verdade, ainda que tenha o mínimo de aptidão, será nas mãos de Deus um instrumento mais apropriado do que outro que exibe tremendas capacidades, mas não é obediente à vontade divina, nem puro e limpo diante do Senhor Deus Todo-poderoso. 

Caros irmãos, rogo-lhes que dêem a maior importância à sua santidade pessoal. Vivam para Deus. Se não, o seu Senhor não estará com vocês: Ele dirá de vocês o que disse dos falsos profetas antigos: "Eu não os enviei, nem lhes dei ordem; também proveito nenhum trouxeram a este povo, diz o Senhor". 

Vocês podem pregar excelentes sermões, mas se não forem santos em suas vidas, nenhuma alma será salva. É provável que não concluam que a sua falta de santidade é a razão de sua falta de sucesso. Culparão o povo, culparão a época em que vivem, culparão tudo, menos a si próprios; mas é aí que estará radicado o mal todo. Porventura eu mesmo não conheço homens de notável engenho e arte que vão ano após ano sem nenhum crescimento de suas igrejas? O motivo é que não vivem na presença de Deus como deviam. Às vezes o mal está na família do ministro; seus filhos e filhas são rebeldes contra Deus. O ministro tolera o linguajar baixo dos filhos, e suas repreensões lembram a indulgente pergunta de Eli a seus ímpios filhos: "Por que fazeis tais coisas?" Às vezes o ministro é mundano, ganancioso e negligente para com o seu trabalho. Isso não se harmoniza com a mente de Deus, e tal homem não será abençoado por Ele.

Certa ver ouvi uma pregação de Jorge Müller em Mentone. Sua mensagem poderia ser entregue por qualquer professor de escola dominical, No entanto, jamais ouvi um sermão que me fizesse tanto bem, e que me fosse mais proveitoso para a alma. Foi a pessoa de Jorge Müller no sermão que o tornou tão benéfico. Mas num sentido não havia nada de Jorge Müller nele, pois pregou não a si próprio, mas a Cristo Jesus, o Senhor. O pregador estava ali apenas em sua personalidade, como testemunha da verdade, mas deu esse testemunho de tal maneira, que não se poderia deixar de dizer: "Este homem não só prega o que crê, mas também o que vive". Em cada palavra que pronunciava, a sua gloriosa vida de fé parecia cair tanto no ouvido como no coração da gente. Era um prazer estar eu ali a ouvi-lo. Todavia, não havia nem sinal de novidade e de idéias pujantes em todo o seu discurso. A santidade era o seu poder. E podemos estar certos de que, se havemos de contar com a bênção de Deus, a nossa força deve derivar-se da mesma fonte.

Esta santidade deve manifestar" na comunhão com Deus. Se alguém pregar a sua própria mensagem, ela terá o tanto de poder que seu caráter pessoal puder dar-lhe. Mas se pregar a mensagem do seu Mestre, recebida dos lábios do seu Mestre, a coisa será bem diferente. E se pôde adquirir algo do espírito do Mestre enquanto Este o olhava e lhe dava a mensagem a transmitir, se puder reproduzir a expressão do rosto do seu Mestre, e o tom de Sua voz, a coisa mudará completamente. Leiam as Memórias de Mc Cheyne, leiam-nas do começo ao fim. Não posso prestar-lhes melhor serviço do que recomendar que façam essa leitura. Não há nela grandes pensamentos originais, nem novidades, nem coisas surpreendentes. Mas tirarão grande proveito da sua leitura, pois se darão conta de que se trata da história da vida de um homem que andava com Deus. Moody jamais teria falado com o poder com que falava, se não tivesse tido uma vida de comunhão com o Pai e com Seu Filho, Jesus Cristo. A maior força do sermão depende do que aconteceu antes do sermão. Vocês devem preparar-se para todas as partes do culto mediante comunhão pessoal com Deus, em verdadeira santidade de caráter.

Todos reconhecerão que, se um homem haverá de ser usado como conquistador de almas, deve possuir um alto grau de espiritualidade. Vocês sabem, irmãos, que o nosso labor, sob a graça de Deus, consiste em comunicar vida a outros. Seria bom imitar Eliseu, quando se estendeu sobre o menino morto, e o trouxe de volta à vida. O bordão do profeta não bastou, porque não tinha vida. A vida tem que ser transmitida por  m instrumento vivo, e o homem ao qual compete transmitir a vida deve possuí-la em abundância. Decerto se lembram das palavras de Cristo: "Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios d'água viva correrão do seu ventre". Isto é, quando o Espírito Santo habita num filho vivente de Deus, Ele mais tarde fluirá seu ser como uma fonte ou um rio, a fim de que outros venham e participem da influência da graça de Deus, o Espírito. Não acredito que algum de vocês queira ser um ministro morto. Deus não usará instrumentos mortos para produzir milagres vivos; Ele requer homens vivos, e plenamente vivos.

Existem muitos que estão vivos, mas não plenamente vivos. Lembro-me de ter apreciado uma vez um quadro representando a ressurreição, um dos mais estranhos que já vi. O artista tentara retratar o momento em que a ressurreição estava em meio à sua realização: alguns estavam vivos até a cintura, alguns tinham somente um braço vivo, e outros tinham viva apenas parte da cabeça. É o que se pode ver hoje em dia. Há pessoas que estão vivas só pela metade; alguns têm mandíbulas vivas, mas o coração morto; outros têm coração vivo, mas o cérebro morto; outros têm vivos os olhos, podendo ver com toda clareza as coisas, mas o seu coração não vive, de modo que podem descrever muito bem o que enxergam, mas lhes falta o calor do amor. Alguns ministros são meio anjos e meio – bem, digamos, meio vermes. 

O contraste é horrível, mas casos assim são muitos. Haverá algum deles aqui? Pregam bem e, ao ouvi-lo, você diz: "Esse é um bom homem". Você tem a impressão de que ele é bom, ouve dizer que vai jantar na casa de tal ou tal pessoa, e gostaria de ir lá também para ouvir as palavras cheias de graça que sairão dos seus lábios; à medida que observa, eis que deles saem. . , vermes! Fora um anjo no púlpito; agora vêm os vermes! Muitas vezes é isso que se dá, mas não devia acontecer nunca. Se queremos ser verdadeiras testemunhas em favor de Deus, devemos ser em tudo como anjos e nada ter de vermes. Deus nos livre dessa condição de semi-mortos! Oxalá estejamos vivos da cabeça aos pés! Conheço alguns ministros assim. Não se pode entrar em contato com eles sem sentir o poder da vida espiritual que neles há. Não é somente enquanto falam sobre tópicos religiosos, mas mesmo nas coisas comuns da vida diária na terra, percebe-se claramente que existe algo neles que mostra que estão totalmente vivos para Deus. Esses homens Deus usa para vivificar outros.

Suponhamos que fosse possível para vocês serem elevados ao lugar de Deus. Não acham que empregariam o homem que, também, tivesse um modesto conceito de si mesmo, um homem de espírito humilde? Se vissem um homem orgulhoso, haveria probabilidade de que o usassem como seu servo? Certamente Deus tem predileção pelos humildes. "Porque assim diz o alto e o sublime, que habita na eternidade, e cujo nome é santo: Num alto e santo lugar habito, e também como contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito aos abatidos, e para vivificar o coração dos contritos." Deus detesta o orgulho, e sempre que vê gente altiva e poderosa, passa de largo; mas toda vez que encontra o humilde de coração, deleita-se em exaltá-lo. O Senhor tem prazer principalmente na humildade dos Seus ministros. É horrível ver um ministro orgulhoso. Poucas coisa dão mais alegria ao diabo, quando este faz os seus passeios. É algo que o deleita, e ele diz a si próprio: "Eis aí todos os preparativos para uma grande queda já, já". Alguns ministros mostram seu orgulho em sua postura no púlpito. Não é possível esquecer seu modo de anunciar seu texto: "Sou eu; não temais". Outros em sua roupagem, na tola vaidade das suas vestes; ou então em sua prosa comum, em que constantemente exageram as deficiências de outros e se inflamam nas excelências extraordinárias que dizem ter.

Há duas classes de gente orgulhosa, e às vezes é difícil dizer qual delas é a pior. A primeira é a dos que estão cheios dessa vaidade que os leva a falar de si mesmos e a esperar que os outros os elogiem também, que lhes dêem palmadinhas nas costas e os adulem. Levantam a crista e se pavoneiam como quem diz: "Felicitem-me, por favor; preciso dos seus aplausos", como um menino que vai a cada um dos que se acham na sala, e diz : "Veja só minha roupa nova; não é bonita?" Vocês por certo já viram alguns desses espécimes; eu já encontrei muitos deles. 

A outra classe de orgulho está muito acima dessas coisas. Não se preocupa com isso. Os orgulhosos desse tipo desprezam tanto os outros, que não condescendem nem sequer em desejar os seus elogios. Estão satisfeitíssimos consigo mesmos; tanto que nem se rebaixam para considerar o que os outros pensam a seu respeito. Às vezes acho que esta é a classe de orgulho mais perigosa para a vida espiritual, mas é muito mais respeitável do que a outra. Afinal, existe algo de nobre em ser orgulhoso demais para ser orgulhoso. Imaginem que aqueles grandes burros venham zurrando para vocês; não sejam burros a ponto de lhes dar atenção. Porém esta outra pobre e frágil alma diz: "Ora, receber elogios de toda gente vale alguma coisa". E põe assim a sua isca na ratoeira, tentando pegar ratinhos de elogios a fim de cozinhá-los para o seu desjejum. Tem um apetite enorme para essas coisas. 

Irmãos, descartem-se das duas classes de orgulho, se possuem qualquer parcela de uma ou de outra. Tanto o orgulho anão como o orgulho papão são abomináveis à vista do Senhor. Nunca se esqueçam de que vocês são discípulos daquele que disse : "Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração".

Ser humilde não é considerar-se indigno. Se um homem se considera inferior, é bem possível que esteja certo. Conheci algumas pessoas cuja opinião de si próprias, segundo o que elas mesmas diziam, era baixa deveras. Tinham em ao pouca conta a sua capacidade, que jamais se aventuravam a fazer qualquer bem. Diziam que não tinham autoconfiança. Conheci alguns que eram tão assombrosamente humildes, que sempre gostavam de conseguir um lugar cômodo para si. Eram humildes demais para fazer qualquer coisa que pudesse sujeitá-los a alguma censura. Chamavam isso de humildade, ruas eu acho que "pecaminoso amor à comodidade" seria melhor nome para a sua conduta. A verdadeira humildade os levará a fazer um julgamento justo de sua própria pessoa, encarando a verdade sobre si mesmos.

Na questão de ganhar almas, a humildade nos faz sentir como não sendo nada nem ninguém, e que, se Deus nos concede sucesso no trabalho, a Ele devemos atribuir toda a glória, pois nenhum crédito nos pertence realmente. Se não temos sucesso, a humildade nos leva a culpar nossa estultícia e nossa fraqueza, e não a soberania de Deus. Por que haveria Deus de dar-nos a bênção e depois deixar-nos fugir com a Sua glória? A glória da salvação de almas pertence a Deus, e a Ele somente. Por que, pois, haveríamos de tentar roubá-la? Vocês sabem quantos tentam praticar esse roubo! "Quando preguei em tal ou qual lugar, quinze pessoas me prostraram depois do culto para agradecer-me o sermão." Ai de você e seu belo sermão! Poderia empregar expressão mais forte, porque de fato merece condenação toda vez que queira ficar com a honra que só a Deus pertence. 

Certamente se lembram da estória do jovem príncipe que entrou no quarto onde achava que seu pai moribundo estava a dormir, e experimentou a coroa real para ver se lhe servia bem. O rei, que o observava, disse: "Espera um pouco, meu filho; deixa-me morrer primeiro". Assim, quando algum de vocês estiver inclinado a pôr na cabeça a coroa de glória, imagine que ouve a voz de Deus que lhe diz; "Espera que Eu morra, antes de experimentar a Minha coroa". Como isto não acontecerá jamais, melhor não pôr as mãos na coroa, mas, sim, deixar que a use Aquele a quem ela de direito pertence. Antes deveríamos dizer : "Não a nós, senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória, por amor da tua benignidade e da tua verdade."

Por não terem sido humildes, alguns foram despojados do ministério, porque o Senhor não usará aqueles que não Lhe atribuem toda a glória. A humildade é um dos principais requisitos para que a pessoa seja utilizável. Muitos foram cortados do rol dos homens úteis porque se exaltaram em seu orgulho, e assim caíram no laço do diabo. Talvez vocês achem que, visto serem apenas pobres estudantes, não há por que temer a queda nesse pecado. Mas é bem possível que para alguns de vocês haja o máximo de perigo justamente por essa razão, caso Deus os abençoe colocando-os em posição proeminente. 

O homem criado e educado a vida toda em um elevado circulo social, não sente tanto a mudança quando vem a ocupar um cargo que para outros significaria uma ascensão extraordinária. Sempre acho que, no caso de certos homens cujos nomes eu poderia citar, cometeu-se um grande erro. Tão logo se converteram, foram retirados do seu meio ambiente e colocados diante do público na qualidade de pregadores populares. Foi realmente uma pena o fato de muitos terem feito deles pequenos reis, preparando assim o caminho para sua queda, pois não puderam suportar a mudança repentina. Teria sido bom para eles se os tivessem atacado e maltratado por uns dez ou vinte anos. Talvez isto os tivesse posto a salvo de uma desgraça muito maior no futuro. Sempre manifesto gratidão pelo rude tratamento que recebi de todo tipo de gente quando eu era principiante. Mal fazia alguma coisa boa, vinham em cima de mim como um bando de cães. Não tinha tempo para sentar-me e gabar-me do que fizera porque estavam continuamente em cima de mim desvairados, a uivar. Se eu tivesse sido apanhado de repente, e posto onde agora estou, o provável é que teria descido de novo com a mesma rapidez. Quando vocês se formarem, ser-lhes-á bom que os tratem como fizeram comigo. Se tiverem grande sucesso, isso virará suas cabeças, se Deus não permitir que sejam afligidos de um modo ou de outro. 

Se alguma vez forem tentados a dizer: "Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei?" , lembrem-se de como Nabucodonosor "foi tirado dentre os homens, e comia erva como os bois, e o seu corpo foi molhado do orvalho do céu, até que lhe cresceu pelo, como as penas da águia, e as suas unhas como as das aves". Deus tem muitas maneiras de pôr abaixo o orgulho de Nabucodonosor, e também pode humilhá-los facilmente, se se exaltarem com presunção. Este ponto da necessidade do conquistador de almas ser profundamente humilde dispensa qualquer prova; cada um pode ver, num piscar de olhos, que Deus não irá provavelmente cobrir de bênçãos homem algum, a menos que este seja verdadeiramente humilde.

Outro requisito vital para obter sucesso na obra do Senhor é uma fé viva. Vocês bem sabem, irmãos, como o Senhor Jesus Cristo não pôde fazer muitos prodígios em sua própria terra por causa da incredulidade do povo. É igualmente certo que com alguns homens Deus não pode fazer maravilhas por causa na incredulidade deles. Se vocês não crerem tampouco serão usados por Deus, "Como creste te seja feito" ("Seja feito conforme a tua fé", Almeida Atualizada), Esta é uma das inalteráveis leis do Seu reino. "Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e ele passará. Nada vos será impossível." Mas, se for preciso perguntar: "Onde está a sua fé? ", os montes não se moverão, e nem sequer um modesto sicômoro será removido do seu lugar.

Irmãos, devem ter fé quanto a sua vocação para o ministério; devem crer sem vacilar que são eleitos de Deus para serem ministros do Evangelho de Cristo. Se crerem firmemente que Deus os chamou para pregarem o Evangelho, pregá-lo-ão com coragem e confiança, e se sentirão como quem vai fazer o seu trabalho porque têm o direito de fazê-lo. Se tiverem a idéia de que talvez não passem de intrusos, não farão nada que preste. Serão apenas uns pobres pregadores, frouxos, tímidos, vacilantes em suas convicções, cuja mensagem ninguém levará a sério. Seria melhor que não começassem a pregar enquanto não estivessem completamente seguros de que Deus os chamou para essa obra. 

Certa vez um homem escreveu-me perguntando se devia pregar ou não. Quando não sei que resposta dar a alguém, procuro responder do modo mais prudente possível. Por conseguinte, escrevi àquele homem: "Prezado amigo, se o Senhor abriu a sua boca, o diabo não poderá fechá-la, mas se foi o diabo que a abriu, oxalá o Senhor a feche!" Seis meses mais tarde encontrei-me com o homem, e ele me agradeceu a carta, a qual, disse ele, incentivou-o a continuar pregando. Perguntei: "Como foi isso?" Respondeu ele : "Você disse que se o Senhor me abrira a boca, o diabo não poderia fechá-la". Respondi: "De fato, mas também lhe apresentei o outro lado da questão". "Oh!", replicou imediatamente, "essa parte nada tinha a ver comigo." Sempre acharemos oráculos que confirmem as nossas idéias, se soubermos interpretá-los. Se vocês têm genuína fé em sua vocação para o ministério, estarão prontos, como Lutero, para pregar o Evangelho, mesmo que estejam nas mandíbulas do leviatã, entre seus dentes enormes.

É preciso que creiam, também, que a mensagem que lhes cabe transmitir é a Palavra de Deus. Preferiria que cressem intensamente em meia dúzia de verdades, a que cressem debilmente em uma centena delas. Se sua mão não é capaz de abarcar muito, agarrem com firmeza o que puderem. Porque, se numa lufa-lufa nos dessem permissão para levar conosco tanto ouro quanto pudéssemos pegar de um mundo, não nos seria útil ter uma grande bolsa; teria mais vantagem quem pegasse com a mão o que pudesse segurar bem, sem soltá-lo. 

Talvez façamos bem em imitar, às vezes, o rapaz da antiga fábula. Quando enfiou a mão numa jarra de gargalo estreito, agarrou tantas nozes que não podia retirar nem sequer uma delas, e só depois de largar a metade foi que pôde tirar as nozes para fora. Assim conosco. Não podemos segurar tudo; é impossível, nossa mão não é suficientemente grande. Mas aquilo que conseguirmos pegar, tratemos logo de segurar bem. 

Creiam mesmo naquilo que crêem, ou do contrário jamais vão persuadir outros a crerem nisso. Se adotarem um estrio como este: "Acho que esta é a verdade e, sendo jovem como sou, rogo sua bondosa atenção para o que vou dizer; o que faço é simplesmente sugerir", e assim por diante, se esse for o seu modo de pregar, estarão produzindo o meio mais fácil de gerar dúvidas. Preferiria ouvi-los dizer : "Embora jovem, o que tenho para dizer provém de Deus, e a Palavra de Deus diz assim e assim, e isto e aquilo. É isso. E vocês devem crer no que Deus diz, ou, caso contrário, estarão perdidos". 

Os seus ouvintes dirão: "Esse rapaz crê de fato em alguma coisa". E é muito provável que alguns deles sejam levados a crer também. Deus utiliza a fé que os seus ministros têm para produzir fé em outras pessoas. Estejam certos de que o pregador que duvida não leva ninguém à salvação; e de que pregar suas dúvidas e suas indagações nunca pode fazer com que uma alma se decida por Cristo. Terão que ter grande fé na Palavra de Deus, se quiserem ganhar as almas daqueles que a ouvem.

Devem crer também que essa mensagem tem poder para salvar pessoas. Decerto já ouviram a história de um dos nossos primeiros estudantes que me procurou e disse: "Faz meses que prego, e não creio ter conseguido uma conversão sequer". Disse-lhe eu: "E você espera que o Senhor irá abençoá-lo e salvar almas toda vez que você abrir a boca?" "Não senhor", respondeu ele. "Muito bem, pois", disse eu, "ai está por que você não vê conversões. Se tivesse crido, o Senhor o teria abençoado." Peguei-o direitinho; mas muitos outros teriam respondido como ele. Timidamente crêem que, graças a algum estranho e misterioso método, uma vez em cada cem sermões é possível que Deus ganhe a quarta parte de uma alma. Sua fé quase não lhes basta para mantê-los eretos era seus sapatos, como podem esperar que Deus os abençoe? Gosto de ir para o púlpito pensando e sentindo isto: "Esta é a Palavra de Deus, que vou transmitir em Seu nome. Ela não poderá voltar vazia para Ele. Pedi que derramasse sobre ela a Sua bênção e Ele com certeza irá abençoá-la. Seus propósitos se cumprirão, quer a minha mensagem tenha sabor de vida para vida, ou sabor de morte para morte, para aqueles que a ouvem".

Pois bem, se vocês se sentem assim, que acontecerá se não houver conversões? Ora, farão reuniões especiais de oração, procurando saber por que as pessoas não aceitam a Cristo; promoverão encontros para os que estão preocupados com a sua condição espiritual; receberão as pessoas mostrando semblante alegre, para que vejam que vocês estão esperando bênçãos; mas, ao mesmo tempo, farão com que saibam que ficarão dolorosamente desapontados se o Senhor não lhes der conversões. Entretanto, que sucede em muitos lugares? Ninguém ora bastante acerca desta questão, não se fazem reuniões para clamar a Deus por bênçãos, o ministro nunca estimula as pessoas a lhe falarem da obra de graça em suas  almas; em verdade, em verdade lhes digo, esse já tem a sua recompensa; ganha o que pediu, recebe o que esperava, seu Senhor lhe dá uma moeda, e nada mais. A ordem é: "Abre bem a tua boca, e ta encherei"; e aqui ficamos nós, lábios cerrados, aguardando a bênção. Abra a sua boca, irmão, cheio de esperança, firme na fé – e segundo a sua fé lhe será feito.

Esse é o ponto fundamental, se querem ser conquistadores de almas para Cristo, terão que crer em Deus e no seu Evangelho. Algumas outras coisas poderão ser deixadas de lado, mas a fé, nunca. É certo que Deus nem sempre mede Sua misericórdia pela nossa incredulidade, porque não se porque não se limita a pensar em nós; pensa também nos outros. Porém, considerando a questão à luz do bom senso, vê-se que quem tem mais probabilidade de ser empregado como instrumento para realizar a obra do Senhor é aquele que espera que Deus faça uso dele, e que lança mãos à obra com a tenacidade oriunda dessa convicção. Quando lhe chega o bom êxito, não o apanha de surpresa, pois o buscava, semeou a semente viva, e esperava ceifar da messe resultante. Lança o seu pão sobre as águas e se dispõe a procurar e vigiar até achá-lo de novo.

Ainda, para que o homem vença no ministério e ganhe muitas almas, deve caracterizar-se por constante ardor. Não conhecemos alguns que pregam de maneira tão sem vida, que dificilmente alguém se impressiona com o que dizem? Eu estava presente quando um bom homem pediu ao Senhor que o abençoasse dando-lhe frutos de conversão mediante o sermão que is pregar daí a pouco, Não pretendo limitar a onipotência, mas não creio que Deus pudesse abençoar com vistas a nenhum pecador o sermão pregado por aquele homem nessa ocasião, a não ser que fizesse o ouvinte entender erroneamente o que o ministro disse. Foi um daqueles sermões do tipo "atiçador brilhante" como lhes chamo, Vocês sabem que há atiçadores que se guardam na sala apenas para efeito decorativo, e nunca são utilizados. Se alguém quisesse usá-los para atiçar o fogo, não irá aborrecer com certeza a dona da casa? Estes sermões são justamente como aqueles atiçadores – polidos, brilhantes e frios; fazem pensar que poderiam ter alguma relação com os habitantes das estrelas, mas certamente não têm nenhuma ligação com ninguém deste mundo, Não há quem possa dizer que beneficio pode resultar de tais discursos. Tenho a certeza de que não têm poder nem para matar uma barata ou uma aranha; quanto mais para dar vida a uma alma morta. Há alguns sermões sobre os quais se pode dizer verdadeiramente que, quanto mais se pensa neles, menos se pensa deles. E se algum pobre pecador vai ouvi-los com a esperança de obter salvação, só se pode dizer que é provável que o ministro lhe obstrua o caminho do céu, em vez de lho indicar. 

Estejam certos de que farão os homens compreenderem a verdade, se vocês o quiserem de fato. Mas se não forem sinceramente fervorosos, não é provável que eles o sejam. Se alguém batesse à minha porta em plena meia-noite, e quando eu pusesse a cabeça para fora da janela para ver o que era, ele dissesse com sossego e indiferença: "Sua casa está pegando fogo lá atrás", eu não acreditaria em fogo nenhum, e ficaria com vontade de jogar um balde de água em cima dele. Se estou passeando por aí, vem um homem e me diz alegremente : "Boa tarde, senhor. Sabe que estou para morrer de fome? Faz tempo que não provo alimento algum de verdade", respondo: "Caro amigo, você parece tão bem! Não creio que esteja precisando de muita ajuda, pois, se fosse assim, não estaria tão despreocupado". 

Parece que alguns costumam pregar deste jeito: "Diletos amigos, hoje é domingo, e aqui estou. Passei o tempo todo estudando durante a semana, e agora espero que ouçam o que tenho para dizer-lhes. Não sei se do que vou dizer algo lhes interessa particularmente, sendo que talvez tenha alguma ligação com os homens da lua. Mas entendo que alguns de vocês correm o risco de ir para um certo lugar que não quero mencionar, somente digo que ouvi dizer que é um lugar impróprio até mesmo para uma residência temporária. Devo pregar-lhes especialmente que Jesus Cristo fez algo que, de um modo ou de outro, tem que ver com a salvação, e se vocês atentarem para o que fazem" - etc. - "é possível que hão de" - etc., etc. Essa é, em resumo, a exposição fiel de muitos discursos. Nessa espécie de fala não há nada que possa trazer algum beneficio a quem quer que seja. E depois de manter esse estilo durante quarenta e cinco minutos, o homem conclui dizendo: "Agora é hora de ir para casa", e espera que os diáconos lhe entreguem a remuneração pelos serviços prestados. Ora, irmãos, esse tipo de coisa não funciona. Não viemos ao mundo para perder tempo e fazer os outros perderem tempo desse jeito.

Espero que tenhamos nascido para algo melhor do que cisco na sopa, como o homem que acabo de descrever. Imaginem só, Deus enviando alguém ao mundo para tentar ganhar amas com tal mentalidade e com esse modo de ser. Há. alguns ministros que vivem esgotados de não fazer nada. No domingo pregam dois sermões, ou algo parecido, e dizem que esse esforço quase acaba com eles. Fazem umas ligeiras visitas pastorais, que consistem em tomar uma chávena de chá e em conversa fiada. Mas não há neles nenhuma amorosa paixão pelas almas, nenhum "Ai!" em seus corações e em seus lábios, nenhuma consagração completa e nenhum zelo no serviço de Deus. Não será de estranhar, pois, se Deus os varrer do caminho, se os arrancar como a ervas doninhas. O Senhor Jesus Cristo chorou sobre Jerusalém, e vocês também terão que chorar sobre os pecadores, se é que hão de ser salvos por seu intermédio. Caros irmãos, sejam fervorosos, ponham toda a alma no seu trabalho, ou então, deixem-no de uma vez!

Outra qualidade essencial para a conquista de almas para Cristo é grande singeleza de coração. Não sei se posso explicar bem o que quero dizer por essa expressão, mas procurarei deixá-la clara contrastando-a com outra coisa. Certamente conhecem homens demasiado sábios para serem apenas simples crentes. Têm tantos conhecimentos que não crêem em nada que seja fácil e simples, suas almas foram nutridas com tais iguarias que não podem viver senão de ninhos de aves chineses e outros luxos como esse. Não há leite recém-tirado que os satisfaça, pois são ultra-refinados para tomar dessa bebida. Tudo que tomam tem que ser incomparável. Ora, Deus não abençoa estes finos almofadinhas celestiais, estes aristocratas espirituais. Não, não. Ao vê-los a gente fica com vontade de dizer: "Estes podem muito bem agir como servos do senhor Fulano de Tal, mas não são homens para realizarem a obra de Deus, que não costuma empregar tão grandes cavalheiros". 

Quando escolhem um texto, jamais explicam o seu sentido verdadeiro. Em vez disso, fazem rodeios procurando algo que o Espírito santo nunca teve a intenção de comunicar por meio daquela passagem. E quando conseguem um dos seus "novos pensamentos", arre!, que estardalhaço fazem! Eis aqui um homem que encontrou uma sardinha estragada. Que festim! Cheira tanto! Agora vamos ficar ouvindo falar dessa sardinha pelos próximos seis meses, até que alguém encontre outra, como bradara! "Glória! Glória! Glória!Eis um novo pensamento!" Publica-se um livro sobre ele, e todos esses grandes homens ficam farejando em torno do livro para provar quão profundos são seus pensamentos e quão maravilhosos eles são. Deus não abençoa essa espécie de sabedoria.

Por singeleza de coração quero dizer que, evidentemente, o homem se dedica ao ministério para a glória de Deus e para conquistar almas, e não para outra coisa. Há alguns que gostariam de ganhar almas e glorificar a Deus, se isto pudesse ser feito com a devida atenção aos seus interesses pessoais. Ficariam satisfeitos, oh sim!, certamente muito contentes deveras, por estenderem o reino de Cristo, se o reino de Cristo desse plena oportunidade de expressão às suas assombrosas capacidades. Sairiam para a conquista de almas para Cristo, se isto induzisse o povo a desatrelar os cavalos da sua carruagem e os levasse em triunfo pelas ruas da cidade. Têm necessidade de ser alguém, de se tornar conhecidos, de ser comentados, de ouvir o povo dizer: "Que homem e tanto esse é!" Naturalmente dão glória a Deus, depois de lhes ter sugado o suco, mas tendo eles ficado antes com a laranja. 

Bem, vocês sabem, há essa espécie de espírito mesmo entre os ministros, e Deus não o pode suportar. Ele não aceita os restos de ninguém: ou ficará com a glória toda ou com nenhuma. Se alguém procura servir-se a si próprio, obter honra para si, em vez de procurar servir e honrar somente a Deus, o Senhor Jeová não o usará. Aquele que há de ser usado por Deus deve crer que o que vai fazer é para a glória de Deus, e não deve trabalhar movido por nenhuma outra razão. Quando estranhos vão ouvir certos pregadores, tudo que lembram depois é que foram excelentes atores; mas eis aqui um tipo muito diferente de homem. Os que ouvem a sua pregação nem pensam depois na aparência dele, ou em como falou, mas, sim, nas solenes verdades proclamadas por ele. Outro tipo faz retumbar o que tem para dizer, de tal maneira que os seus ouvintes comentam entre si: "Não vê que ele vive da pregação? Prega para viver". Preferiria ouvir dizer: "Esse homem disse algo em seu sermão que fez muita gente depreciá-lo; expressou as mais desagradáveis opiniões; não fez outra coisa senão pressionar-nos com a Palavra do Senhor durante todo o tempo em que esteve pregando, seu único objetivo era levar-nos ao arrependimento e à fé em Cristo". Esse é o tipo de homem que o Senhor se deleita em abençoar.

Gosto de ver homens, como alguns dos que estão diante de mim aqui, aos quais disse : "Aqui estão vocês, ganhando bom salário e com boa probabilidade de alcançar posição de influência no mundo. Se renunciarem a seus negócios e ingressarem no seminário, provavelmente virão a ser ministros evangélicos de escassos recursos a vida toda". E me fitaram, dizendo: "Prefiro morrer de fome e ganhar almas para Cristo, a dedicar minha vida a qualquer outra carreira". 

A maioria de vocês é dessa classe de homens; creio que todos. Jamais devemos fixar a vista na glória de Deus e em algum bom quinhão. Nunca devemos visar à glória de Deus e à nossa honra e estima pessoal entre os homens. Não deve ser assim; não, nem ainda pregar para agradar a Deus e à Mariazinha. É preciso buscar unicamente a glória de Deus, nada menos que isso, e não outra coisa, nem sequer Mariazinha. O que o molusco-lapa é para a rocha, ela é para o ministro; mas não lhe convém sequer pensar em agradá-la. Deve procurar agradar a Deus com verdadeira singeleza de coração, agrade ou não aos homens e mulheres.

Finalmente, requer-se completa submissão a Deus, no sentido de que, de agora em diante, vocês queiram pensar, não os seus próprios pensamentos, mas os de Deus; estejam resolvidos a pregar, não algo que inventem, ruas a Palavra de Deus; e mais, se decidam a anunciar a verdade, não a seu modo, mas à maneira de Deus. Suponhamos que leiam os seus sermões, o que não é muito provável. Não pretendam escrever nada que não esteja inteiramente de acordo com a mente de Deus. Quando encontrarem uma palavra pomposa, perguntem-se se poderá ser uma bênção para os ouvintes; se acharem que não, deixem-na de lado. Depois vem aquele fragmento de grandiosa poesia que vocês mesmos não podem compreender e, no entanto, acham que não podem omitir; mas, verificando não ser instrutivo para os membros comuns da igreja, são obrigados a rejeitá-lo. Se desejam mostrar aos outros quão industriosos vocês foram, terão que engastar na grinalda do seu discurso aquelas gemas que encontraram em algum monturo literário. Mas, se quiserem abandonar-se inteiramente nas mãos de Deus, é provável que sejam levados a fazer alguma afirmação simples, alguma observação vulgar, algo com que todos na congregação estão familiarizados. Caso se sintam movidos a colocar essas coisas no sermão, façam-no, ainda que tenham de renunciar às expressões grandiosas, à poesia e às jóias literárias, pois pode ser que o Senhor faça daquela simples exposição do Evangelho uma bênção para algum pobre pecador que esteja em busca do Salvador.

Se vocês se renderem sem reservas à mente e à vontade de Deus, ao entrarem no ministério, às vezes se sentirão impelidos a empregar expressões estranhas ou a fazer orações incomuns que, na ocasião, causarão estranheza a vocês mesmos. Tudo se explicará mais tarde porém, quando alguém os procurar para dizer-lhes que não havia entendido a verdade até a hora em que vocês a expuseram daquela maneira singular. Terão mais possibilidade de sentir esta influência se estiverem bem preparados mediante estudo e oração para o seu trabalho no púlpito, e eu os encorajo a fazerem sempre essa devida preparação e até mesmo a redigir tudo que achem que deverão falar. Mas, não vão dizê-lo de memória, isto é, de cor, como um papagaio que repete o que lhe ensinam. Se fizerem isso, por certo não estarão entregues à direção do Espírito Santo.

Não tenho dúvidas de que, às vezes acharão necessário incluir, no sermão uma ou outra passagem literária: uma bela quadra de um dos poetas pátrios, ou um extrato seleto de algum autor clássico. Não creio que desejariam que soubessem disso; mas a terão lido a um colega de estudos. Decerto não lhe pediram elogios, porque estão seguros de que ele os fará. Esse escrito continha um trecho especial, raramente igualado; têm a certeza de que nem pregadores famosos como o Sr. Punshon e o Dr. Parker poderiam ter feito melhor. Estão absolutamente certos de que o povo, ao ouvir o sermão, não poderá deixar de achar que há coisa boa nele. Contudo, pode ser que o Senhor o considere bom demais para receber Sua bênção, que há demasiadas coisas nele, como as hostes que se juntaram a Gideão. Era gente demais para o Senhor. Não iria entregar em suas mãos os midianitas, pois Israel poderia gabar-se, dizendo: "A minha própria mão me livrou". Quando haviam retornado a suas casas vinte e dois mil, o Senhor disse a Gideão: "Ainda muito povo há". E todos tiveram que retirar-se de volta, menos os trezentos que lamberam as águas. Então o Senhor disse a Gideão: "Levanta-te, e desce ao arraial, porque o tenho dado na tua mão". 

Assim fala o Senhor a respeito de alguns sermões: "Não posso fazer nada de boi com eles; são grandes demais". Vejam lá aquele sermão de quatorze divisões; cortem sete, e talvez o Senhor o abençoe. Algum dia pode suceder, justamente quando estiverem em meio à pregação, que um pensamento passe por sua mente, e digam a si próprios : "E agora! Se digo isto, aquele velho diácono tornará as coisas difíceis para afim; e ali está aquele cavalheiro que acaba de chegar; ele dirige uma escola, e é um crítico; certamente não ficará contente se eu o disser. Além disso, há aqui um remanescente segundo a eleição da graça, e o hipercalvinista do alto da galeria me lançará um daqueles olhares celestiais tão significativos"!" Ora, irmãos, disponham-se a dizer tudo quanto lhes diga o Senhor, sem ligar para quaisquer conseqüências, sem dar a mínima atenção àquilo que pensem ou façam os extremistas de cá ou de lá, e quem mais for.

Uma das principais qualidades do pincel de um grande artista é sua rendição ao dono, para que faça dele o que bem quiser. Um harpista preferirá tocar com sua harpa particular porque conhece o instrumento, e quase se pode dizer que o instrumento o conhece. Assim, quando Deus põe a mão sobre as próprias cordas do seu ser, e todas as suas faculdades interiores parecem responder aos movimentos da mão divina. Vocês são instrumentos que Ele pode utilizar. Não é fácil manter-nos nesta condição, bastante sensíveis para recebermos toda impressão que o Espírito Santo queira transmitir-nos e para sermos de pronto influenciados por Ele. 

Se há um grande navio em alto mar, e as águas se encrespam levemente, o barco não se moverá nem um pouco. Depois vem uma considerável onda, e o navio nem a sente, e continua singrando majestosamente as águas profundas. Entretanto, olhem por cima da amurada e vejam aquelas rolhas de cortiça flutuando ali embaixo. Basta que um inseto caia na água para que derrotem o movimento da água e dancem sobre a pequenina onda. 

Oxalá vocês sejam tão movíveis sob o poder de Deus como a cortiça na superfície do mar. Estou certo de que esta submissão pessoal é uma das principais qualidades do pregador que deva ser um conquistador de almas para Cristo. Há algo que é preciso dizer, se querem ser o meio de salvação para o homem que está naquele canto. Ai de vocês se não estão dispostos a dizê-lo! Ai de vocês se estão com medo ou com vergonha de dizê-lo! Ai de vocês se não se atrevem a dizê-lo porque alguém do auditório pode achar que estão sendo fervorosos demais, entusiastas demais, zelosos demais!

São estas sete qualidades, com relação a Deus, que eu creio viriam à sua mente caso procurassem colocar-se na posição do Altíssimo e ponderassem sobre aquilo que desejariam encontrar naqueles que vocês empregariam para a tarefa de ganhar almas. Que Deus nos conceda estas qualidades todas, por amor de Cristo! Amém.