138 Gostaria de entender Gênesis 6:6

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Gostaria de entender Gênesis 6:6 que diz que Deus se arrependeu, à luz de outros versos das Escrituras que dizem que ele não pode se arrepender.



Sobre qualquer questionamento teológico, temos que en¬tender em primeiro lugar, que todo princípio bíblico tem que ser estudado com base no contex¬to geral das Escrituras, respei¬tando a época, as circunstâncias e para quem foi escrito originalmente.


Por isto, quando estudamos as Escrituras precisamos ter em mente alguns fatores. O primeiro deles diz respeito ao ambiente cultural, a época e os costumes, daquele profeta ou apóstolo que escreveu o livro. Em segundo temos que analisar esta passagem com o contexto geral da Bíblia.


O leitor da Bíblia ao chegar a passagens como Gênesis 6:6; I Samuel 15:11 e Jonas 3:10 que declaram que Deus se arrependeu e posteriormente confrontá-las com Números 23:19; I Samuel 15:29; Salmo 110:4 e Hebreus 6:17, que afirmam ser impossível que Deus se arrependa, pensará que existe grande contradição na Palavra de Deus quanto ao arrependimento divino.


Nesse estudo temos a finalidade de dissipar dúvidas sobra a veracidade da Palavra inspirada contribuindo para que declarações aparentemente conflitantes sejam esclarecidas. Para alcançarmos este objetivo é necessário pesquisarmos diretamente nas línguas originais em que o Velho e o Novo Testamento foram escritos, porque estas línguas nos fornecem elementos convincentes.


O QUE É ARREPENDIMENTO? De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, "arrependimento é sinônimo de compunção, contrição. Insatisfação causada por violação de lei ou de conduta moral e que resulta na livre aceitação do castigo e na disposição de evitar futuras violações".


Como um termo teológico é o ato de abandonar o pecado, aceitando a graciosa dádiva da salvação de Deus, entrando para um relacionamento pessoal e amigo com Ele. Arrependimento evangélico tem sido definido como mudança de pensamento, que leva a novo modo de agir. Em outras palavras é a revolta consciente e definitiva do homem contra o próprio pecado.


Arrependimento significa tornar-se outra pessoa, "se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos Céus". Mateus 18:3.


Russel Norman Champlin em “O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo”, Vol III, p. 68, assim define:


1) "É um ato divino que transforma o homem, mas que depende da reação positiva do homem, uma vez inspirada pela fé".


2) "É o começo do processo de santificação".

O Novo Dicionário da Bíblia, I Vol. p. 141 o define desta maneira: "Consiste de uma revolução naquilo que é mais determinativo na personalidade humana, sendo o reflexo, na consciência, da radical mudança operada pelo Espírito Santo por ocasião da regeneração".


ARREPENDIMENTO NO VELHO TESTAMENTO: No hebraico são encontrados dois vocábulos para expressar a idéia de arrependimento.


I. Naham. É o arrependimento de Deus e corresponde ao grego Metamélomai. As seguintes passagens bíblicas confirmam a sua existência. Gênesis 6:6 e 7; Êxodo 32:14; Jonas 3:9 e 10.

Deus é imutável em Seu Ser, na Sua perfeição e em Seus propósitos. O arrependimento divino não traz mudança do Seu Ser, do Seu caráter, mas apenas mudança em Sua maneira de tratar com os homens. O arrependimento de Deus é uma referência à alteração que se realiza na Sua relação para com o homem. O exemplo dos ninivitas nos ajuda a compreender o arrependimento de Deus. A cidade não foi destruída porque o povo se arrependeu de suas más obras. Deus mudou o seu tratamento devido à mudança operada no povo. O arrependimento de Deus (naham) foi uma conseqüência do arrependimento do povo (shubh).


Na International Standard Bible Encyclopaedia, vol. IV, p. 2.558 se encontra a seguinte explicação:


"A palavra hebraica naham é um termo onomatopaico, que significa dificuldade em respirar, como gemer, suspirar, e também lamentar, magoar-se, compadecer-se e, quando a emoção é produzida pelo desejo do bem dos outros, chega a significar compaixão e simpatia; quando, porém, se refere ao próprio caráter e atos, significa lastimar, arrepender-se. A fim de adaptar a linguagem à nossa compreensão, Deus é representado como alguém que se arrepende, quando retarda as penalidades que tem de aplicar ou quando o mal a sobrevir é desviado por ter havido uma reforma genuína (Gênesis 6:6; Jonas 3:10)".


II. Shubh - arrependimento do homem.


Este vocábulo hebraico corresponde ao grego metanoéo. Esta palavra significa girar, voltar ou retornar e é aplicada quando a pessoa deixa o pecado e se volta para Deus de todo o coração. Se o pecado etimologicamente significa falhar em atingir o alvo, desviar-se do caminho certo; arrepender-se é retornar ao caminho correto ou total retorno da pessoa a Deus.


ARREPENDIMENTO NO NOVO TESTAMENTO: Assim como há no hebraico duas palavras, uma para expressar o arrependimento divino e outra o humano, existem também em grego duas diferentes palavras para transmitir estes dois tipos de arrependimento.


I. O verbo usado em grego para o arrependimento de Deus é metamélomai, pode ser traduzido por: pesar, sentir tristeza, remorso, mudança de sentimento. Ter cuidado ou preocupação por alguém ou alguma coisa. Etimologicamente significa mudar uma preocupação por outra.


Possuindo Deus caráter e atributos imutáveis Ele é perfeito, logo não pode mudar nem para melhor nem para pior. No entanto a imutabilidade divina não consiste em agir sempre da mesma maneira. Há casos e circunstâncias que podem ser alterados. 


A Teologia Sistemática de Strong, p. 124 nos esclarece sobre a imutabilidade de Deus: "Deus, embora imutável, não é imóvel. Se Ele, coerentemente, segue um curso de ação segundo a justiça, Sua atitude precisa ser adaptada a toda mudança moral nos homens”.


A imutável santidade de Deus requer que Ele trate os ímpios diferentemente dos justos. Quando os justos se tornam ímpios, seu tratamento a respeito destes deve mudar. O sol não é volúvel ou parcial porque derrete a cera, enquanto endurece o barro; a mudança não está no sol, mas nos objetos sobre os quais brilha. A mudança no tratamento de Deus para com os homens é descrita antropomorficamente como se ocorressem mudanças no próprio Deus".


II. metanoéo é o verbo usado em grego para o arrependimento do homem. Dicionários e comentários nos informam que significa:


a) uma mudança de mente, de pensamento.


b) Literalmente significa pensar diferentemente.


c) Teologicamente a palavra inclui não somente mudança da mente, mas uma nova direção da vontade, próposito e atitudes. 


O verbo metanóeo é usado em o Novo Testamento 32 vezes. O arrependimento inclui três aspectos:


1) O aspecto intelectual, ou seja, o reconhecimento, pelo homem, do erro de sua vida, sua culpa diante de Deus, sua incapacidade para, em suas próprias forças agradar a Deus. Sendo o homem um ser intelectual, Deus somente se agrada em ser adorado por meio de um processo racional.


2) O aspecto emocional - tristeza pelo seu pecado como uma ofensa contra um Deus santo e justo. Os sentimentos não são equivalentes ao arrependimento, mas podem conduzir a um verdadeiro arrependimento, porque o verdadeiro arrependimento não pode provir de um coração frio ou indiferente.


3) O aspecto da vontade ou volitivo - mudança de propósito, resolução íntima contra o pecado e disposição para buscar de Deus o perdão, purificação e poder. Este é o mais importante dos elementos, pois Deus pode apelar à pessoa para se converter, chamá-la ao arrependimento, mas como Deus dotou o homem com o livre arbítrio, somente este pode ou não aceitar o perdão divino; somente o próprio homem pode escolher arrepender-se ou não.


Apesar das ponderações anteriores, o arrependimento, no mais profundo sentido, está além das forças ou do poder humano. Ellen G. White declara em Testemunhos Seletos, Vol. II, p. 94: "O arrependimento, bem como o perdão, são dons de Deus por meio de Cristo". É importante compreender esta verdade fundamental. Não podemos primeiro arrepender-nos para depois ir a Cristo. Devemos ir a ele como estamos e ele irá transformar a nossa vida.


Paulo em Romanos 2:4 nos asseverou com muita objetividade que é a bondade de Deus que nos conduz ao arrependimento. O arrependimento é um passo decisivo na vida do cristão, desde que a Bíblia o apresenta como uma das condições para a salvação (Mat. 3: 1 e 2.)


Naqueles dias apareceu João Batista, pregando no deserto da Judéia, e dizia: Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus ( Mat. 4:17). Daí por diante passou Jesus a pregar e a dizer: Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus.... “Se, porém, não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis”. Luc. 13:3


"O arrependimento de Deus não é como o do homem. Aquele que é a Força de Israel não mente nem se arrepende; porquanto não é um homem para que se arrependa, (I Samuel 15:29). O arrependimento do homem implica uma mudança de intuitos. O arrependimento de Deus implica uma mudança de circunstâncias e relações. O homem pode mudar sua relação para com Deus, conformando-se com as condições sob as quais pode ser levado ao favor divino; ou pela sua própria ação, colocar-se fora da condição favorável, mas o Senhor é o mesmo, ontem, hoje e eternamente,  Heb. 13:8". Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, p. 700.


DOIS EXEMPLOS DISTINTOS DE ARREPENDIMENTO ENCONTRADOS NA BÍBLIA:


1) O arrependimento de Pedro:  Após a negação do Mestre, quando o olhar compassivo e perdoador de Cristo lhe penetrou na alma, ele se rendeu à influência transformadora do amor. Lucas 22:62 afirma que ele chorou amargamente. Esta é a tristeza que opera o arrependimento que conduz à salvação - II Cor. 7: 9-10. O arrepender-se de Pedro foi metanoéo que modificou toda a sua vida. Ele estava triste por causa do seu pecado. Sua trágica queda por ocasião do julgamento de Cristo, seguida de seu arrependimento e subseqüente reabilitação, aparece como sendo o ponto de conversão de sua vida e caráter. Daí por diante, e com uma única exceção (Gál. 2: 11-13), ele nos é apresentado como nobre apóstolo, com dignidade, coragem, prudência e firmeza de propósito.


2) O arrependimento de Judas: Em Mateus 27:3, se encontra o verbo metamélomai, que em algumas traduções aparece traduzido por arrepender-se, mas o seu arrependimento foi somente no sentido de tristeza, ou remorso pelo seu pecado por causa das suas conseqüências, e não pelo pecado em si, no sentido de mudança de vida, de abandono do pecado, e por ter magoado seu Mestre. Essa tristeza segundo o mundo é a que opera a morte (II Cor. 7:10). Judas não sentiu profundo pesar por haver traído a Cristo, mas tristeza por perceber que seus planos falharam. O verbo metamélomai foi usado porque o seu arrependimento foi apenas mera tristeza, desespero, sem nenhuma mudança da mente (metanóeo). Cristo sabia que o traidor não se arrependera verdadeiramente. O Desejado de Todas as nações, p. 490 confirma esta declaração:

"Até dar esse passo Judas não passara os limites da possibilidade de arrependimento. Mas quando saiu da presença de Seu Senhor e de seus condiscípulos, fora tomada a decisão final. Ultrapassara os termos".



CONCLUSÃO: 


A idéia principal na afirmação de que Deus se arrependeu, nada tem a ver com falhas e pecados como acontece com o homem, mas apenas a sua mágoa com o mau procedimento humano e o seu desejo de sustar o curso do mal. Deveríamos sempre ser gratos a Deus, porque no Seu infinito amor, Ele se entristece com o nosso pecado e muda o Seu tratamento quando nos arrependemos de nossas obras más. Deus é imutável, mas a mutabilidade humana faz com que Ele mude o Seu trato para conosco.