2 AS SETE IGREJAS DO APOCALIPSE 1 (Araceli)

Profecias do apocalipse Araceli Melo


A narrativa deste segundo capítulo, bem como a do terceiro, é uma continuação da primeira visão do Apocalipse contida nos versículos dez a vinte do capítulo primeiro. No versículo onze do capítulo precedente, o Senhor Jesus ordena ao profeta escrever num livro o que via e enviar às sete igrejas. 


Agora, neste segundo capítulo e no seguinte, o próprio Senhor dita ao profeta as cartas que devia escrever a cada uma das sete igrejas, cartas constantes de elogios, censuras, exortações, advertências e promessas. 


É deveras notável como na introdução de cada carta, o Senhor Jesus se apresenta como alguém que determinou interferir no estado da igreja, quer para dar certeza de Seu eficaz auxílio sob quaisquer circunstâncias da igreja, quer para demonstrar Seu desagrado pelo desvio dela de Sua sagrada missão por Ele mesmo traçada.


Este segundo capítulo trata de apenas quatro das sete igrejas — Éfeso, Smirna, Pérgamo e Tiatira. As demais três são consideradas no capítulo seguinte.


A IGREJA DE ÉFESO


VERSOS 1-7 — “Escreve ao anjo da igreja que está em Éfeso: Isto diz Aquele que tem na Sua destra as sete estrelas, que anda no meio dos sete castiçais de ouro: Eu sei as tuas obras, e o teu trabalho, e a tua paciência, e que não podes sofrer os maus; e puseste à prova os que dizem ser apóstolos e o não são, e tu os achaste mentirosos. 


E sofreste, e tem paciência; e trabalhaste pelo Meu nome, e não te cansaste. Tenho, porém, contra ti que deixaste a tua primeira caridade. Lembra-te, pois, donde caíste, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras; quando não, brevemente a ti virei, e tirarei do seu lugar o teu castiçal, se não te arrependeres. Tens, porém, isto: que aborreces as obras dos nicolaítas, as quais eu também aborreço. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: Ao que vencer, dar-lhe-ei a comer da árvore da vida, que está no meio do paraíso de Deus”.


A CIDADE DE ÉFESO


A cidade de Éfeso estava situada na costa ocidental da Ásia Menor, na embocadura do rio Caistre, a poucos quilômetros do mar Egeu. Foi edificada no século XI A.C., numa bela situação geográfica, tendo sido chamada — a cidade de mudança. Situada também na junção de estradas internacionais que ligavam a Europa à Ásia e à África, alcançou ser a cidade comercial mais importante da Ásia Menor. 


Com um porto grandemente importante, seus navios “sulcavam todos os mares” no desempenho dum comércio em grande escala, sendo considerada “um dos olhos da Ásia”. Éfeso era a passagem principal da Ásia proconsular. Nos dias de seu apogeu era uma cidade bem edificada e de edifícios de apreciáveis proporções. 


O teatro comportava 30.000 pessoas1); a grande biblioteca, datada do período romano, era um dos edifícios mais interessantes de Éfeso, cuja fachada estava decorada com baixos-relevos representando cenas de sacrifícios e batalhas; o Fórum era também dos principais edifícios da cidade; o estádio era de 210m de comprimento por 62m de largura. Em Éfeso floresciam as instituições e uma civilização aperfeiçoada.


O que mais fazia de Éfeso uma cidade suntuosa e próspera, um centro internacional e uma atração mundial, era o famoso templo de Diana, a denominada “deusa da caça” dos efésios. Edificado no ano 620


A.C. foi destruído por um incêndio em 35. Toda a Ásia contribuiu para a sua reconstrução de mármore puríssimo, duma arquitetura notabilíssima e de grandes riquezas internas, tendo 140m de comprimento por 79m de largura, sustentado por 127 colunas de 20m de altura e coberto com telhas de mármore branco. Sua reedificação durou 220 anos. Cresso, o rei do ouro e da Lídia, fez generosas doações. O templo tornou-se então uma das sete maravilhas da antiguidade.


No fundo do templo erguia-se a estátua de ouro da deusa, chamada Hecate nos infernos, Lua no céu e Diana na terra. O monumento era ornamentado por famosas obras de arte de célebres escultores. “Tamanho prestígio adquiriu o oráculo da Diana dos Efésios”, que, como dizem, “Alexandre o Grande em vão ofereceu os espólios de suas campanhas orientais em troca da honra de ter seu nome gravado nas colunas do templo da deusa”.2)


Os adoradores de Diana eram por demais fanáticos em seu culto. Uma amostra do tresloucado fanatismo por aquela deusa temo-lo no décimo nono capítulo do livro dos Atos dos Apóstolos. Posteriormente, com a vitória do cristianismo sobre o culto de Diana e durante os primeiros séculos, Éfeso foi sede de numerosos concílios.


Através de sua história a cidade de Éfeso passou às mãos de vários conquistadores. Os jônios a tomaram no século XI A. C. e fizeram-na capital da Jônia. Cresso a submeteu em 555 e, com o correr do tempo, passou a pertencer a outros senhores. 


A cidade, porém, encontrou o seu fim. Um terremoto a danificou seriamente  em 29 A.D., sendo reconstruída por Tibério. Os godos, em 260, destruíram em parte, o famoso templo de Diana, tendo os citas, em 263, acabado de destruí-lo definitivamente. Constantino destruiu a cidade que ainda sobreviveu. Hoje, porém, não restam de Éfeso senão ruínas de vasta extensão, distinguindo-se claramente suas grandes obras que lhe deram em outros tempos fama e grandeza raramente igualadas.


A IGREJA DE ÉFESO

Uma florescente igreja cristã fundada por Paulo em Éfeso, e S. João ali viveu e ensinou algum tempo. A carta de Cristo dirigida “ao anjo da igreja que está em Éfeso”, porém, não se relaciona com a igreja da cidade de Éfeso, mas, como vimos, com o primeiro período da igreja cristã — A igreja apostólica — que se estendeu desde o ano 31 até o ano 100, ao morrer S. João, a última testemunha pessoal de Jesus.


A definição da palavra Éfeso é “desejável”. E em verdade a cidade de Éfeso estava localizada numa “desejável” posição geográfica. Esta palavra descreve fielmente o caráter e a condição espirituais da igreja cristã em sua primeira etapa. Por muitas razões era a igreja apostólica “desejável” aos olhos de Deus: 


1) Foi fundada diretamente por Cristo, antes dele subir ao céu, cujos primeiros pastores, vazios de ambições e sabedoria mundanas, aprenderam pessoalmente dele; 2) era fiel aos princípios fundamentais da sã doutrina ensinada por Cristo; 3) possuía o poder sem limites da Chuva Temporã — o Espírito Santo e Seus maravilhosos dons; 4) não faltaram em si grandes profetas; 5) maravilhosas obras de extraordinário poder eram manifestas em seu meio; 6) deu o mais fiel e eloquente testemunho em favor do Salvador; 7) suas obras missionárias eram inigualáveis e grandemente extensivas. Sim, Éfeso, a igreja dos apóstolos, era deveras “desejável”.


O ANJO DA IGREJA DE ÉFESO


A palavra anjo, que provém do grego — aggelos — é no N. Testamento também aplicada para designar uma pessoa ou mais no sentido de “mensageiro”, “emissário”. De João Batista é dito ser ele o “anjo” (aggelos) que devia preparar o caminho para Jesus de Quem era ele precursor.


1) O mesmo vocábulo aggelos é empregue para referir-se aos “mensageiros” que João Batista enviara certa vez a Jesus.2) Aproximando- se Jesus certa ocasião duma aldeia de samaritanos, enviou mensageiros — aggelos — para preparem pousada.3) De Rahab, na antiguidade, é dito que recebera “emissários” — aggelos — e os despediu por outro caminho.


4)Assim, nas cartas simbólicas às sete igrejas, o dirigente, ou mais propriamente a direção responsável pela igreja, é chamada “anjo”.


Que o Termo “anjo” não designa uma só cabeça ou pessoa humana como dirigente supremo da igreja, é evidente pela própria organização da igreja apostólica, em cuja história constatamos uma junta diretiva.1)


À referida junta da igreja de Éfeso, João devia enviar a carta que Cristo mesmo lhe ditaria. E assim com cada igreja dos demais períodos. Da direção é exigido manter a igreja em elevado estado espiritual, alimentá-la devidamente com a pura e santa palavra da vida e vigiar o adversário para que ele não a macule de qualquer modo com falsos ensinos e com aquilo que é deste mundo. 


Daí toda a negligência neste sentido, ao rebanho do Senhor, será indubitavelmente punida no augusto tribunal do Todo-poderoso. Os cristãos, em geral, são aquilo que são os seus guias espirituais. As próprias Sagradas Escrituras dizem que o povo se identifica com os sacerdotes.2) Se a igreja em um dado período é pura e consagrada, é porque sua direção o é. Se noutro período ela não é inteiramente fiel a seus compromissos espirituais, é porque sua direção também não o é à sua alta missão.


As cartas de Jesus visam o estado geral da igreja através de sua direção responsável perante Ele.


COMO CRISTO SE APRESENTA À IGREJA DE ÉFESO


Embora os ministros da igreja de Éfeso fossem simbolizados por uma das sete estrelas e a igreja por um dos sete castiçais de ouro fino, o modo pelo qual Jesus se apresenta à igreja, dando-lhe a conhecer que seus ministros estavam em sua mão e que por isso mesmo somente dele deviam depender e ela própria considerar-se invisivelmente vigiada por Ele, é evidente que a igreja, posto que “desejável” a Seus olhos, O estava, entretanto, desagradando num dos pontos vitais de sua sobrevivência como igreja escolhida. 


E tudo indica que o ministério que pouco a pouco foi substituindo os apóstolos, que eram zelosos e fiéis porta-estandartes, estava negligenciando suas altas responsabilidades, não se dando conta de que estava na mão do Mestre. E’ evidente que os novos ministros da palavra perderam o espírito apostólico, deixaram de estribar-se na revelação e no Revelador e arrastaram a igreja à frieza espiritual e à indiferença para com o zelo missionário herdado das testemunhas oculares do Salvador.


O novo ministério não fez mais questão da inspiração de poder e muito menos de proclamar a verdade do evangelho isenta de erros e de ideias humanas. Começou, assim, tão cedo na história do cristianismo, a germinar os princípios do que mais tarde resultou em grande apostasia da igreja, referida em várias profecias do Velho e do Novo Testamentos. 


O descaso dos que sucederam os apóstolos no ministério, redundou, afinal, num cristianismo como hoje conhecemos — um cristianismo que abandonou os ensinos de Cristo. Verdadeiramente, a introdução da carta de Cristo à igreja de Éfeso foi o Seu brado de alarma à Sua igreja em perigo.


EU SEI AS TUAS OBRAS


As obras de quem o Senhor não sabe? O que é possível furtar-se a Seus olhares?1) “Eu sei as tuas obras” “é uma advertência muito grande de Cristo aos seus seguidores; é um incentivo para se apegarem às boas obras e renunciarem as más. “As profundezas de cada coração estão abertas à inspeção de Deus. Toda a ação, propósitos, palavras são tão distintamente observados como se houvesse unicamente um indivíduo em todo o universo, e como se toda a vigilância e escrutínio de Deus fossem empregues sobre sua conduta”.2)


NÃO SOFREU OS MAUS E OS FALSOS APÓSTOLOS


Ainda em vida dos apóstolos, além dos “maus” oponentes de fora da igreja, começaram a manifestar-se “maus” dentro da igreja. Ananias e sua esposa Safira, foram os primeiros “maus” que surgiram bem cedo e receberam o justo galardão.3) O “mau” Simão, mago de Samaria, também foi desmascarado e recebeu o seu justo quinhão.


4) Hymeneo, Alexandre e Phileto são outros “maus” mencionados por Paulo, que a igreja não pôde sofrer.5) S. João cita um outro chamado Diotrefes ao qual teve de enfrentar.6) Estes “maus” são apenas alguns da igreja mencionados pelos apóstolos. Se todos eles fossem mencionados por nome, certamente a lista seria elevada. As epístolas do Novo Testamento não deixam dúvidas de que o número deles era realmente grande.


Falsos apóstolos foram também desmascarados. Paulo alude a “falsificadores da palavra de Deus”.7) “Porque tais falsos apóstolos”, diz ele “são obreiros fraudulentos, transfigurando-se em apóstolos de Cristo”.8) Nas igrejas dos gálatas havia alguns que “querem transtornar o evangelho de Cristo”.


9) Aos efésios escreveu que havia alguns “que com astúcia enganam fraudulosamente” com “todo o vento de doutrina”. Muitos, muitos falsos apóstolos surgiram, e até mesmo o primeiro concílio apostólico foi motivado por causa deles. Todavia foram todos postos à prova e desmascarados como mentirosos, pelo que a igreja fez jus ao elogio de seu Senhor.


IGREJA SOFREDORA, PACIENTE E TRABALHADORA


A igreja apostólica muito sofreu no desempenho de sua missão. Foi duramente perseguida pelos judeus por onde quer que fosse içado o pavilhão do evangelho da cruz. Os romanos também perseguiram a igreja, sendo todos os apóstolos, com exceção de João, martirizados. Nero foi o primeiro a lançar mão da espada contra a igreja vitoriosa. 


Este famigerado monstro da história, “para gozar do espetáculo pavoroso do incêndio da antiga cidade dos Dardânios, espalhou pelas ruas de Roma as suas cortes de escravos armados de archotes e encarregados de lançarem fogo a todos os bairros da cidade. 


Durante o incêndio, Nero enfeitado de flores, cercado de cortesãs, cantava, acompanhando-se à lira, os versos de Virgílio sobre a destruição de Troia! As chamas devoraram dez bairros daquela capital do mundo, e deixaram tão somente nos arrabaldes algumas casas meio queimadas. Este incêndio teve lugar a 19 de julho do ano de 64 da nossa era.


“Para descarregar sobre inocentes o ódio público que sobre ele pesava, Nero acusou daquele incêndio os cristãos, que eram odiosos como fazendo profissão de uma religião nova. Em primeiro lugar mandou prender alguns fiéis que eram acusados confusamente de muitos crimes, sem examinar a verdade, e os juízes condenavam-nos à morte não como incendiários, mas como inimigos do gênero humano. 


Ao seu suplício juntavam insultos cruéis; cobriam-nos de peles de animais para os fazer dilacerar pelos cães; eram pregados em cruzes, ou cravados no chão em estacas que lhes furavam a garganta; e nesta posição, vestiam-nos com túnicas untadas de pez ou de outras matérias combustíveis, às quais lançavam fogo, de modo que os pacientes serviam de archotes para iluminarem a noite. Nero fez disso um espetáculo público no seu jardim onde ele próprio guiava seu carro à luz daqueles archotes humanos!


“Os historiadores falam com indignação da crueldade daquele príncipe que sacrificava milhares de homens à sua execrável tirania”.1) Multidões foram sacrificados pelo tirano em suplícios inauditos. Durante quatro anos durou a terrível perseguição. Os mártires mais ilustres foram S. Pedro e S. Paulo, em Roma, e S. Marcos em Alexandria. A morte de Nero deu à igreja uma paz que só foi perturbada 30 anos mais tarde por Domiciano.


Domiciano ordenou a perseguição contra os cristãos principalmente fora de Roma. Embora sua perseguição sanguinária fosse de pouca duração, mesmo assim numerosos mártires selaram sua fé com sangue, entre os quais Dionísio, a areopagita e o apóstolo S. André. 


Muitos foram desterrados para as ilhas do mar Egeu. S. João também foi alvo de Domiciano, de cujos ataques já tratamos na introdução. A história diz-nos que Domiciano era orgulhoso, vão, presunçoso, avaro, pródigo e cruel, e que tinha o diabólico prazer de dar homens a comer aos cães. 


Todos os dias mandava degolar alguns senadores, e por ordens suas cortavam as mãos a gente honrada que nas guerras civis recusara tomar o seu partido ou o seguira de má vontade; finalmente, inventando uma nova tortura, mandava queimar os seus amigos nessa parte que oferecera a Pollion, e que emprestara a Nerva. Patrônio Segundo e Parthenio, chefes da milícia, assassinaram Domiciano e declararam imperador a Marco Nerva.


Embora perseguidos os cristãos e obrigados a abandonar tudo e todos, eram, não obstante, pacientes, conformados e regozijavam-se em toda a tribulação, pois sabiam eles em quem criam.1)


Outro elogio do Senhor diz respeito ao trabalho de Sua igreja pelo Seu nome, sem se cansar. Os primeiros capítulos do livro dos Atos dos Apóstolos dão-nos uma descrição do que foram os gloriosos começos da vida missionária da igreja de Éfeso ou apostólica. 


O trabalho missionário foi o mais grandioso de toda a história da igreja. Os apóstolos atiraram-se denodadamente aos quatro quadrantes do mundo em conquista de almas para Cristo. Multidões, desde o Pentecostes, renderam-se ao Salvador em todo o império romano. O trabalho de Paulo foi excessivamente grande em vasta porção do império. 


A própria igreja, unida com os apóstolos na obra missionária, fez um trabalho digno de elogio. Em apenas 30 anos, “toda a criatura debaixo do céu” ouviu o maravilhoso convite da eterna salvação.2) Mesmo diante de inúmeros obstáculos e cerradas oposições, a obra continuou com entusiasmo, com crescente fervor e sob gloriosos sinais e maravilhas.3) Na verdade podia O Senhor Jesus escrever — Eu sei as tuas obras, e o teu trabalho e a tua paciência — elogio bem digno dela.


A PERDA DO PRIMEIRO AMOR


A gloriosa igreja, fundada sob a poderosa manifestação do Espírito Santo de Deus e maravilhas jamais vistas; a igreja que em poucas décadas evangelizou o mundo e levou multidões a se decidirem pela palavra da cruz e pelo amoroso Salvador, é, por fim, acusada da perda do primeiro amor. 


Não é o caso que a igreja não amasse mais a Deus, a Jesus e a Sua verdade. E’ certo de que havia nela ainda amor, mas já não era aquele primitivo amor que a tudo excedia em seu meio. As cartas apostólicas evidenciam que em vida dos apóstolos aquele glorioso e primitivo amor já manifestava sintomas de fraqueza, até que, afinal, desapareceu.


"A princípio, a igreja de Éfeso se distinguia por sua simplicidade e fervor. Os crentes tratavam seriamente de  obedecer  a cada palavra de Deus, e suas vidas revelavam um firme e sincero amor a Cristo. Regozijavam-se em fazer a vontade de Deus porque o Salvador morava constantemente em seus corações. Cheios de amor para com seu Redentor, seu mais alto propósito era ganhar almas para Ele. 


Não pensaram em entesourar para si o precioso tesouro da graça de Cristo. Sentiam a importância de sua vocação e, responsabilizados pela mensagem: “Paz na terra; entre os  homens  de boa vontade”, ardiam no desejo de levar as boas novas da salvação aos recantos mais remotos da terra. E o mundo conheceu que eles haviam estado com Jesus. Pecadores arrependidos, perdoados, limpos e santificados se achegaram a Deus por meio de Seu Filho.


“Os membros da igreja estavam unidos em sentimento e ação. O amor a Cristo era a cadeia de ouro que os unia. Prosseguiam em conhecer ao Senhor cada vez mais perfeitamente, e em suas vidas se revelavam o gozo e a paz de Cristo. Visitavam os órfãos e as viúvas em sua aflição, e se guardavam, sem mácula, do mundo; sentiam que se não fizessem assim, contradiriam sua profissão e negariam a seu Redentor.


“A obra era levada avante em cada cidade. As almas convertiam- se e por sua vez estas sentiam que era seu dever falar a outros do inestimável tesouro que haviam recebido. Não podiam descansar até que a luz que havia iluminado suas mentes brilhasse sobre outros. Multidões de incrédulos aceitaram as razões da esperança cristã. Faziam ferventes e inspiradas súplicas pessoais aos errantes, aos perdidos e aos que, ainda que professassem conhecer a verdade, eram mais amantes dos prazeres que de Deus.


“Depois de certo tempo, porém, o zelo dos crentes começou a diminuir, e seu amor para com Deus e seu amor mútuo decresceu. A frialdade começou a sentir-se na igreja. Alguns se olvidaram da maneira maravilhosa como receberam a verdade. Um após outro, os velhos porta-estandartes caíram em seu posto. 


Alguns dos obreiros mais jovens, que podiam haver levado as cargas dos soldados da vanguarda, e assim haver- se preparado para dirigir sabiamente a obra, se haviam enfastiado das verdades tão a miúdo repetidas. Em seu desejo de algo novo e surpreendente, intentaram introduzir novas fases de doutrina, mais prazenteiras para muitas mentes, porém em desarmonia com os princípios fundamentais do Evangelho. Por causa de sua confiança em si mesmo e sua cegueira espiritual não podiam discernir que esses sofismas seriam causa de que muitos pusessem em dúvida as experiências anteriores, produzindo assim confusão e incredulidade.


“Ao insistir-se nessas doutrinas falsas e aparecerem diferenças, os olhos de muitos foram desviados de Jesus, como o autor e consumador de sua fé. A discussão de assuntos de doutrina sem importância, e a contemplação de agradáveis fábulas de invenção humana, ocuparam o tempo que devia ser usado para pregar o Evangelho. As multidões que deviam convencer-se e converter-se pela fiel apresentação da verdade, ficaram desprevenidas. A piedade minguou rapidamente e Satanás pareceu ter ascendência sobre os que pretendiam ser seguidores de Cristo.


“Foi nessa hora crítica da história da igreja quando João foi sentenciado ao desterro. Nunca antes a igreja havia necessitado de sua voz como agora.  Quase todos os  seus  anteriores companheiros no ministério haviam sofrido o martírio. O remanescente dos crentes sofria uma terrível oposição. Segundo todas as aparências, não estava distante o dia quando os inimigos da igreja de Cristo triunfariam”.1)


A perda do primeiro amor foi tão gravíssima que pôs em risco toda a estrutura da igreja. O precioso castiçal de ouro fino corrompeu-se perigosamente. Aos olhos do amante Salvador era uma falta dolorosa, pois a igreja assim privava o mundo das bênçãos da salvação cujo infinito preço a tudo sobrepujou. 


Sim, a perda do primeiro amor trouxe o maior desastre para a igreja — o abandono dos princípios morais do evangelho do Senhor Jesus. E, até aos nossos dias, o cristianismo está com falta do primeiro amor — do primeiro zelo, da primeira, dedicação, do primeiro fervor, do primeiro entusiasmo. 


A história ainda se repete. Quantos cristãos, aceitam o evangelho com fervor e entusiasmo ilimitados, para depois, com o correr do tempo, esfriarem, descurarem a vida cristã e menosprezarem o sagrado compromisso assumido perante o céu e a igreja de Cristo na terra. O entusiasmo se estingue e as ideias humanas começam a tomar o lugar das ideias divinas. Oh, como é grave a perda do primeiro amor! Tão grave é ela que o Senhor escreveu: “Tenho contra ti que deixaste a tua primeira caridade”. 


A Caridade é o amor prático, e o Senhor não podia suportar tal falta em Sua igreja. A grave ocorrência pesa no coração dum Deus amante e dum amante Salvador. Sua “desejável” Éfeso maculara desastrosamente a sua reputação no mundo. Sabiam ambos, o Pai e o Filho, que a atitude da igreja era um atentado contra a sua própria prosperidade espiritual e o bem do mundo perdido. Todo o céu jazia prostrado em doloroso pesar e ansiava pela mudança da situação da igreja.


UMA ADMOESTAÇÃO E UMA ADVERTÊNCIA


Deus não estava alheio à gravidade do perigo que envolvia a igreja. “Em uma mensagem de infinita ternura revelou-lhes o Seu amor e o Seu desejo quanto a fazerem uma obra segura para a eternidade. ‘Lembra-te — rogou-lhe — donde caíste, e arrepende-te e pratica as primeiras obras’2) Nesta mensagem apela-lhe o Senhor ansiosamente que fizesse três coisas: Lembrar-se do seu glorioso estado primitivo, arrepender-se e praticar as primeiras obras de fé e fervor. Nenhum outro esforço a reabilitaria a não ser seguindo este irrevogável e positivo conselho de seu Senhor, pois nada poderia substituir o seu “primeiro amor”. 


Um regresso a Ele pelo arrependimento e prática das “primeiras obras”, era a única solução pró-reabilitação. Nem o imenso trabalho; nem as imensas obras anteriores; nem a sua firmeza em fazer frente aos “maus” e aos falsos apóstolos”; e nem mesmo toda a sua gloriosa e poderosa experiência anterior, — poderiam preencher a grande lacuna produzida pelo abandono do “primeiro amor”. Exclusivamente o retorno às primeiras obras poderia salvar a igreja da perigosa situação em que ela própria caíra.


A amorosa admoestação do Salvador foi acompanhada duma mui séria advertência. Se a igreja não atendesse à admoestação — não volvesse arrependida às “primeiras obras” — “brevemente a ti virei”, advertira-a o Senhor, “e tirarei do seu lugar o teu castiçal, se não te arrependeres”. 


A tirada do castiçal significa que Jesus privaria a igreja da luz e das bênçãos do evangelho, que até ali estavam ao seu alcance, para confiá-las a outras mãos. Não sabemos que percentagem da igreja, naquela época, havia rechaçado “o primeiro amor”; mas, pela denúncia, admoestação e advertência contidas na carta, deveria ser elevada. Seja como for, a advertência fora lançada e, se não atendida, a outrora Éfeso “desejável” perderia o seu lugar no plano da salvação de Deus.


A grave advertência à primitiva igreja é hoje ainda uma solene advertência. Repugna às vistas de Deus e do Salvador, aparentar ser ouro puro e não o ser; ser portador de luz e não a conduzis. 


Como cristãos devemos examinarmo-nos a nós mesmos se estamos ou não sob a doce influência do “primeiro amor”. Se dele caímos como a Éfeso de outrora, atendamos à exortação de nosso Mestre — arrepende-te e pratica as primeiras obras. Em atendermos ao conselho do Senhor está a nossa segurança. Voltemos, pois, ao nosso primitivo estado de gozo na verdade. 


A indiferença é a pior coisa na vida espiritual. Só aceitar a verdade meramente, não salva. E’ necessário viver a verdade com zelo e fervor. Pesemos bem a advertência de Cristo antes que, sem que mesmo saibamos, tenha sido removido o nosso castiçal e percamos o nosso lugar no plano divino.


ABORRECE AS OBRAS DOS NICOLAITAS


Segundo tudo indica nas cartas dirigidas a Éfeso e Pérgamo, os nicolaítas eram cristãos que seguiam certas doutrinas e práticas contrárias à revelação e tão detestáveis aos olhos de Deus que o Senhor mesmo diz: — as quais Eu também aborreço. 


Segundo diversos autores, admitiam os nicolaítas, como os gnósticos, a existências de seres imanados de Deus, que serviam de intermediários entre o mundo material e o espiritual; e, segundo Irineu, Tertuliano e Clemente de Alexandria, os nicolaítas ensinavam que a sensualidade não contaminava o espírito e não constituía pecado, reinando daí, entre eles, a libertinagem sensual, a exaltação do adultério, a fornicação, a permissão de comer coisas sacrificadas aos ídolos e outros erros que contrariavam os sãos ensinos apostólicos. Diz! William Mitchell Ramsay que “um dos requisitos de membros” da seita dos nicolaítas “era que ao menos uma vez ao ano prestasse culto de adoração ao imperador”. 


Em resumo, impurezas morais e espirituais, ligadas ao culto, constituíam as práticas deletérias dos nicolaítas. Além disso negavam a divindade de Cristo como fazia o gnosticismo do segundo século.


A verdadeira origem dos nicolaítas não é perfeitamente definida na história. Dizem alguns que o fundador da seita foi Nicolau, prosélito de Antioquia, eleito um dos sete diáconos da igreja apostólica. Esta versão, porém, carece de fundamento verídico. Entretanto, que eles tinham muita semelhança aos gnósticos é evidente de ideias e crenças destes que professavam. 


Mas, o que é notável nesta carta à igreja de Éfeso, é que Cristo não só se dispôs a exaltar as suas boas obras e o seu excelente trabalho, como suas atitudes em aborrecer as más obras de falsos cristãos. Este deve ser o alvo e a vida de todo o crente verdadeiro. Praticar as boas obras e aborrecer as más.


"QUEM TEM OUVIDOS OUÇA O QUE O Espírito DIZ ÀS IGREJAS"


Em primeiro lugar, é nesta carta, como em todas as demais, dada muita ênfase à voz do Espírito Santo. O Espírito de Deus já falou muito aos homens através de todos os séculos da história do mundo. Ele sempre está falando aos ouvidos da consciência e entristece-se quando não é ouvida a Sua voz. 


Diz o profeta Isaías: “E os teus ouvidos ouvirão a palavra do que está por detrás de ti, dizendo: “Este é o caminho, andai nele, sem vos desviardes nem para a direita nem para a esquerda”.1) A frase: “Quem tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às igrejas”, tem importante significação em todas as cartas às igrejas. Aliás, deveria a igreja ouvir com solenidade e acatação, não só os louvores e elogios como também as repreensões e advertências, e procurar pôr em ordem o que aos olhos perscrutadores de Deus não podia merecer a Sua aprovação.


UMA GLORIOSA PROMESSA AO VENCEDOR


Ao vencedor, não só da igreja de Éfeso, mas de todos os tempos, é feita uma gloriosa promessa especial. Vencer, portanto, deve ser o alvo de todo o sincero cristão. Mas, vencer o que? O que há para vencer na batalha da vida? A resposta é simples e clara: Dois mundos devem ser conquistados na grande batalha — mundo interior e o mundo exterior. 


Quem não for vitorioso neste? dois setores, não será vencedor, não fará jus à sublime promessa infalível. Todavia, para vencer e não ser vencido, é imprescindível lutar, lutar denodadamente pela causa da verdade, do bem, do direito; pela causa do evangelho de Deus e de Cristo. Sem que o crente vença não haverá vitória nem recompensa para ele. 


O vitorioso, porém, alegrar-se-á no triunfo conquistado e receberá o louro prometido por seu esforço. Vale, pois, a pena, vencer. Vençamos, caro leitor, todos os males do pecado, quer internos quer externos, e afinal teremos a dita de nos regozijarmos com regozijo eterno e divino.


A promessa feita ao vencedor é bem clara e bem definida: Participação “da árvore da vida que está no meio do paraíso de Deus”. Duas pessoas, apenas, da família humana — Adão e Eva — provaram da árvore da vida, quando ainda em estado de inocência e pureza. Agora, a promessa apocalíptica estende-se a todos os vencedores da família de Adão, o que será uma experiência fascinadora e sempiterna.


A árvore da vida está “no meio do paraíso de Deus”. E onde está o paraíso de Deus? São Paulo dá uma precisa resposta a esta pergunta. Em uma de suas cartas à igreja de Corinto, refere um arrebatamento de sua própria pessoa ao paraíso e diz que este está no terceiro céu.


1) Apenas seis vezes é a árvore da vida mencionada em toda a Bíblia — três no Gênesis e três no Apocalipse — sempre, porém, no singular, dando a entender que há, no que respeita à família humana, uma só árvore da vida, aliás, a mesma da qual nossos primitivos pais eram participantes. 


E, se aos remidos vencedores é prometido comer dela, esta deve ser indiscutivelmente a mesma do paraíso de Adão, pois esta é a árvore da vida deles, e deverão de ela unicamente participar porque para eles fora criada antes do pecado. Mas, como está então no paraíso de Deus a árvore da vida do paraíso de Adão? A única resposta a ser dada é que ela deve ter sido trasladada por Deus ao Seu paraíso no terceiro céu. O que segue elucidar-nos-á com mais clareza tal questão.


“O ato de Deus ao colocar querubins para guardar o caminho da árvore da vida2), no jardim do Éden, não tem somente seu especto de severidade judicial, senão que é também em certo sentido, uma promessa de consolo. A bem-aventurada morada da qual se expulsou o homem, não é aniquilada nem abandonada à desolação e ruína, senão tirada da terra e do homem, e consignada ao cuidado dos seres mais perfeitos de Deus, a fim de que possa ser devolvida finalmente ao homem quando haja sido redimido3) ... O paraíso verdadeiro (ideal) foi trasladado ao mundo invisível”.4)


“O jardim do Éden permaneceu sobre a terra muito tempo depois que o homem fora expulso de suas deleitáveis veredas.5) Foi permitido à raça decaída, por muito tempo, contemplar o lar da inocência, estando a sua entrada vedada apenas pelos anjos vigilantes. À porta do paraíso guardada pelo querubim, revelava-se a glória divina. Para ali iam Adão e seus filhos a fim de adorarem a Deus. 


Ali renovavam seus votos de obediência àquela lei, cuja transgressão os havia banido do Éden. Quando a onda de iniquidade se propagou sobre o mundo, e a impiedade dos homens determinou sua destruição por meio de um dilúvio de águas, a mão que plantara o Éden o retirou da terra. Mas, na restauração final de todas as coisas, quando houver um novo céu e uma nova terra’, deverá ele ser restabelecido, mais gloriosamente adornado do que no princípio”.1)


Compreendemos, pois, que a árvore da vida, e bem assim o paraíso do primeiro homem, foi trasladada para o paraíso de Deus. A árvore da vida foi uma das inestimáveis perdas de Adão. Mas, o Filho de Deus redimiu a falta e a queda do homem; e agora, pela obra da expiação, Adão é reintegrado em seu primeiro domínio.


“Em transportes de alegria, contempla as árvores que já foram o seu deleite — as mesmas árvores cujo fruto ele próprio colhera nos dias de sua inocência e alegria. Vê as videiras que sua própria mão tratara, as mesmas flores que com tanto prazer cuidara. Seu espírito apreende a realidade daquela cena; ele compreende que isso é na verdade o Éden restaurado, mais lindo agora do que quando fora dele banido. O Salvador o leva à árvore da vida, apanha o fruto glorioso e manda-o comer. Olha em redor de si e contempla uma multidão de sua família resgatada, no paraíso de Deus. Lança então sua brilhante coroa aos pés de Jesus e, caindo a Seu peito, abraça o Redentor”.2)


Certas árvores eram objeto de culto pelos pagãos de Éfeso e em outras partes da Grécia. Mas aos cristãos vencedores de todos os séculos, a promessa é — Dar-lhe-ei a comer da árvore da vida, que está no meio do paraíso de Deus.


A IGREJA DE SMIRNA


VERSOS 8-11 — “E ao anjo da igreja que está em Smirna, escreve: Isto diz o primeiro e o último, que foi morto, e reviveu; eu sei as tuas obras, e tribulação, e pobreza (mas tu és rico), e a blasfêmia dos que se dizem judeus, e não o são, mas são a sinagoga de Satanás. Nada temas das coisas que hás de padecer. Eis que o Diabo lançará alguns de vós na prisão, para que sejais tentados; e tereis uma tribulação de dez dias. Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida. Quem tem ouvidos ouça o que o Espírito diz às igrejas: O que vencer não receberá o dano da segunda morte”.


A CIDADE DE SMIRNA


A cidade de Smirna foi edificada na costa ocidental da Ásia Menor em 1312, por Tesêo, que a batizou com o nome de sua esposa. A cidade veio a ser famosa por sua beleza. Antígono chamou-a “a bela” e, em suas medalhas, declarava-a “a primeira pela beleza”. Ao tempo de S. João era chamada — ornamento da Ásia. E também tem sido chamada — a cidade da vida.

 

De uma história muito acidentada, a cidade de Smirna tem, entretanto, sobrevivido através de milênios. Encontrando-se na linha divisória entre a Jônia e a Eólia, a 40 milhas ao norte de Éfeso, foi alternadamente possuída por elas durante a célebre guerra de Troia. 


O rei de Sardis, Alliates, a saqueou e destruiu em 628 A. C., sendo os planos da sua reedificação planejados séculos mais tarde por Alexandre o Grande, e executados por seus sucessores. Daí em diante Smirna fez-se preponderante entre as cidades da Ásia Menor e tornou-se um grande centro comercial, retendo sua importância sob o domínio dos romanos. 


No século I Dolabela destruiu-a, erguendo-se com rapidez de suas ruínas. Seis vezes foi destruída por terremotos e muito sofreu por incêndios, mas sempre se ergueu de suas ruínas. Sob o domínio bizantino Smirna passou por muitas vicissitudes. Foi conquistada pelos seldjucidas em 1084 e retomada pelos gregos em 1097; caiu nas mãos dos otomanos em 1322; nas dos hospitaleiros; nas dos cipriotas e nas das tropas da Santa Sé em 1341; foi saqueada em 1402 pelas tropas de Tamerlão e por fim conquistada vinte anos mais tarde pelos turcos.


Nenhuma cidade sofreu mais de cercos, massacres, terremotos, fogo e praga que Smirna. Mas ela subsiste em nossos dias como uma florescente e populosa cidade da Turquia, importante por sua exportação e importação de numerosos produtos através de suas rotas marítimas, ferroviárias e rodoviárias. Em face disto, Smirna é sede de várias missões cristãs na Ásia Ocidental, sendo uma forte cidade de cerca de 150.000 habitantes. Mais cristãos são encontrados hoje em Smirna do que em qualquer outra cidade da Turquia.


Em Smirna nem tudo, porém, era prosperidade. O culto de Baco com suas festas contribuiu deveras para sua corrupção. Sob o poder dos romanos, a cidade tornou-se fiel ao culto imperial, celebrando periodicamente honras aos Augustos. 


Foi em Smirna que Policarpo, avançado em anos, sofreu o martírio por recusar honrar a César, preferindo honrar a Jesus. Levado ao tribunal, o procônsul o exortou, dizendo: “Tem piedade da tua idade avançada; jura pela fortuna de César; arrepende-te e dize: fora os ateus (os cristãos)”. Policarpo mirava solenemente a assistência e, levantando a sua mão, alçou os olhos ao céu e disse: “Fora com estes ateus (os que o rodeavam)”. 


O procônsul persuadiu-o ainda e disse: “Jura e soltar-te-ei; renuncia a Cristo”. O venerando cristão respondeu: “Oitenta e seis anos eu O tenho servido e nunca me fez mal algum; e como posso blasfemar de meu Rei que me tem salvado?” “Tenho feras e te exporei a elas se não te arrependeres”, disse ainda o magistrado. “Trazei-as”, disse o mártir. “Suavizarei o teu espírito com fogo”, continuou o romano. “Amenizai-o”, respondeu Policarpo, “com o fogo que me queima um só momento, mas lembrai-vos do fogo do castigo eterno, reservado para os ímpios”. Na hora do seu martírio dava graças a Deus porque se contava entre os mártires de Cristo.1)


A IGREJA DE SMIRNA


A carta à igreja de Smirna relaciona-se com o segundo período. a igreja cristã, que se estendeu desde o ano 100 até 313 A. D.


A definição da palavra — Smirna — é “Mirra”. E “Mirra”, por rua vez, significa “perfume” ou “cheiro suave”. Mirra, porém, em si mesma, é uma pequena planta, que quando esmagada, desprende uma resina aromática de cheiro agradável e de sabor amargo e um pouco acre. Na Arábia e na Abissínia há muita “mirra”, e é onde se extrai boa porção de seu óleo que é célebre por seu suave perfume desde a mais remota antiguidade. 


A “mirra” teve um vasto uso em todo o passado distante, sendo considerada uma das mais finas especiarias. Entrou na composição aromática do óleo da unção do santuário, seu mobiliário e seus sacerdotes.2) Davi e Salomão empregaram a “mirra” como figura da agradável fragrância emanante do caráter de Cristo: “Todos os teus vestidos cheiram a mirra”.3) "Os Seus lábios são como lírios que gotejam mirra”.4) “O meu amado é para mim um ramalhete de mirra”.


5) Um dos presentes de natal que Jesus recebeu dos Magos, ao nascer, foi mirra, que aqueles dignitários consideravam um dos melhores dons do Oriente, e que serviu para unção do recém-nascido.6) E, na Sua morte, foi Jesus ungido com mirra para a Sua sepultura.7) O caráter de Sua igreja, que não pode ser dissemelhante do Seu, é também simbolizado pelo perfume da mirra.8)


De tudo o que apreciamos sobre a “mirra”, significado de Smirna, compreendemos que a igreja, no segundo período de sua história, seria esmagada por perseguições de seus adversários; porém, para com o seu Amado e o céu, desprenderia de si, na opressão, o suave perfume simbólico da mirra da fidelidade e do amor a seu Salvador. E é isto mesmo que veremos mais adiante nesta narrativa.


O ANJO DA IGREJA DE SMIRNA


Sobre o anjo desta igreja veja-se o anjo da igreja de Éfeso. O anjo desta igreja não era mais o ministério apostólico, um glorioso anjo, mas os ministros que tomaram o lugar daqueles bem-aventurados discípulos pessoais de Jesus Cristo. Ao novo ministério ou ao novo anjo, uma nova carta foi escrita, bem diferente da dirigida a Éfeso, isto é, sem nenhuma repreensão aparente.


COMO CRISTO SE APRESENTA À IGREJA DE SMIRNA


Ainda que a igreja de Smirna fosse figurada por um castiçal de puríssimo ouro e seus ministros por uma luzente estrela, o modo como Jesus a ela se introduz, era-lhe presságio de que graves ocorrências estavam no caminho de sua história. “Isto diz o primeiro e o último, que foi morto, e reviveu”. Como ele, sua igreja seria perseguida de morte. 


Mas, devia emprestar-lhe o Seu ânimo de espírito na grave tribulação que se avizinhava, para que fosse, como Ele o foi, do princípio ao fim de Sua vida atribulada, sempre o mesmo — o primeiro e o último — e não alterar suas estreitas e amáveis relações para com Ele e o glorioso patrimônio da verdade que lhe confiara. 


Como Ele foi atribulado, perseguido e morto, mas triunfou tornando à vida pela ressurreição, os cristãos de Smirna poderiam valer-se desta vitória e, destemerosamente, enfrentar a calamidade vindoura com plena segurança de que Ele os faria também triunfar sobre a morte pela ressurreição garantida na Sua ressurreição.


“EU SEI AS TUAS OBRAS, E TRIBULAÇÃO"...


“Eu sei as tuas obras”, é a frase de Cristo em cada uma das sete cartas, antes de referir-se à condição da igreja em cada período. Por si só esta frase constitui uma denúncia ou um elogio mesmo às obras de cada cristão. 


Seria de suma importância que cada seguidor de Cristo meditasse nesta Sua frase dirigida à igreja, e a harmonizasse retamente, com sua condição espiritual. Se ela for um elogio, será maravilhoso; se for uma censura, procure remover o mal para torná-la então um verdadeiro elogio, para glória de Seu Senhor. Na carta a Smirna não há nenhuma censura direta, mas sim uma indireta de que trataremos mais adiante.


Segundo afirma aquele que mandara escrever a carta à igreja, esta seria cruelmente atribulada, aliás, perseguida. E na verdade a história romana apresenta oito perseguições contra esta igreja, antes da maior de todas que cumpre a profecia dos dez dias de tribulação. 


Os imperadores Trajano, Adriano, Antônio Pius, Marco Aurélio, Cômodo, Sétimo Severo, Alexandre Severo, Maximino, Décio, Gallus, Valeriano, Deocleciano e Maximiano a perseguiram ferozmente. As catacumbas de Roma, que hoje ali ainda estão, falam-nos, eloquentemente, das horrorosas perseguições que os cruéis e tirânicos Césares fizeram desabar sobre a igreja cristã nos primeiros séculos. 


Se o espaço permitisse, traçaríamos nestas páginas verdadeiros horrores físicos e materiais sofridos pelos cristãos desta igreja,  incluso o seu heroísmo nas chamas, no coliseu,  nas  chacinas  inúmeras. Basta que seu nome, como vimos, signifique “mirra” ou “cheiro suave”, para termos uma ideia de seus sofrimentos bem como de seu heroísmo. 


A história acidentada da cidade de Smirna foi um verdadeiro emblema da igreja de Smirna. O seu Senhor na verdade sábia de sua tribulação ao escrever-lhe a carta que lhe correspondia. Experiências comovedoras revelam o destemor heroico dos mártires desta igreja. Das numerosas que existem, damos abaixo três apenas, para termos uma ideia da fé invencível daqueles fiéis soldados da cruz.


“Nos dias do férreo império romano, o imperador Décio, que lançara forte perseguição contra os cristãos, soube da notícia de que os seus gladiadores, quarenta ao todo, haviam aceitado a fé cristã, e que abertamente professavam sua conversão contribuindo para que outras pessoas aceitassem a mesma fé. 


O irado imperador, deu ordens, imediatamente, para que os quarenta homens fossem transportados para uma região deserta ao norte da Armênia, para um lago gelado onde deveriam ser abandonados, sem comida, sem roupa sem abrigo. Abandonados para morrerem em sofrimentos atrozes.


“Quando a cruel mensagem foi notificada aos gladiadores, eles disseram: ‘Não negaremos a Jesus, nosso Salvador!’ Escoltados por um forte grupo de soldados, foram transportados para o lugar de suplício, e naquela região deserta, perto dum lago congelado, lá entre neves eternas, foram abandonados para morrerem de frio e fome.


“No agasalho da tenda, o capitão da guarda pôde ouvir, naquela primeira noite, trazido pelo vento cortante daquela região frigidíssima, um canto estranho de linda melodia:“Quarenta gladiadores, Por Jesus Cristo lutando; pedindo dele vitória, A coroa reclamando.


“Voltando-se impressionado para os guardas ao seu redor, este comandante falou: A devoção desses homens para com seu Chefe é estupenda. Digo-vos que sei da dedicação dos soldados romanos para com o imperador e para com Roma. Tenho tomado parte em não poucas batalhas onde se defendeu o Império. Nunca, porém, do peito do mais bravo soldado de Roma vi sair manifestação mais positiva e sincera de devoção, do que a que ouço do peito exposto ao rigor do gelo, destes que lá fora estão ...’


“Justamente quando acabava de proferir estas palavras, a cortina da tenda se abriu e um desgraçado gladiador arrastando-se arroxeado de frio e quase a expirar, num último esforço, atira-se aos pés do comandante e em palavras quase inaudíveis, fala: ‘Eu renego a Jesus; eu me retrato; deixe-me viver”’.


“Na frialdade do ar da noite ouvia-se o canto impressivo de vozes enfraquecidas ...


“Trinta e nove gladiadores Por Jesus cristo lutando; Pedindo dele vitória,

A coroa reclamando.

 

O comandante tocado de piedade pelo pobre gladiador desertado, fita-lhe os olhos e diz: “És o único que se atreveu a vir a mim, renegando a fé cristã?”


‘“O único, senhor’, respondeu, tremente, o homem.


“Num rasgo incompreensível, o oficial tirando o capote, jogou-o sobre o pobre, tiritante homem e disse: ‘Eu irei tomar o teu lugar’.


“Assim falando precipitou-se pela escuridão frigidíssima da noite e foi juntar-se ao grupo condenado.


“Dentro de poucos momentos ouvia-se de novo o canto impressionante dos gladiadores de Cristo:


“Quarenta gladiadores, Por Jesus Cristo lutando; pedindo dele Vitória


A coroa reclamando”.1)


“Um cristão, no segundo século, foi levado perante um rei, que exigiu que ele abjurasse sua fé em Cristo. Para amedrontá-lo o rei disse: ‘Se não renunciares a Cristo, serás banido do reino’. O cristão respondeu: ‘Vós podeis banir-me do reino, mas não podereis banir-me de Cristo, pois Ele prometeu que nunca me abandonará’. ‘Confiscarei teus bens’, disse o rei. ‘Meu tesouro está no céu’, respondeu o cristão. ‘Eu te matarei’, trovejou o rei. ‘Tenho estado morto por quarenta anos... morto ao mundo do pecado, minha vida está escondida com Cristo em Deus’, respondeu calmamente o cristão.2)


“Uns cem anos depois do tempo dos apóstolos, a igreja de Cartago foi açoitada pela tormenta da perseguição. Sem dúvida, Cartago recebeu de Roma a luz da verdade, pois entre as duas cidades havia comunicações constantes.


“Uma jovem esposa, chamada Perpétua, de vinte e dois anos foi presa como cristã. Sua mãe era crente, mas o pai não. Ele estimava muito a filha, e sempre lhe pedia que o livrasse do doloroso sentimento de vê-la, um dia, sofrer por causa de sua religião. Ela sabia que ele havia de passar por duros sofrimentos, pois não tinha a esperança da vida eterna, que tanto consolava a mãe.


Minha filha — dizia ele — compadece-te de meus cabelos brancos. Tem compaixão de teu pai.


Da vontade de Deus é que vai depender o que acontecer quando eu for levada ante o tribunal; não é a nossa força que nos sustém, mas a do Senhor, respondia a filha.


“A jovem foi batizada na prisão, pois era recém-convertida.


“Os perseguidores usaram o seu filhinho para comover-lhe o coração de mãe, mas ela não cedeu. Puseram-na no calabouço.


Senti-me tentada — disse ela — porque não havia estado num lugar tão medonho. Oh! que dia terrível! O calor por causa da grande quantidade de presos, o trato cruel que recebíamos dos soldados e minha ansiedade por meu filho faziam-me sofrer muito”.


“Os diáconos da igreja pagaram aos soldados para que os cristãos fossem postos em um lugar à parte. Perpétua teve, então, a alegria de ver consigo o filhinho. Disse ela: ‘O calabouço tornou-se para mim um palácio’.


“Finalmente, quando foi levada à presença do governador, seu pai tornou a rogar-lhe que renunciasse à fé, por amor a seu próprio filhinho e a ele.


Não posso, respondeu Perpétua. “Foi-lhe perguntado:


És cristã?


Sim.


“Perpétua foi, então, mandada para a arena, às feras, diante do público.


“Mas as perseguições, longe de extinguir o Evangelho, convenciam da verdade a muitos. O povo via que Cristo, o Cristo vivo, sustinha os Seus filhos”.1)


A POBREZA QUE ENRIQUECE


Jesus diz à igreja que sabia de sua pobreza, mas que ela era rica. Eis um verdadeiro paradoxo. Em bens deste mundo, a igreja de Smirna tornou-se pobre. As perseguições haviam espoliado os bens dos cristãos. Mas esta pobreza material não devia ser lamentada. Ela possuía riquezas inapreciáveis, muito mais valiosas que as que este mundo pode oferecer. 


Note-se o que diz S. Tiago sobre a verdadeira riqueza que enriquece os pobres: “Ouvi, meus amados irmãos: porventura não escolheu Deus aos pobres deste mundo para serem ricos na fé, e herdeiros do reino que prometeu aos que O amam?”2) Eis aí a riqueza da igreja de Smirna — a fé “muito mais preciosa que o ouro que perece”.


3) Isto não quer dizer que seja pecado a um cristão possuir riquezas materiais; salvo se ele não as empregar para a honra de Deus e prossecução de Sua causa na terra. Deve ele angustiar-se mais pelas riquezas permanentes e temas que podem ser auferidas pela fé do evangelho de Jesus Cristo.


FALSOS JUDEUS, BLASFEMOS EM SMIRNA


O apóstolo S. Paulo diz que “não é judeu o que o é exteriormente ... mas é judeu o que o é no interior”.4) Esta declaração leva-nos a crer que, em sentido espiritual, o nome “judeu” é emblema do “homem de fé” ou do “verdadeiro crente”; Portanto, a acusação de Cristo de que na igreja de Smirna havia falsos  judeus,  equivale  a dizer que havia nela falsos cristãos, e que, a pretensão de ser cristão sem realmente o ser, era uma blasfêmia. 


Tais, escreveu Jesus, pertenciam à “sinagoga de Satanás”. Vemos que a simples pretensão de ser cristão repugna a Cristo e que a tais considera Ele membros da igreja de Satanás.


NADA TEMAS DAS COISAS QUE HÁS DE PADECER


Ao ter tido a igreja de Smirna conhecimento de sua história apocalíptica, possivelmente já estava em plena tribulação movida pelas perseguições romanas. É-lhe notificado de futuras coisas que devia padecer ainda. Nada, porém, devia temer. Aqueles que estão escudados em Cristo, que venceu toda a fúria do inimigo, não devem temer quaisquer padecimentos, mormente quando Ele lhes suplica que não temam. O temor é falta de confiança em Seu poder e sua ajuda prometida.


"EIS QUE O DIABO LANÇARÁ ALGUNS DE VÓS NA PRISÃO"


Esta é a única vez em que nas sete cartas é dito claramente que o Diabo tomaria a liderança na perseguição contra a igreja. Satanás não pode ver, com apreciação, os progressos da igreja de Cristo. Toda a perseguição e oposição contra ela é por ele inspirada. Se a igreja, porém, se mantivesse na altura de igreja fiel, não havia razão para temer. 


O seu Salvador já tinha planos concretos para sair em seu auxílio e livrá-la para o Seu reino. E a nós, que estamos a dezessete séculos de Smirna, é feita a comunicação de que o Diabo planeja a nossa ruína e o nosso extermínio. Entretanto, não devemos temer, mas sim ser cristãos fiéis e firmes, confiantes no poderoso braço invencível daquele que sobrepujou em poder a Seus inimigos e nossos e sobre eles todos triunfou inexoravelmente para fortalecer-nos na possível tribulação imprevista.


"E TEREIS UMA TRIBULAÇÃO DE DEZ DIAS"


Nas profecias das Sagradas Escrituras, um dia equivale a um ano.1) Em vez de dez dias literais, temos aqui dez anos proféticos de perseguição contra a igreja do período de Smirna. Esta perseguição profética, ocorrida na gestão do imperador Diocleciano, tomou lugar entre os anos 303 e 313, durante dez anos.


Desde o edito de tolerância de Galieno, havia os cristãos chegado a ser uma potência no império. Ao tempo de Diocleciano, havia o cristianismo penetrado em todos os pontos do império, no exército e sobretudo nas classes ilustradas. O número de romanos e gregos de educação estética, filosófica e retórica, que ingressaram no grêmio cristão, crescia de geração em geração. Mas, embora o número de cristãos fosse sumamente pequeno comparado aos pagãos, superavam em união, força moral e organização admirável.

 

O imperador absolutista compreendeu que a igreja cristã era, dentro do Estado, outro Estado perfeitamente organizado, cujos membros mais tolerantes e pacíficos só obedeciam à autoridade imperial quando suas consciências cristãs não se opunham a ela. A igreja cristã, pois, uma coletividade no seio do império, em cuja vida interior não tinha entrado a onipotência imperial, era um entrave na obra política de Diocleciano, mormente pelo fato da presença de cristãos de nomeada nas cortes do império.


Diocleciano, depois de meditar no poder e na conduta moral elevada dos cristãos, compreendeu que o cristianismo, força destrutora de tudo o que constituía o gênio romano antigo, devia ser eliminado e apagado o nome de Cristo. Incitado pelos sacerdotes do paganismo, por personagens de relevo de seu governo e principalmente por Galério, assinou afinal o misérrimo edito de Nicomédia, em 23 de fevereiro do ano 303.


Uma verdadeira chacina seguiu-se ao fatídico edito, que foi o mais cruel de todos quantos antes foram promulgados contra os cristãos. Todos os templos cristãos, em todas as províncias, foram destruídos. Todos os livros sagrados foram exigidos para destruição. 


Diocleciano autorizou aos algozes inventarem novas torturas contra os fiéis seguidores de Cristo. Para os ferir eram empregues bastões, açoites e cordas; eram ligados pelas mãos e presos a postes e em seguida rasgavam-lhes as carnes com unhas de ferro, arrancando-lhes pedaços das pernas, do ventre e das faces. 


Uns eram suspensos por uma das mãos, outros amarrados a colunas sem que os pés tocassem o chão, para que o peso do corpo aumentasse os seus sofrimentos. Neste estado sofriam os interrogatórios do governador, e eram sujeitos a estes sofrimentos durante dias inteiros. Quando já quase mortas as vítimas, desprendiam-nas dos postes para fazê-las tornar à vida com novos suplícios.


Os cristãos eram condenados às chamas sem distinção de idade e de sexo. Eram postos, em grande número, em imensas fogueiras onde expiravam lentamente, em meio às chamas. Numa vez, no dia de Natal, à hora do culto, os pagãos cercaram a grande igreja de Nicomedia, repleta de cristãos, amontoaram lenha e palha e incendiaram o vasto edifício e todos, em número de 14.000, segundo os gregos, foram mártires nestas circunstâncias. Os escravos cristãos eram lançados ao mar com uma pedra no pescoço. 


As mesmas cenas se reproduziam na Mauritânia, na Mesopotâmia, na Cilícia, na Arábia e em Antioquia. Segundo Lactâncio, na Frígia, uma cidade inteira, de oito para dez mil habitantes, foi incendiada com seu governador, seus magistrados e seus moradores que se tinham declarado cristãos. Em Tebaida, diz Eusébio, os algozes imolavam mais de 100 pessoas por dia. Os suplícios mais horríveis

 

eram os mais agradáveis ao Cruel Valério. Nenhum cristão era afogado ou apunhalado senão depois de ter passado pelas torturas mais atrozes. O número de mártires foi incalculável. Toda a terra, diz Lactâncio, foi cruelmente atormentada, e salvas as Gálias, o Oriente e o Ocidente foram assolados e devorados por três monstros cruéis — Diocleciano, Galério e Maximiano, que lançaram mãos de todos os meios para destruir enfim o cristianismo. 


Na África a perseguição foi sumamente cruel. Seria impossível calcular exatamente o número de vítimas e descrever o horror e a variedade dos tormentos e crueldades exercidas naquela horrível perseguição que superou a tudo o que se pode dizer.


Dez anos de devastação, diz Sulpício Severo, desolaram a igreja de Deus; nunca guerra alguma esgotara tanto o gênero humano, e nunca a igreja obtivera tão gloriosos triunfos, visto que dez anos de morticínios não puderam vencê-la. No entanto, os próprios tiranos pensaram ter abolido para sempre o nome de cristão. Sobre duas colunas de mármore que se veem ainda na Espanha, fizeram gravar as duas inscrições seguintes:


“A Diocleciano, Joviano, Maximiano, Hércules, César Augusto, por ter destruído o nome cristão: Nomine cristianorum deleto. A Diocleciano, César Augusto por ter adotado Galero, e por ter abolido por toda a parte a superstição do Cristo: Superstitione Christi Ubique deleta ...”1)


Quão enganados estavam aqueles monstros! A igreja cristã sobreviveu, sobrevive e sobreviverá até a Segunda Vinda de seu Senhor. Seus algozes tiranos jazem no pó, apenas lembrados como cruéis assassinos; mas ela triunfou sempre sobre todos eles e triunfará até ao fim.


"SÊ FIEL ATÉ À MORTE E DAR-TE-EI A COROA DA VIDA"


Este notável pormenor da profecia foi cumprido admiravelmente pelos cristãos perseguidos furiosamente por Diocleciano e seus sequazes. Ao instante da perseguição despertou-se nos cristãos o heroísmo agressivo do martírio que desafiou o despotismo pagão e saiu vencedor. Esta atitude arrastou Diocleciano e seus comparsas com força irresistível numa perseguição que acabou num mar de sangue. Smirna manteve-se uma “mirra” odorífica ao ser esmagada pela indizível perseguição.


A coroa da vida não seria dada aos cristãos mártires imediatamente após o martírio, como não será dada a nenhum crente logo ao morrer. É-lhes garantida a coroa por sua fidelidade até ao derradeiro momento. S. Paulo, antes de sucumbir pela perseguição de Nero, escreveu que a “coroa da vida” lhe seria dada por ocasião da Segunda Vinda de Cristo.1) S. Pedro diz que a coroa será dada ao fiel cristão “quando aparecer o Sumo Pastor”.2) E Jesus assegura que a recompensa virá aos mortos pela ressurreição.3) Sejamos, pois, fiéis até à morte e também nós, com os mártires de Smirna e todos os justos, receberemos a “coroa da vida” no Segundo Advento de Jesus Cristo.


"QUEM TEM OUVIDOS, OUÇA O QUE O ESPÍRITO DIZ ÀS IGREJAS"


Novamente a voz do Espírito fala à igreja. Seria muita ousadia deixar de atender a voz do Espírito Santo em Suas admoestações, conselhos e promessas. Constitui grave perigo menosprezar a Sua voz amorável que todo o bem deseja ao pecador. Leitor, se até aqui não temos dado atenção à divina voz, demos daqui em diante, para não sermos dececionados, afinal, com amarga e irremediável decepção. Vejamos esta mesma advertência na carta à igreja de Éfeso.


"O QUE VENCER NÃO RECEBERÁ O DANO DA SEGUNDA MORTE"


Aqui temos pela primeira vez no Apocalipse a menção da segunda morte. Só o cristão vencedor não passará pela experiência de morrer segunda vez. A primeira morte não nos é estranha. E’ ela resultante da negligência imposta pelo pecado às leis naturais; morte que é, aliás, semeada de inúmeras maneiras no mundo. Esta primeira morte leva o seu morto ao sepulcro com todo o aparato dispensado por seus semelhantes vivos, cujas homenagens póstumas continuam indefinidamente.


Mas, o que é a segunda morte? E’ o salário do pecado ou o resultado da persistência do pecador em pecar voluntariamente?4) E’ o resultado da culpa do pecador em pecar contra Deus.5) Todos os ímpios serão ressuscitados para a segunda morte ou condenação.6) Milhões de milhões de vivos estão a caminho da segunda morte. Num terrível dilúvio de fogo terá lugar a segunda morte, mil anos após a Segunda Vinda de Cristo.7)


O dano da segunda morte, de que nos fala o texto, é o extermínio total. Todos os ímpios tornar-se-ão em cinza.8) Mas é possível escapar da segunda morte. Foram feitas provisões por Deus e Seu Filho para dela escaparmos. 


Cristo livra desta morte a quem O quiser abraça-Lo e servi-Lo sincera e fielmente como seu Salvador pessoal.9) Estes serão os vencedores que serão por Jesus preservados de tão grande morte. Aos fiéis crentes da igreja de Smirna garantiu Jesus a ressurreição e a vitória sobre a segunda morte. A nós faz-nos Ele as mesmas promessas se nos devotarmos em servi-Lo com inteiro coração e verdadeiro amor divino.

 

A IGREJA DE PÉRGAMO


VERSOS 12-17 — “E ao anjo da igreja que está em Pérgamo escreve: Isto diz Aquele que tem a espada aguda de dois fios: Eu sei as tuas obras, e onde habitas, que é onde está o trono de Satanás; e reténs o meu nome, e não negaste a minha fé, ainda nos dias de Antipas, minha fiel testemunha, o qual foi morto entre vós, onde Satanás habita. 


Mas umas poucas de coisas tenho contra ti: porque tens lá os que seguem a doutrina de Balaão, o qual ensinava Balac a lançar tropeços diante dos filhos de Israel, para que comessem dos sacrifícios da idolatria, e se prostituíssem. Assim tens também os que seguem a doutrina dos nicolaítas: o que eu aborreço. Arrepende-te, pois, quando não em breve virei a ti, e contra eles batalharei com a espada da minha boca. 


Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: Ao que vencer darei eu a comer do maná escondido, e dar-lhe-ei uma pedra branca, e na pedra um novo nome escrito, o qual ninguém conhece senão aquele que o recebe”.


A CIDADE DE PÉRGAMO


Pérgamo foi em tempos remotos uma importante cidade da Mísia, Ásia Menor, a 80 quilômetros ao norte de Smirna. Foi fundada em 1150 A.


C. pelos gregos Aeólios. Pérgamo foi capital do reino do mesmo nome, fundado em 282 A. C. Os romanos, em suas conquistas, apoderaram-se da cidade e fizeram-na capital da Ásia Menor e sede de um tribunal. “O procônsul que ali governava fora investido do símbolo de autoridade: a larga espada de dois fios”. Pérgamo era bem edificada e contavam-se nela muitas palácios, um grande teatro e lindos parques.


Pérgamo era o quartel-general de Satanás, na Ásia Menor. Quando os persas conquistaram os babilônios, estabeleceram liberdade a seus habitantes. Mas os sacerdotes, mais tarde, revoltaram-se e saíram da cidade de Babilônia. Posteriormente fugiram para Pérgamo e estabeleceram ali o seu quartel-general. Pérgamo, portanto, tornou-se assento do satânico sistema dos mistérios de Babilônia. 


Esta falsa religião foi edificada com a pretensão de estabelecer uma ponte entre o céu e a terra. O monarca governante tornou-se o líder do sistema. Seu título, “Pontífice Máximo”, é significativo. “Pont” significa uma “ponte” e “máximus” significa “grande”. Em outras palavras, isto significa — o Edificador da Grande Ponte. Nisto vemos uma semelhança com a torre de Babel, cujo propósito era alcançar o céu por esforços humanos.


Quando o rei de Pérgamo entregou seu reino aos romanos, todo este culto foi transferido para Roma, que desde então tem sido    o quartel-general deste falso sistema de culto. O título, as chaves e  as investiduras, tudo foi absorvido pelo cristianismo apóstata. Pérgamo tornou-se assim um elo entre a antiga Babilônia e a moderna Roma.


Pérgamo era a cidade dos templos. Alguns foram erigidos em honra de Augusto, Trajano e Sétimo Severo. O mais importante deles era o “Templo Zeus”. Este templo era dedicado a Aesculapius, “o deus serpente” ou o “deus da medicina”. Uma serpente a era conservada sempre ali como um objeto de culto. Em Pérgamo havia também uma famosa escola de medicina, cujo emblema era a serpente ou o “Caduceus” gêmea, em volta de uma haste.


Além disso Pérgamo era um grande centro educacional. Possuía um grande ginásio e sua biblioteca de 200.000 volumes rivalizava com a do Egito, em Alexandria. Quando o Egito recusou supri-los de papiro, os habitantes de Pérgamo fundaram fábricas de pergaminho.


As escavações arqueológicas da segunda metade do século XIX, confirmam a existência de um vasto culto idolátrico em Pérgamo, nos primeiros séculos da era cristã. Nas proximidades da velha cidade em ruínas há umã outra moderna — Bergama — sem esplendor algum e apenas de 18.000 habitantes.


A IGREJA DE PÉRGAMO


A carta de Cristo à igreja de Pérgamo relaciona-se com o terceiro período da igreja cristã, de 313 a 538. Pérgamo significa “elevação”, pois a própria cidade jazia edificada numa elevação de 1000 pés acima do vale. Este significado descreve evidentemente o caráter e a vida espiritual da igreja em seu novo período. 


A igreja de Pérgamo é também denominada “igreja imperial”, em virtude de ter sido elevada à categoria de igreja do Estado e de terem os imperadores preponderância em sua vida a começar com Constantino I o Grande. O terceiro selo, que corresponde ao mesmo período de Pérgamo, elucida eficazmente como a igreja foi elevada à categoria de igreja de Estado.


O ANJO DA IGREJA DE PÉRGAMO


Sobre o anjo desta igreja veja-se o anjo da igreja de Éfeso. O teor da carta de Pérgamo e o terceiro selo correspondente, testificam do caráter dos ministros ou pastores, possivelmente com algumas exceções, que já se distanciava muito do apostólico nos princípios morais do são cristianismo.


COMO CRISTO SE APRESENTA À IGREJA DE PÉRGAMO


Com uma aguda espada de dois fios apresenta-se Cristo à Sua igreja. E’ a mesma espada da Sua palavra de que trata o versículo dezesseis do primeiro capítulo. Espada que penetra até à divisão da alma e do espírito, diz S. Paulo, ou da personagem e suas ações moral e espiritual, que penetra nas junturas e na medula ou seja nos recônditos da vida física; que interpreta os pensamentos e intenções ou os desejos concretizados pelo coração humano.


1) Com uma espada tal vem Jesus a fazer guerra à igreja que O abandonara para amparar-se no braço do Estado romano. Aliás, o conteúdo da carta de Pérgamo é de tal natureza, que ele não podia apresentar-se a ela senão como um guerreiro que procura desforrar-se.


"EU SEI AS TUAS OBRAS"


E’ esta a terceira vez que o Senhor Jesus diz estar a par das obras de Sua igreja. Sua carta é-lhe uma veemente denúncia. Ele sabia que a igreja estava dando um perigoso passo para divorciar-se dele e aliar-se aos potentados do mundo. Cada vez mais eram as obras do cristianismo decisivas no sentido da apostasia. Com tristeza teve Jesus de revelar à igreja a sua desastrosa posição.


A IGREJA DE CRISTO NO TRONO DE SATANÁS


Deste período da igreja de Pérgamo, de 313 a 538, ou de Constantino a Justiniano, em que ela foi considerada Igreja Imperial, é dito que ela habitava no trono de Satanás. Daí concluirmos que o trono de Satanás devia ser um trono mundial, sede dum governo mundial, naqueles dias de seu período. E onde poderia estar o trono de Satanás senão em Roma? 


Na terra, onde o trono de Deus devia estar, Satanás colocou o seu trono, pois ele mesmo disse uma vez que ia estabelecer o seu trono. De Roma governava ele através dos cruéis imperadores romanos. E é deveras lamentável que a igreja de Cristo escolhesse para sua sede a mesma onde estava o trono de Satanás, a cidade dos Césares deificados. 


E quem dirá que em Roma não está ainda o mesmo trono? Estava aí para a igreja o resultado direto da aceitação das ideias humanas, das discussões e das polêmicas do período anterior, em vez do apego irrestrito ao puro evangelho de Cristo e à sua alta missão no mundo.


"E RETÉNS O MEU NOME, E NÃO NEGASTE A MINHA FÉ"


Contudo, habitando na sede imperial de Satanás, a igreja retinha o nome de Cristo e a Sua fé. Todavia estava em perigo de perdê-los em face do lugar que preferira como sua habitação. As acusações apresentadas contra ela, são evidências de que em parte já se havia corrompido no lugar do trono de Satanás. A igreja estava arrostando um perigo do qual não parecia dar-se conta.

 

"ANTIPAS, MINHA FIEL TESTEMUNHA"


Alguns comentadores supõem que Antipas não era propriamente um personagem, senão uma classe de cristãos que se opunha ao poder dos bispos e dos papas. Fontes há, porém, que o apresentam como um personagem real, mártir numa das perseguições contra os cristãos. 


Sob o nome “Antipas”, uma das fontes diz o seguinte: “Mártir. Ignora-se a data de seu nascimento; não se pode precisar a sua morte; mas todos os historiadores, tanto os sagrados como os profanos, convêm que foi martirizado e morto no reinado de Domiciano. No Apocalipse de S. João é mencionado este santo como a Testemunha Fiel de Jesus Cristo. Seus, biógrafos dizem que foi condenado a ser queimado dentro de um boi de bronze”.1)


A DOUTRINA DE BALAÃO


A doutrina de Balaão é bem definida nesta profecia: Idolatria e prostituição. Balaão havia sido um bom homem e profeta de Deus. A cobiça, porém, o separou de Deus e de sua alta missão. Procurado pelo rei de Moab, Balac, para amaldiçoar Israel que avançava vitorioso, Balaão acedeu ao pedido, embora contrariando visivelmente a vontade de Deus. 


Três vezes, esforçou-se por amaldiçoar Israel; mas, em lugar de maldição, proferiu três vezes bênçãos, porque Deus o impedia de amaldiçoar Seu povo. Ao chegar, entretanto, Israel à margem oriental do Jordão, Balaão sugeriu um plano ao rei moabita para perder o povo de Deus. Ali perto estavam as moabitas conjuntamente com os midianitas, acampados.


“Por sugestão de Balaão, foi pelo rei de Moab designada uma grande festa em honra a seus deuses, e arranjou-se secretamente que Balaão induzisse os israelitas a assistirem à mesma. Ele era conhecido por estes como um profeta de Deus, e por isso teve pouca dificuldade em realizar seu propósito. Grande número de pessoas uniu-se a ele, testemunhando as festas. 


Aventuraram-se a ir ao terreno proibido, e foram enredados na cilada de Satanás. Iludidos pela música e dança, e seduzidos pela beleza das vestais gentílicas, romperam sua fidelidade para com Jeová. Unindo-se-lhes nos folguedos e festins, a condescendência com o vinho enuviou-lhes os sentidos e derribou as barreiras do domínio próprio. 


A paixão teve pleno domínio; e, havendo contaminado suas consciências pela depravação, foram persuadidos a curvar-se aos ídolos. Ofereceram sacrifícios sobre os altares gentílicos, e participaram dos mais degradantes ritos.


“Não demorou muito tempo para que o veneno se espalhasse, como uma infecção mortal, pelo acampamento de  Israel.  Aqueles que teriam conquistado seus inimigos na batalha, foram vencidos pelos ardis das mulheres gentílicas. O povo parecia ter endoidecido. Os príncipes e principais homens estavam entre os primeiros a transgredir, e eram tantos os culpados dentre o povo, que a apostasia se tornou nacional. 


Quando Moisés se apercebeu do mal, os tramas de seus inimigos tinham sido tão bem-sucedidos que não somente se achavam os israelitas a participar do culto licencioso do monte Peor, mas os ritos pagãos estavam vindo a ser observados no acampamento de Israel. 


O idoso chefe encheu-se de indignação, e acendeu-se a ira de Deus”.1) Os responsáveis de Israel foram severamente punidos. E mais tarde Balaão foi castigado com a morte.2) Toda esta história de Balaão e seus enganos para fazer pecar Israel perante a idolatria e a prostituição, encontramos nos capítulos vinte e dois a vinte e cinco do livro de Números. O que segue não é mais do que o cumprimento histórico da doutrina de Balaão na igreja do período de Pérgamo:


“Tal era a tendência dos tempos (IV século) no sentido de falsificar o cristianismo com o espírito do paganismo, em parte para conciliar os preconceitos dos conversos mundanos, em parte com a esperança de conseguir sua mais rápida disseminação. Há certa solenidade na voraz acusação que Fausto faz a Agostinho: ‘Substituístes pelo vosso ágape o sacrifício dos pagãos; os seus ídolos pelos vossos mártires, que servis com as mesmíssimas honras. 


Apaziguais as sombras dos mortos com vinho e banquetes; celebrais as festas solenes dos gentios, suas calendas, e seus solstícios; e, quanto às suas maneiras, vós as conservastes sem qualquer alteração. Nada vos distingue dos pagãos, exceto que realizais vossas assembleias separados deles”.3)


“Os cristãos frequentavam os túmulos dos mártires, na esperança de obter, por sua poderosa intercessão, toda a sorte de bênçãos espirituais, porém, mais especialmente temporais... Quadros edificantes, que não podiam, por muito tempo, escapar do abuso da devoção indiscreta ou idolátrica, representavam a imagem, os atributos e os milagres do santo tutelar... 


Os bispos mais respeitáveis haviam persuadido os ignorantes rústicos a renunciarem mais alegremente as superstições do paganismo, se encontrassem alguma semelhança, alguma compensação no seio do cristianismo. A religião de Constantino conseguiu em menos de um século a conquista final do Império Romano; mas os próprios vencedores foram insensivelmente subjugados pelas artimanhas de seus vencidos rivais”.4)


“O paganismo não podia vencer a igreja como um inimigo; o perigo surge agora de sua amizade. E’ então feita a experiência para ver se, mediante aliança com o cristianismo, sob pretexto de ligar as doutrinas e práticas cristãs e o desejo de conciliar  o  mundo gentílico, para ver se este novo Israel, que não pode ser esmagado, pode corromper-se gradualmente. 


O êxito desta tentativa pode ver-se até o dia de hoje, no paganismo virtual de grande maioria do professo mundo cristão, no qual toda abominação a que a primitiva igreja resistiu até o sangue, pode ser encontrada sob o disfarce de títulos cristãos... O culto aos mártires da igreja nicena foi em todos os sentidos o correspondente às ‘ofertas aos mortos’, do culto de Baal-Peor”.1)


“Quase impercetivelmente os costumes do paganismo tiveram ingresso na igreja cristã. O espírito de transigência e conformidade fora restringido durante algum tempo pelas terríveis perseguições que a igreja suportou sob o paganismo. Mas, em cessando a perseguição e entrando o cristianismo nas cortes e palácios dos reis, pôs ela de lado a humilde simplicidade de Cristo e Seus apóstolos, em troca da pompa e orgulho dos sacerdotes e governadores pagãos; e em lugar das ordenanças de Deus colocou teorias e tradições humanas. 


A conversão nominal de Constantino, na primeira parte do século quarto, causou grande regozijo; e o mundo, sob o manto de justiça aparente, introduziu-se na igreja. Progredia rapidamente a obra de corrupção. O paganismo, conquanto parecesse suplantado, tomou-se o vencedor. Seu espírito dominava a igreja. Suas doutrinas, cerimônias e superstições incorporaram-se à fé e culto dos professos seguidores de Cristo.


“Esta mútua transigência entre o paganismo e o cristianismo resultou no desenvolvimento do ‘homem do pecado’ predito na profecia como se opondo a Deus e exaltando-se sobre Ele. Aquele gigantesco sistema de religião falsa é a obra-prima do poder de Satanás — monumento de seus esforços para sentar-se sobre o trono e governar a terra segundo a sua vontade”.2)


A DOUTRINA DOS NICOLAITAS


Além de acusada de tolerar a doutrina de Balaão — a idolatria pagã — a igreja é também acusada de tolerar a doutrina dos nicolaítas. Para não repetir aqui o que era a doutrina dos nicolaítas, procure o leitor inteirar-se dela no versículo seis do segundo capítulo referente à igreja de Éfeso.


ARREPENDE-TE, POIS


A igreja foi chamada ao arrependimento, ao abandono das doutrinas de Balaão e dos nicolaítas. Se ela não se erguesse para extirpar de seu meio tão repugnantes práticas, seria  responsável pelo mal e o Senhor contra ela batalharia com a  espada aguda de  Sua boca. Quão repulsivas aos olhos de Deus e de Cristo são a idolatria e a prostituição da verdade praticadas por professos cristãos.

 

No entanto, as doutrinas de Balaão e dos nicolaítas estão até hoje em evidência, em não pequena escala, no seio do cristianismo nominal.


" QU E M T E M O U VI D OS, OU Ç A O QU E O E S P Í R I T O D I Z ÀS IGREJAS"


Não valia a pena a voz de apelo divino dirigir-se à coletividade da igreja que se afastava mais e mais da divina rota. O apelo era individual, a cada membro do seu grêmio para que ouvisse a voz do céu e escapasse da contaminação idolátrica e da prostituição e pudesse desfrutar duma imperecível recompensa pelos séculos eternos. Veja-se a mesma voz clamando à igreja de Éfeso.


UMA GLORIOSA PROMESSA AO VENCEDOR


Na antiguidade, quando Israel recebeu no deserto, pela primeira vez em sua história, o maná, como alimento, Deus ordenou a Moisés conservar um pouco dele — um gomer cheio — para memória às suas gerações futuras.


1) O gomer em que fora guardado o maná, era de ouro, e foi depositado dentro da arca do concerto.2) E onde está agora aquele maná guardado, no gomer de ouro, na arca da lei? Não poderá estar na arca do templo celestial que serviu de modelo à do templo terrestre. Na arca do santuário terrenal é que deve estar o maná escondido, e ela não está no templo do céu que não poderá ter duas arcas. Mas, onde está então a arca do santuário da terra ou de Israel? A resposta é simples e clara: Ela foi escondida por ocasião do cativeiro babilônico de Judá.


“Entre os justos que permaneciam ainda em Jerusalém, aos quais se havia tornado evidente o propósito divino, havia alguns que determinaram colocar além do alcance de mãos desumanas a arca sagrada, que continha as tábuas de pedras sobre as quais tinham sido traçados os preceitos do Decálogo. 


Isto eles fizeram. Com pranto e tristeza esconderam a arca numa caverna, onde, para sempre, foi oculta do povo de Israel e Judá por causa de seus pecados, e jamais lhes deve ser restaurada. Aquela sagrada arca está ainda escondida. Jamais tem sido perturbada desde que foi escondida”.3) No segundo livro dos Macabeus lemos que a arca foi depositada numa caverna do monte “a que Moisés tinha subido, do qual ele viu a herança de Deus”.4) O monte aqui referido foi o monte Nebo, donde Moisés viu a “herança de Deus” ou a terra de Canaã que os israelitas iriam receber por herança, o mesmo monte onde ele morrera.5)


Assim o maná escondido se encontra ainda na arca escondida, onde fora depositado. Um dia aquela sagrada arca vai ser retirada do lugar onde a depositaram aqueles santos homens de Jerusalém, e dela tomado o vaso de ouro com o maná. Dele comerão todos os vitoriosos. Evidentemente será multiplicado ao infinito para que toda a hoste de remidos possa dele participar. Quão glorioso será, leitor, sermos vencedores também, para recebermos do Senhor uma porção daquele precioso maná celestial com que fora alimentado o povo de Deus durante tantos anos enquanto demandava a terra prometida.


Também aos vencedores é prometido uma lembrança que com eles perdurará pelos séculos sem fim: Uma pedrinha branca com o nome do vitorioso nela escrito, um nome que somente o que o recebe conhecerá. “Nos tempos primitivos, quando era difícil viajar por falta de lugares de hospedagem pública, a hospitalidade era exercida, mormente, por particulares. 


Entre as pessoas que eram objeto dessa hospitalidade e as que a praticavam, travavam-se, com frequência, relações de profunda amizade e consideração mútua; e chegou a ser um costume bem estabelecido entre os gregos e romanos facilitar aos hóspedes alguma marca particular, que se transmitia de pais a filhos e assegurava a hospitalidade e o bom trato quando quer que se apresentassem. 


Essa marca era geralmente uma pedrinha branca, cortada pelo meio, sobre cujas metades o dono da casa e seu hóspede escreviam mutuamente seus nomes, para depois intercambiá-las. A apresentação desta pedra bastava para assegurar, a eles e seus descendentes, amizade, quando quer que voltassem a viajar pela mesma região. E’ evidente que estas pedras tinham de ser guardadas privadamente, e ocultados, com cuidado, os nomes escritos nelas, para que outras pessoas não obtivessem os privilégios em vez de aquelas a quem estavam destinadas.


“Quão natural é, pois, a alusão a este costume nas palavras: ‘Dar-lhe-ei a comer do maná escondido’; e, havendo-lhe feito participar de minha hospitalidade, havendo-o reconhecido como meu hóspede, meu amigo, lhe regalarei a ‘pedrinha branca, e na pedrinha um nome novo escrito, o qual ninguém conhece senão aquele que o recebe’. Dar-lhe-ei a garantia de minha amizade, sagrada e inviolável, que ele somente conhecerá”.1)


Depois de sua vitória recebeu Jacó um novo nome, um nome relacionado com sua vitória, o nome “Israel”. Será, diz o profeta Isaías, o nome que hão de receber os vitoriosos, “um nome melhor do que o de filhos e filhas: um nome eterno darei a cada um deles, que nunca se apagará”.


2) Oh, sim, será um nome emblemático da inviolável e santa amizade eterna com Jesus! E, caro leitor, a menos que vençamos, serão vãos todos os nossos esforços por ganharmos o tão cobiçado nome novo prometido. Entretanto, não é difícil a vitória. Um pouco de mais esforço e boa vontade de nossa parte, assegurar-nos-á a vitória e o prêmio da amizade. 


A IGREJA DE TIATIRA


VERSOS 18-29 — “E ao anjo da igreja de Tiatira escreve: Isto diz o Filho de Deus, que tem seus olhos como chamas: de fogo, e os pés semelhantes ao latão reluzente: Eu conheço as tuas obras, e a tua caridade, e o teu serviço, e a tua fé, e a tua paciência, á que as tuas últimas obras são mais do que as primeiras. 


Mas tenho contra ti que toleras Jezabel, mulher que se diz profetisa, ensinar e enganar os meus servos, paira que se prostituam e comam dos sacrifícios da idolatria. E dei-lhe tempo para que se arrependesse da sua prostituição; e não se arrependeu. 


Eis que a porei numa cama, e sobre os que adulteram com ela virá grande tribulação, se não se arrependerem das suas obras. E ferirei de morte a seus filhos, e todas as igrejas saberão que eu sou aquele que sonda os rins e os corações. E darei a cada um de vós, segundo as vossas obras. 


Mas eu vos digo a vós, e aos restantes que estão em Tiatira, a todos quantos não têm esta doutrina, e não conheceram, como dizem, as profundezas de Satanás, que outra carga vos não porei. Mas o que tendes retende-o até que eu venha. E ao que vencer, e guardar até ao fim as Minhas obras, eu lhe darei poder sobre as nações, e com vara de ferro às regerá: e serão quebradas como vasos de oleiro; como também recebi de Meu Pai. E dar-lhe-ei a estrela da manhã. Que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas”.


A CIDADE DE TIATIRA


Tiatira, cidade da Lídia, Ásia Menor, estava situada na estrada que ligava Pérgamo a Sardis, acerca de 43 quilômetros desta última. Era conhecida por Pelúpia, Semíramis e Euipia, quando Seleuco Nicator, colonizando-a com elementos gregos, deu-lhe o nome de Tiatira, no ano 280 A. C. Sob os romanos tornou-se florescente pela indústria, afirmando as inscrições terem ali existido inúmeras associações operárias. 


Tornou-se uma cidade manufatureira. Suas indústrias principais eram a manufatura de instrumentos de latão e bronze e a tinturaria de tecidos, especialmente vermelho e púrpura. Os sagrados anais lembram uma piedosa mulher chamada Lídia, daquela cidade que, por ocasião da chegada de Paulo a Filipos, na Macedônia, ali estava vendendo púrpura de Tiatira, a qual aceitou o evangelho e foi batizada.


1) Em Tiatira imperou a idolatria. Sua principal divindade era Apolo, “o deus sol”, adorado num grande templo no qual havia um altar dedicado a uma divindade feminina, ou à grande sacerdotisa de Apolo. Alguns creem que no tempo em que João escreveu esta carta havia uma mulher na igreja que confundia como uma profetisa e dominava a igreja. 


Havia ainda outra superstição de uma natureza extremamente curiosa, que parecia sido trazida para ali por alguns judeus corruptos das tribos dispersas. Fora das muralhas havia um templo dedicado a sambata — santuário de Sibila oriental, às vezes chamada caldeia, judia ou persa — no meio de um cercado chamado “corte dos caldeus”. Por essa razão havia em Tiatira uma grande mistura de raças.


Da velha Tiatira restam apenas traços na moderna cidade chamada Ak Hissar, com uma população de 20.000 habitantes.


A IGREJA DE TIATIRA


A carta dirigida a Tiatira corresponde ao quarto período da igreja cristã, desde 538 a 1517, ou até ao alvorecer da Reforma do século XVI. E’ o período do meio de sua história e pode ela ser considerada — a igreja da Idade Média.


A definição da palavra “Tiatira” é — sacrifício de contrição — símbolo que descreve fielmente as circunstâncias da igreja em sua quarta etapa. Como indica a profecia do quarto selo referente ao mesmo período, a igreja foi perseguida de morte pelo papado romano. Os pormenores da carta de Tiatira harmonizam-se, cabalmente, com os horrores que a igreja sofreu na era papal da Idade Média, principalmente pela espada sanguinária da inquisição.


O ANJO DA IGREJA DE TIATIRA


Sobre este anjo veja-se o da igreja de Éfeso. O anjo desta igreja é acusado, como veremos, de estar alheio, voluntariamente, à mesma corrupção que assolou a igreja do período anterior, e que agora se manifestou da parte de uma facção dissidente. A carta revela que Cristo não pode ver com bons olhos os responsáveis pelo bem-estar espiritual de Seu povo, cegos e indiferentes a perigos que ameaçam sua sobrevivência como povo escolhido.


COMO CRISTO SE APRESENTA À IGREJA DE TIATIRA


Como “Filho de Deus”, é a primeira vez que Cristo se apresenta a Sua igreja e a única em todo o Apocalipse com este título. O lugar de “Filho de Deus” seria usurpado pelo “filho da perdição” ou “homem do pecado” exatamente no período de Tiatira. E a igreja não devia trocar de Senhor. 


A igreja devia ter consciência de que pertencia ao “Filho de Deus” e que, por conseguinte, não lhe assistia o direito de viver como bem lhe parecesse. Fora resgatada na cruz num imenso sacrifício e devia prezar o grande preço que custara ao “Filho de Deus” o seu resgate.


A igreja devia entender que ela estava sob Suas vistas chamejantes, que seu estado ante Seus perscrutadores olhos não lhe era estranho e que desaprova a sua desastrosa condição. Devia pesar bem a pureza de Seus pés, revelando Seu incontaminado caráter que devia tomar como exemplo de vida. Em todo o Seu viver impoluto e imaculado na terra, sua igreja carecia imitá-Lo, sob pena de vir a ser por Ele justiçada a fim de corrigir-se.


EU CONHEÇO AS TUAS OBRAS


Esta é a quarta vez que Cristo diz em Suas cartas conhecer as obras de Sua igreja. Quão glorioso seria para ela se Jesus apontasse apenas obras dignas em seu meio. Mas, como Ele não é parcial e não acoberta o pecado, é obrigado a revelar, à clara luz, a sua verdadeira condição. Um grave mal havia na igreja de Tiatira. Um mal que causou desastre ao cristianismo até ali unido. Um mal que ainda assola grande parte do cristianismo, do qual trataremos nos versículos vinte a vinte e quatro.


ELOGIOS À IGREJA DE TIATIRA


O período da igreja de Tiatira precedeu à grande obra da Reforma. Foi o período também chamado da “Igreja do Deserto”, época das grandes perseguições de Roma papal, contra o povo de Deus. Neste tempo adverso para a igreja, manifestou ela verdadeira caridade, serviço, fé, paciência e obras pujantes de consagração. 


Basta o significado do Termo “Tiatira”, para termos uma ideia da consagração da igreja e de sua coragem em enfrentar os maus dias que dizimaram as suas fileiras pela espada de seus inimigos. A história dos Valdenses, que caracterizou em grande parte a época desta igreja, é uma gloriosa história de amor à verdade, de serviço incansável ao Salvador, de viva fé incontaminada, de paciência nos duros sofrimentos e de obras cristãs superabundantes. Uma citação, apenas, do trabalho dos valdenses, convence-nos de ter sido digno o elogio de Cristo à igreja daqueles dias:


“As igrejas valdenses, em sua pureza e simplicidade, assemelhavam-se à igreja dos tempos apostólicos. Rejeitando a supremacia do papa e prelados, mantinham a Escritura Sagrada como única autoridade suprema, infalível. Seus pastores, diferentes dos altivos sacerdotes de Roma, seguiam o exemplo de seu Mestre que ‘viveu não para ser servido, mas para servir’. 


Alimentavam o rebanho de Deus, guiando-o às verdes pastagens e fontes vivas de Sua santa Palavra. Longe dos monumentos da pompa e orgulho humanos, o povo congregava-se, não em igrejas suntuosas ou grandes catedrais, mas à sombra das montanhas nos vale alpinos, ou, em tempo de perigo, em alguma fortaleza rochosa, a fim de escutar as palavras da verdade proferidas pelos servos de Cristo. 


Os pastores não somente pregavam o evangelho, mas visitavam os doentes, doutrinavam as crianças, admoestavam aos que erravam e trabalhavam para resolver as questões e promover a harmonia e o amor fraternal. Em tempos de paz eram sustentados por ofertas voluntárias do povo; mas, como S. Paulo, o fabricante de tendas, cada qual aprendia um ofício ou profissão, mediante a qual, sendo necessário, proveria o sustendo próprio. 


De seus pastores recebiam os jovens instrução. Conquanto se desse atenção aos ramos dos conhecimentos fazia-se da Escritura Sagrada o estudo principal. Os evangelhos de S. Mateus e S. João eram confiados à memória, juntamente com muitas das epístolas. Também se ocupavam em copiar as Escrituras. 


Alguns manuscritos continham a Bíblia toda, outros apenas breves excertos, a que algumas simples explicações do texto eram acrescentadas por aqueles que eram capazes de comentar as Escrituras. Assim se apresentavam os tesouros da verdade durante tanto tempo oculto pelos que procuravam exaltar-se acima de Deus.


"Mediante pacientes e incansáveis labores, por vezes, nas profundas e escuras cavernas da terra, à luz de archotes, eram copiadas as Escrituras Sagradas, versículo por versículo, capítulo por capítulo. Assim a obra prosseguia, resplandecendo qual ouro puro a vontade revelada de Deus; e quanto mais brilhante, clara e poderosa era por causa das provações que passavam por seu amor, apenas o poderiam compreender os que se achavam empenhados em obra semelhante. 


Anjos celestiais circundavam os fiéis obreiros. Satanás incitara sacerdotes e prelados a enterrarem a Palavra da verdade sob a escória do erro, heresia e superstição; mas de modo maravilhosíssimo foi ela conservada incontaminada através de todos os séculos de trevas. Não trazia o cunho do homem, mas a impressão divina”.


"Os missionários iam de dois em dois, como Jesus enviara Seus discípulos. Cada jovem tinha usualmente por companhia um homem de idade e experiência, achando-se aquele sob a orientação do companheiro, que ficava responsável por seu ensino, e a cuja instrução se esperava que seguisse. Estes coobreiros não estavam sempre juntos, mas muitas vezes se reuniam para orar e aconselhar-se, fortalecendo-se assim mutuamente na fé.


“Tomar conhecido o objetivo de sua missão seria assegurar a derrota; ocultavam, portanto, cautelosamente seu verdadeiro caráter. Cada ministro possuía conhecimento de algum ofício ou profissão e os missionários prosseguiam na obra sob a aparência de vocação secular. 


Usualmente escolhiam a de mercador ou vendedor ambulante. ‘Levavam sedas, joias e outros artigos, que naquele tempo não se compravam facilmente, a não ser em mercados distantes; e eram bem recebidos como negociantes onde teriam sido repulsos como missionários’. 


Em todo o tempo seu coração se levantava a Deus, rogando sabedoria a fim de apresentar um tesouro mais precioso do que ouro ou joias. Levavam secretamente consigo exemplares da Escritura Sagrada, no todo ou em parte; quando quer que se apresentasse oportunidade, chamavam a atenção dos fregueses para os manuscritos. Muitas vezes assim se despertava o interesse de ler a Palavra de Deus, e alguma porção era de bom grado deixada com os que a desejavam receber.


“A obra destes missionários começava nas planícies e vales ao pé de suas próprias montanhas, mas se estendia muito além destes limites. Descalços e com vestes singelas e poentas da jornada, como eram as de seu Mestre, passavam por grandes cidades e penetravam em longínquas terras. 


Por toda a parte espalhavam a preciosa verdade. Surgiam igrejas em seu caminho e o sangue dos mártires testemunhava da verdade. O dia de Deus revelará rica messe de almas enceleiradas pelos labores destes homens fiéis. Velada e silenciosa a Palavra de Deus rompia caminho através da cristandade e tinha alegre acolhida nos lares e corações”.1)


Eis uma amostra do testemunho do Senhor de que as obras da igreja do período de Tiatira eram maiores do que nos períodos anteriores. Que assim sejam, caro leitor, as nossas obras também, neste século de corrupção da carne e da própria fé.


JEZABEL, MULHER QUE SE DIZ PROFETISA


Na igreja de Pérgamo havia os que seguiam a doutrina de Balaão


— idolatria e prostituição. Na igreja de Tiatira é mencionado haver uma mulher ensinando e enganando também com idolatria e prostituição. Mas, quem era a Jezabel da época da igreja de Tiatira? Ora, uma mulher é empregada nas profecias como emblema de igreja. 


Se a profecia fala duma mulher pura e amante da verdade, alude à verdadeira igreja; se, porém, apresenta uma mulher que contraria a verdade do evangelho, então aponta a uma igreja falsa. Daí a Jezabel de Tiatira dever representar uma igreja falsa, pelo fato de ensinar idolatria e prostituição da verdadeira fé do evangelho. Porém, antes de definirmos aqui a simbólica Jezabel, é imprescindível que conheçamos a Jezabel natural que serviu de símbolo.


Nos primeiro e segundo livros dos Reis de Israel encontramos tudo quanto podemos conhecer da história de Jezabel. Era ela uma princesa estrangeira, sidônia, que contraíra matrimônio com Acab, rei de Israel, núpcias estas contrárias à vontade de Deus, principalmente, por ser a estrangeira líder do culto idólatra de sua nação. Realizado o enlace; influenciou poderosamente, a agora rainha pagã de Israel, para que o rei israelita tornasse obrigatório o culto idólatra em toda a nação e levantasse templos e altares pagãos.2) Jezabel tinha a seu encargo 850 falsos profetas ou sacerdotes da idolatria que os sustentava.


1) E quase que a totalidade do povo de Deus voltou-se à idolatria contrariando assim a Sua divina vontade. Foi então que surgiu o profeta Elias da parte de Deus, por cuja mensagem não choveu três anos e seis meses como castigo sobre os idólatras.2) Toda a terra de Israel foi aniquilada por uma tremenda estiagem em que grande número de pessoas sucumbiu pela fome. Decorridos os três e meio anos de seca e destruição, aparece novamente Elias que, convocando o povo, provou a inutilidade do culto da idolatria e destruiu os falsos sacerdotes deste falso culto.


Depois desta breve exposição, estamos prontos para harmonizar a verdadeira Jezabel do antigo Israel com a Jezabel simbólica da igreja de Tiatira, dos séculos V a XV. Aquela Jezabel da história israelita fez várias obras detestáveis aos olhos de Deus. 1. Introduziu o culto idólatra, ou do sol, entre o povo de Deus, que era o fundamento do culto do paganismo; 2. proibiu o verdadeiro culto a Jeová; 3. tinha uma multidão de falsos sacerdotes a seu encargo; 


4. perseguiu de morte os servos de Deus.3) Diante disso, estamos prontos a perguntar: Qual fora a Jezabel ou igreja, que nos séculos citados de Tiatira introduziu na igreja cristã a idolatria, que proibiu o verdadeiro culto a Deus segundo as Escrituras Sagradas, que tinha multidões de sacerdotes sob suas ordens e que perseguiu de morte os servos de Deus que se opunham a seus ensinos? 


A única resposta a esta pergunta é: A igreja de Roma, a Jezabel da profecia, a falsa profetisa que pretende inspiração divina, sendo, entretanto, apontada nas profecias como igreja anticristã por seus atos e obras. Não poderia a revelação apresentar, no emblema de Jezabel, uma figura mais vívida das abominações da igreja papal. Os documentos históricos que se seguem comprovam evidentemente a profecia:


O historiador Edward Gibbon assim descreve este período da igreja: “A sublime e simples teologia dos primitivos cristãos foi gradualmente corrompida; e a monarquia do céu, já nublada pelas subtilezas metafísicas, degradou-se pela introdução de uma mitologia popular, que tendia a restaurar o reino do politeísmo”.


“O cristianismo do sétimo século tinha-se tornado, insensivelmente, uma semelhança do paganismo; seus votos públicos e privados eram dirigidos às relíquias e imagens que desonravam os templos do Oriente: o trono do Todo-poderoso era obscurecido por uma nuvem de mártires, santos e anjos, os objetos de veneração popular”. “No princípio do oitavo século... os mais timoratos gregos foram despertos por uma apreensão que, sob o disfarce de cristianismo, tivessem eles restaurado a religião de seus pais”.4)


Muitas autoridades de relevo do catolicismo sabem que a sua religião é uma adaptação do paganismo. Disse o cardeal Baronius:

 

“E’ permitido à religião usar para propósitos de devoção as cerimônias que os pagãos usaram para propósitos de impiedade em uma religião supersticiosa, depois de ter primeiro expiado eles por consagrações, a fim de que o Diabo possa receber uma maior afronta do emprego em honra de Jesus Cristo daquilo que Seu inimigo tinha destinado para seu próprio serviço”.1)


“O cardeal Newman escreveu ‘do poder do cristianismo para resistir a infecção do mal, e transmutar os mesmos instrumentos e dependências do culto do demônio para um uso evangélico. ‘Adiante declarou que Constantino ‘a fim de recomendar a nova religião aos pagãos, transferiu a ela os ornamentos exteriores com os quais eles estavam acostumados em sua própria’. Depois enumerando muitos costumes e cerimônias pagãs, o prelado católico declarou que eles ‘são todos de origem pagã, e santificados por sua adoração na igreja”’.2)


“O cardeal Nicholas Wiseman, em suas Cartas a João Poynder sobre sua obra intitulada ‘O Papismo em Aliança com o Paganismo’, fez a seguinte e franca confissão: ‘Desejo, no momento, conceder-vos inteira extensão de vossas apropriações e premissas; desejo admitir que todos os fatos que tendes apresentado são verdade, e todos os paralelos que tendes estabelecido entre os nossos ritos e os do paganismo, são corretos; e convosco desejo chegar ao resultado de vossas conclusões”.3)


No entanto, a igreja do período de Tiatira é recriminada por tolerar esta Jezabel que se cobre de púrpura e de escarlata como os grandes da cidade de Tiatira e que tanto mal causou e ainda causa ao cristianismo com suas abominações idolátricas. Aquela Jezabel de outrora em Israel, foi alvo duma profecia que lavrou o seu extermínio e foi cumprida a seu tempo.


4) A moderna Jezabel, a igreja que introduziu a idolatria no seio do cristianismo, é também alvo de profecias que traçam inexoravelmente a sua destruição a seu próprio tempo, profecias que trataremos noutros capítulos.


"EU DEI-LHE TEMPO PARA QUE SE ARREPENDESSE DE SUAS PROSTITUIÇÕES E NÃO SE ARREPENDEU"


A igreja de Roma, transviada, era outrora uma parte do todo unido da igreja de Cristo. Não era vontade de Deus que nem mesmo a mínima fração de sua igreja se desagregasse. 


Foi com indizível pesar que Ele viu a congregação da capital do mundo antigo, naqueles dias, apartar-se da sã verdade e procurar independência do todo da igreja e vida própria sob a liderança de homens que pretendiam honras divinas. Foi com tristeza que Ele a viu corromper-se com a idolatria pagã e querer forçar a introdução do culto idólatra na massa da igreja toda. 


A profecia reza que o Senhor deu tempo para que a igreja de Roma se arrependesse de sua prostituição espiritual, mas não se arrependeu. Os apelos dos servos de Deus para que declinasse de sua apostasia, bem revelam o Seu ardoroso desejo para que tornasse ao seio do todo de Sua igreja. Mas todos os esforços foram inúteis. 


Ela preferiu permanecer na grande apostasia que a revelação denomina de “prostituição”, pois todo afastamento dos princípios morais e fundamentais do são cristianismo é “prostituição” e apostasia. Sua sorte, portanto, que voluntariamente buscara, será a mesma da Jezabel do Velho Testamento me lhe serviu de símbolo. 


Terrível será o futuro duma ou mais corporações ou mesmo dum ou mais indivíduos que desprezarem o tempo de graça que lhes é dado para se arrependerem de suas maldades e voltarem ao seio da igreja de Cristo. Tais corporações e indivíduos obrigarão a Deus a tratar um dia com eles como não gostaria de tratá-los.


O RESULTADO DA APOSTASIA PREFERIDA À VERDADE


Como primeiro resultado de não tornar de sua apostasia seria moderna Jezabel considerada adúltera. Sim, todo o desvio da doutrina original é considerado adultério. E, que esta mulher, não se arrependeria de seus adultérios e prostituições espirituais, pela preferência ao erro e à idolatria, afirmam-nos outras profecias especialmente do livro do Apocalipse. 


Como segundo resultado de preferir as doutrinas pagãs às cristãs, todos os que com ela assim adulterassem, isto é, que com ela comungassem na idolatria e erros doutrinários, ver-se-iam em grande tribulação se não se arrependessem e a abandonassem. A tribulação aqui mencionada são as pragas vindouras da ira de Deus como as temos no capítulo dezesseis.


Os filhos desta Jezabel são evidentemente os seus adeptos. Se não se arrependerem como reza a profecia e não a abandonarem, serão feridos de morte, da morte do castigo. Esta é chamada a “segunda morte” e é várias vezes mencionada no Apocalipse como um prêmio aos que optarem pelo erro e menosprezarem o tão sublime, límpido e salutar evangelho de Jesus Cristo.


No dia do ajuste com a moderna Jezabel e seus filhos, todas as igrejas terão conhecimento real de que a falsa igreja e  suas  obras não estavam esquecidas. Saberão as igrejas que o Senhor é Aquele “sonda os rins e os corações”. Esta expressão é uma figura  de justiça e juízo a serem aplicados contra a igreja idólatra.


1) Em parte o juízo divino já caiu sobre esta Jezabel quando em 1798 o papado foi despojado de seu poder temporal pela espada da França revolucionária. Mas, no fim do milênio, quando todos os rebeldes receberem o merecido prêmio de suas rebeldias, contra Deus e Sua lei, então a moderna Jezabel e seus filhos receberão diante de todas as falsas igrejas que enganou, e com elas, a justa retribuição.


OUTRA CARGA VOS NÃO POREI


O versículo vinte e quatro reza que a idolatria faz parte das profundezas de Satanás. E aos cristãos do período de Tiatira, que não participaram da idolatria de Jezabel e não conheceram esta profundeza de Satanás não seria posto outra carga. 


O vocábulo grego “baros” traduzido por “carga”, é usado apenas em quatro textos no Novo Testamento além do de nossa consideração, e em todos eles o sentido da tradução alude a uma responsabilidade definida concernente à vida cristã.1) Logo, a carga ou a responsabilidade era enfrentar a idolatria da igreja de Roma e recusá-la, embora essa Jezabel usasse da espada para impor a doutrina pagã.


"MAS O QUE TENDES RETENDE-O ATÉ QUE EU VENHA"


O que a igreja devia reter fielmente era a eterna verdade pura do evangelho de Cristo que lhe fora confiado. Por nada no mundo devia desfazer-se deste glorioso patrimônio que recebera regado com o sangue de seus irmãos dos períodos anteriores. O desejo de Cristo é que seus seguidores prezem, defendam, amem e vivam a sua sublime verdade embora em dias de adversidades e de perversão dos mais altos valores divinos.


“Até que Eu venha”, aconselhou-a Jesus. Esta Sua vinda não é uma vinda condicional como referida nas ameaças às igrejas de Éfeso e de Pérgamo. O Senhor faz alusão à sua própria vinda em poder e glória, aos olhos de todos os viventes, para redimir Seu povo e restaurar todas as coisas.


UMA GLORIOSA PROMESSA AO VENCEDOR


Para que os cristãos de Tiatira fizessem jus à promessa inserida na carta, deveriam preencher dois requisitos especiais: Vencer e guardar as obras do Senhor Jesus até ao fim. A vitória sobre o pecado é indispensável sejam quais forem as suas manifestações, e deveria ser o objetivo primário de todos os que almejam reinar com Cristo futuramente. 


Mas, para vencer, deverá o cristão guardar as obras de Jesus. Uma versão do Novo Testamento, assim reza: “Quem vencer e se guiar pelas minhas obras até ao fim...”2) Vencer, portanto, equivale a “se guiar” pelas obras de Cristo, aliás, viver como Ele viveu.


O poder sobre as nações que terão os vencedores, será durante o milênio quando com Jesus exercerão o encargo de juízes para julgarem as nações ou os indivíduos que rejeitaram a salvação que lhes fora oferecida.1) Também depois do julgamento milenário participarão com Cristo na execução da sentença sobre as nações condenadas. E’ assim que com vara de ferro ou justiça inflexível regerão e quebrantarão as nações e povos que renegaram a Cristo e Sua gratuita salvação.


"E DAR-LHE-EI A ESTRÊLA DA MANHÃ"


A estrela da manhã é plenamente definida por Jesus, nestas palavras: “Eu sou... a resplandecente estrela da manhã”.2) A estrela matutina natural é Vênus, e está ligada ao amanhecer do dia. Nosso Senhor Jesus tomou esta gloriosa estrela de pura cor branca como emblema de Sua pessoa e de Seu caráter santo e imaculado. S. Pedro, depois de aconselhar firmeza na palavra dos profetas, acrescenta: “Até que o dia esclareça e a estrela d’Alva apareça em vossos corações”.


3) Assim compreendemos que a promessa de Jesus aos vencedores de dar-lhes a estrela da manhã, é indicativa de que terão como mais alto prêmio estreita e íntima relação com Ele, como a estrela da manhã ao dia, e serão iluminados por Sua presença em seus corações, tornando-se suas vidas uma brilhante luz.


"QUEM TEM OUVIDOS, OUÇA O QUE O ESPÍRITO DIZ ÀS IGREJAS"


A partir da igreja de Tiatira, esta admoestação do Espírito de Deus é inserida nas cartas em último lugar, como um apelo que devia impressionar e perdurar nas mentes e nos corações dos servos de Deus. 


O futuro de todo o homem e de todo o cristão depende de sua atitude para com a divina voz. Há segurança e vida prezar e atender a voz de Deus através de Seu Espírito. Se os ouvidos de nossa consciência estão abertos, ouçamos com prazer e disposição para aceitar toda a orientação da poderosa voz do céu que almeja nossa felicidade e nossa salvação.


Esse é o conteúdo do livro A Verdade Sobre as Profecias do Apocalipse, de Araceli Melo - Confira aqui o índice Completo.