O relato de I Samuel 28:7-25 tem levado muitos a citarem esta experiência como uma prova do estado de consciência na morte.
Os versículos que narram a história do rei Saul e a pitonisa aparecem sem nenhum comentário. Esta narrativa é verdadeiramente dramática e o autor inspirado não detém a seqüência da ação para uma exposição doutrinária. É necessário portanto, conhecer todo o contexto e as circunstancias que envolveram o incidente, bem como todas as verdades dadas em outras partes da Bíblia, para compreender se o pleno significado da história desta sessão espírita.
Antes de mais nada, devemos ter em mente que o rei Saul era homem perdido, a quem Deus rejeitara e de quem o Espírito Santo se retirara. II Sam. 13:11-14; 15:13-35; 16:14). Havia ele cometido o pecado imperdoável de persistir na justificação própria e desobediência até que Deus cessou inteiramente de comunicar-se com ele, deixando-o ao inteiro domínio de Satanás. (I Sam. 28:6).
Foi depois de haver chegado a este ponto que Saul teve a sua experiência com a pitonisa de En-Dor. As ações de um homem perdido, inteiramente sob o controle de Satanás, são fonte paupérrima de prova para a verdade. Elas só podem constituir uma fonte dos enganos de Satanás.
Examinemos a seguir o contexto dos atos de Saul na consulta à pitonisa. Os filisteus tinham invadido a terra de Israel, e Saul estava acovardado. Estava grandemente necessitado do auxílio de Deus, que lhe recusou resposta por qualquer dos meios que Ele próprio estabelecera para revelar-se a Seu povo. (I Sam. 28:6). Os três meios menciona dos neste verso foram vedados a Saul porquanto era homem perdido.
O significado da afirmação encontrada em I Sam. 28:6 é, que nenhuma comunicação sobrenatural que Saul subseqüentemente pudesse receber seria de Deus, mas sim do diabo. Evidentemente Saul sentiu isto, pois foi à procura de outra fonte que não a de Deus. "Então disse Saul aos seus servos: Apontai-me uma mulher que seja médium". Outras traduções dizem: que tenha o espírito de feiticeira. (28:7). Pela lógica das circunstâncias) essa mulher só poderia ser uma fonte de informações satânicas, e coisa alguma na entrevista em questão nos autoriza a tomá-la como verdade de Deus.
Examinemos os pormenores da experiência em si. Saul teve alguma dificuldade em encontrar uma pessoa que estivesse em comunicação com os espíritos, porque Deus havia proibido tais agentes de Satanás entre Seu povo. Ao estabelecer a nação de Israel numa terra expurgada da idolatria, Ele proibiu, sob pena de morte, toda comunicação com os espíritos (Êxodo 22:18); Deut, 18:9-14). Esta é mais uma razão para não aceitarmos nada nesta entrevista como sendo verdade ou evidência de alguma doutrina verdadeira. Sua fonte é uma "abominação" para Deus.
Tudo nesta entrevista está mesclado de falsidade. "Saul se disfarçou". v. 8. Ele enganou a mulher com sua identidade. v. 12. É esta a maneira de revelar-nos Deus a verdade – pela mentira e por um processo que Ele chamara "abominação"?
Saul pediu à mulher que fizesse "subir a Samuel". Por que não "descer" se Samuel estava no Céu? Parece que a mulher foi a única pessoa que viu a aparição, pois Saul pediu que ela lha descrevesse (vs. 13 e 14). Sua descrição convenceu a Saul de que o espírito era Samuel; mas isso não prova de maneira alguma que de fato fosse Samuel. Apenas prova que houve materialização sobrenatural de algo que se assemelhava a Samuel. Uma vez que Satanás tem o poder de personalizar-se para executar seus maus propósitos (II Cor. 11:13-15), nada do que essa aparição disse, fez ou procurou parecer, prova por si mesmo ser Samuel. Tal prova haveria de ser inteiramente objetiva, isto é, fora das declarações da aparição em si mesma.
O espírito que apareceu era real, pois a própria mulher estava aterrorizada (vs. 12 e 13). Se tal aparição fosse de um anjo, ou o espírito de um santo de Deus vindo do Céu, teria produzido conforto e paz, em vez de temor. As palavras do espírito a Saul foram impertinentes e mal-humoradas (v. 15) indignas de um santo glorificado ou de um anjo bom. Além disso, o diálogo entre Saul e o espírito, indicam claramente que ambos sabiam que Saul estava buscando uma fonte de informação não divina ou celestial. Os versos 17 e 18 estão em harmonia com o malicioso espírito de Satanás; ele sempre atormenta aqueles aos quais engana e leva ao pecado. Nada há em toda esta conversação que lembre Samuel ou qualquer indício do Espírito de Deus, muito embora o espírito declarasse ser Samuel.
O clímax do aspecto satânico das palavras do espírito é encontrado no verso 19. O espírito simplesmente não poderia manter-se mascarado até ao fim. Samuel, sem dúvida, se as almas mortas estão conscientes, foi imediatamente para o Céu após sua morte. A Bíblia afirma que ele havia morrido e sido sepultado (v. 3). Mas o espírito de Saul, levando-se em conta repetidas afirmações de que ele era homem perdido, inteiramente rejeitado por Deus, não poderia ir para o mesmo bem-aventurado lugar de habitação que o espírito de Samuel. Entretanto esse espírito diz que Saul e seus filhos estariam com ele – onde quer que ele fosse! Saul subentendeu por essas palavras o significado de sua morte. Ou esse espírito não era Samuel ou este mentiu ao dizer que Saul iria para o Céu quando morresse – ou as duas coisas são mentira. Se o espírito fosse de fato Samuel, não mentiria, mas o espírito mentiu em dois pontos: nem é verdade que o espírito de Saul tenha ido para o Céu, nem seria no dia seguinte, mas vários dias mais tarde, quando Saul morreu. Saul ter-se-ia mostrado feliz se tivesse entendido pelas palavras do espírito que iria para o Céu. Em vez disso, porém, sabendo-se homem perdido por comunicar-se com o espírito de Satanás, as palavras ameaçadoras do arquiinimigo levaram-no a tentar o suicídio nessa noite (versos 20-23) e executar esse propósito vários dias mais tarde (I Sam. 31:3-6).
Nada há nessa entrevista que não seja engano, mentira e perversidade. É parte do grosseiro piano de Satanás infligir um último engano à vítima já levada à destruição.
Para que crêssemos ser este espírito a alma desencarnada de Samuel, precisaríamos de testemunho mais objetivo do que a declaração da pretensa materialização e a febril imaginação do médium e de Saul. lias a evidência objetiva é toda para o outro lado. Antes deste evento, temos as repetidas afirmações de que consultas desta natureza eram abominação para Deus, por serem comunicações com falsos deuses, ou demônios. Depois do acontecimento, temos a afirmação de que por esse pecado culminante Saul perdeu a vida e a salvação (I Crôn. 10:13-14). E temos as afirmações reiteradas da Bíblia de que "os mortos não sabem coisa nenhuma", não voltam, e dormem na sepultura até que Deus os chame no dia da ressurreição. (Ecles. 9:5, 6 e 10; Jó 14:10; 12-15, 20, 21 e 22; 17:13; Sal. 146:4; 6:5, e outros passos).
Nota: Resposta dada pelo Pregador Adventista, novembro-dezembro de 1953, págs. 23 e 24, a uma consulta.