Este capítulo inicia-se com o sétimo selo cuja corrente profética foi interrompida pelas visões do capítulo sete.
Uma nova corrente profética, composta de sete trombetas, é introduzida neste oitavo capítulo para continuar no seguinte e concluir-se nos versículos quinze a dezenove do capítulo onze.
Nas profecias, os toques de trombetas são emblemas de guerra; e, nesta revelação, o teor da profecia já indica isso mesmo, aliás guerras de conquista e aniquilamento, movidas por poderes levantados contra o império mais opressor da história do mundo — o império romano.
O capítulo finda com uma solene advertência com relação a três “ais” ou os toques das três últimas trombetas, cujos acontecimentos seriam muito mais solenes e terríveis do que os relacionados com os toques das quatro primeiras trombetas.
A ABERTURA DO SÉTIMO SÊLO
VERSO 1 — “E, havendo aberto o sétimo selo, fez-se silêncio no céu quase por meia hora”.
O sétimo selo é o desfecho da grande cadeia profética iniciada na era apostólica e tem que ver com um silêncio no céu quase por meia hora. No céu, em torno do trono de Deus, há constante manifestação de altos louvores ao Criador e ao Redentor do homem, como apreciamos nos capítulos quatro e cinco.
Mas, as celestiais hosanas a Deus e a Seu Filho, cessarão um dia por quase meia hora, e todas as harpas serão postas de lado. Porquê? Que acontecimento tomará lugar para que cessem os coros e as orquestras celestiais?
Segundo o Senhor Jesus pessoalmente se referira, Deus o Pai e Todos os Santos anjos, O acompanharão em Sua segunda vinda ao mundo.1) Assim sendo é claro que o céu, isto é, a Santa cidade estará em silêncio enquanto o séquito da divindade não regressar com os escolhidos do Salvador. Haverá silêncio no céu até que todos a ele regressem outra vez.
A meia hora de silêncio no céu não será literal, mas profética, pois é assim que entendemos a medida de tempo nas revelações concernentes às profecias. Para sabermos o tempo exato de quase meia hora profética, temos que dividir um dia profético por vinte e quatro horas.
Um dia profético equivale a um ano, ou, melhor dito — vinte e quatro horas proféticas, E, mais ainda, o ano profético compreende 360 dias literais.1) Agora, para termos o tempo exato de “quase meia hora” profética, teremos que, em primeiro lugar, dividir 360 dias por 24 horas.
E o resultado da operação será 15 dias. Quer dizer que uma hora profética equivale a 15 dias literais e meia hora a 7 dias e meio. O tempo, pois, que Cristo despenderá para vir à terra e voltar ao céu, não será de meia hora ou sete dias e meio, mas “quase meia hora”, isto é, exatamente sete dias. Eis o tempo que o Salvador gastará para vir à terra com Seu séquito buscar seus remidos e regressar ao céu ou à Santa Cidade.
Ao regressar a corte celestial com os escolhidos do Senhor, encher-se-á novamente o céu com tributação de louvores ainda maiores. Multidões de salvos de todos os séculos prorromperão num cântico de vitória triunfante, seguidos pelas miríades de miríades de santos Anjos.
UMA NOVA CORRENTE PROFÉTICA DO NÚMERO SETE
VERSO 2 — “E vi os sete anjos, que estavam diante de Deus, e foram-lhes dadas setes trombetas”.
Eis a terceira cadeia profética do Apocalipse ligada ao número sete. Profeticamente falando, trombeta é símbolo de guerra ou de graves acontecimentos políticos entre as nações.2) Quando o ocorreriam os toques destas trombetas é de suma importância sabermos antes de irmos adiante.
Em primeiro lugar tenhamos em mente que, todas as profecias do Apocalipse, dizem respeito a sucessos relacionados com a era cristã, quer no que respeita a opressões políticas quer religiosas, e que, note-se bem, todas as correntes de profecias sob o número sete, enchem inteiramente esta era. Assim as sete trombetas far-se-iam soar, infalivelmente, na era cristã, enchendo-a de acontecimentos sangrentos tremendos.
Todavia, como as sete igrejas revelam a condição interna e os sete selos a condição externa da igreja cristã, as sete trombetas demonstram evidentes guerras ou juízos que desabariam sobre os seus opressores, a começar com os primeiros que foram os romanos, ou, mais evidentemente, Roma-Pagã Ocidental e Roma-Cristã Oriental.
UMA ESPECIAL PROVIDÊNCIA EM PROL DOS SANTOS
VERSOS 3-4 — “E veio outro anjo, e pôs-se junto ao altar, tendo um incensário de ouro e foi-lhe dado muito incenso, para o pôr com as orações de todos os santos sobre o altar de ouro, que está diante do trono. E o fumo do incenso subiu com as orações dos santos desde a mão do anjo até diante de Deus”.
O ANJO MINISTRANTE DO SANTUÁRIO
Antes dos sete anjos saírem de diante de Deus para cumprirem a sua missão, uma nova cena é apresentada na visão. Um novo anjo surge, não com trombeta, mas com um incensário de ouro, pondo-se “junto do altar”. No céu há um único altar, aliás, o do incenso, que se encontra no primeiro compartimento ou lugar santo do santuário.
Mas, quem é o anjo que se apresentou junto do altar para ministrar o incenso? Um anjo comum não pode exercer funções de sacerdote, pelo fato de um sacerdote ser um mediador entre o pecador e Deus, e os anjos jamais foram designados como tais. O Mediador entre o pecador e Deus é um só — Jesus Cristo.1).
Daí o anjo ministrante da visão ser o próprio Senhor Jesus, não só porque já O vimos noutra visão ministrando no santuário, mas porque a revelação O apresenta também como um anjo, o “anjo do concerto”.2) Assim vimos sanado este particular da visão que, possivelmente, já tem tornado perplexo algum estudante das profecias e do santuário.
O INCENSO E AS ORAÇÕES DOS SANTOS
No ritual do santuário de Israel, figura do celestial, a queima do incenso, no altar do mesmo nome, no lugar santo, pela manhã e à tarde, simbolizava os méritos da intercessão de Cristo, como Mediador, em favor do pecador penitente ou de Seu povo. O nosso texto declara que ao anjo, ou a Cristo como Sumo-sacerdote, foi dado “muito incenso, para o pôr com as orações de todos os santos sobre o altar de ouro”.
Ora, como as sete trombetas se estendem por toda a era cristã e os acontecimentos resultantes de seus toques iriam pôr em perigo a igreja ou “todos os santos”, e eles por isso mesmo necessitariam orar muito, demonstrou-lhes o Salvador, o anjo ministrante, que não lhes faltariam os Seus méritos em todo o tempo dos sonidos das sete trombetas. Procurou deste modo, o Senhor, dar-lhes a certeza de Sua simpatia nos sofrimentos que iam padecer ao tocarem os anjos as suas trombetas.
Estimulou-os a orarem abundantemente e confiarem com segurança no incenso dos Seus méritos infalíveis em prol da oração sincera e confiante dos Seus amados suplicantes. Ele lhes assegurou, na visão, que Sua mediação pô-los-ia em salvaguarda e que em Seus méritos podiam descansar seguramente pela fé, a verdadeira fé.
O ATO FINAL DO MEDIADOR
VERSO 5 — “E o anjo tomou o incensário, e o encheu do fogo do altar, e o lançou sobre a terra; e houve depois vozes, e trovões, e relâmpagos e terremotos”.
O mesmo fogo do altar, que produz a nuvem de incenso que sobe para Deus com as orações dos santos, é lançado na terra, produzindo efeitos tremendos. O mesmo fogo sagrado usado na mediação dos santos é arrojado sobre as cabeças daqueles que desprezaram a intercessão do Salvador. A mesma graça que absolve o pecador, torna-se em condenação ao ímpio empedernido que dela não se aproveitou.
O ato do lançamento do fogo do altar sobre a terra declara que a obra da mediação do “anjo do concerto” irá até ao fim ou até que o último anjo faça soar a sua trombeta, e indica também o término da mediação do Salvador. Então não mais será oferecido incenso pelas orações mesmo dos santos. Eles próprios terão que viver sem mediação até ao aparecimento do seu Senhor para arrebatá-los da terra. E, para os ímpios desprezadores do tão incomensurável amor de Deus a eles manifesto, estará a porta da misericordiosa graça fechada para sempre.
Ao lançamento do fogo do altar, seguem-se “vozes e trovões, e relâmpagos e terremotos”, anunciando a recompensa do ímpio. As mesmas cenas são descritas noutras visões do Apocalipse, como evidências irrecusáveis da ira dum Deus amoroso tão audazmente ofendido e dum amante Salvador vilmente desprezado.
PREPARAM-SE OS SETE ANJOS
VERSO 6 — “E os sete anjos, que tinham as sete trombetas, prepararam-se para tocá-las”.
Contra quem iriam os sete anjos tocar as suas trombetas é de capital importância sabermos antes de apreciarmos os efeitos de seus toques. As sete trombetas não demonstram mais do que evidentes guerras ou juízos que desabariam sobre os opressores da igreja e povo e Deus na terra.
E quais são estes opressores apontados nas profecias? Na era cristã, a que dizem respeito as profecias do Apocalipse e bem assim a das sete trombetas, o inimigo da igreja de Deus — é Roma, e é Roma nas suas duas fases e também todas as demais potências opressoras.
Segundo o teor da profecia, as seis primeiras trombetas estavam destinadas a porem abaixo toda a estrutura de Roma-Pagã no Ocidente e de Roma-Cristã no Oriente; e, como isto tomou lugar, dir-nos-ão os toques das mesmas trombetas. A sétima trombeta está destinada a eliminar Roma-papal e todos os persistentes inimigos da igreja de Deus no século XX.
Caudilhos especiais iriam com suas hordas guerreiras vibrar fulminantes golpes sobre o coração de Roma. E, para que o leitor se certifique disto com acerto, saiba que os versículos três a cinco atestam que a obra das seis primeiras trombetas tomaria lugar antes do ano de 1844, visto que até esta data a mediação mediante a apresentação do incenso fora realizada no lugar santo do santuário.
Até 1844, Roma foi, indiscutivelmente, o poder inimigo único da igreja de Cristo, sendo que deste ano para cá, outros poderes fizeram-se também abertos adversários da igreja de Cristo, os quais cairão pelo toque da sétima trombeta, com o resto de Roma.
A PRIMEIRA TROMBETA
VERSO 7 — “E tocou o primeiro anjo a trombeta, e formou-se uma chuva de pedras e de fogo, misturados com sangue, que caiu sobre a terra, e foi abrasada a terça parte da terra, e foi queimada a terça parte das árvores, e queimada toda a herva verde”.1)
OS EFEITOS DO TOQUE DA PRIMEIRA TROMBETA
A “chuva de pedras e de fogo, misturados com sangue”, são emblemas bélicos de destruição. Um dos inspirados profetas dá-nos uma figura disto mesmo: “Eis que o Senhor mandará um homem valente e poderoso; como uma queda de saraiva, uma tormenta de destruição’.
2) Não resta dúvida de que um homem valente e poderoso, invadiria repentinamente a terça parte da terra com os seus comandados, como se caísse do alto semelhante a uma “chuva de pedras” ou de saraiva, e causaria destruição e copioso derramamento de sangue.
Naqueles dias quando o profeta de Patmos recebeu a revelação do Apocalipse, somente três partes da terra eram conhecidas: A Europa, tendo Roma por capital; o Oriente ou Ásia, tendo Constantinopla por metrópole; e a África, tendo Cartago por cidade líder. E esta era também a tríplice divisão do império romano naqueles dias.
E’ por este fato que as primeiras trombetas apontam realmente acontecimentos políticos ligados àqueles antigos tempos, quando persistia a tríplice divisão do mundo, não sendo conhecidas a América e a Oceânia, que completam hoje as cinco partes ou cinco continentes do mundo.
ALARICO E SEUS VISIGODOS
Naqueles antigos tempos, quando a terra conhecida compreendia as três divisões citadas, tomaram lugar as grandes invasões contra o império romano. Consultando as páginas da história de então, verificamos que a Europa romana ou o Ocidente foi a primeira vítima duma avalanche de guerreiros vindos dalém das fronteiras do Reno e do Danúbio. As quatro primeiras trombetas tratam dos quatro primeiros ataques de vulto sobre o Ocidente romano, que redundaram na derrocada e esfacelamento de Roma Ocidental ou europeia.
Com alusão à primeira trombeta ou à primeira fulminante investida contra Roma Ocidental, não há historiador que não diga que Alarico, com seus visigodos, foi o primeiro terrível inimigo de Roma a feri-la, seriamente, abalando sua gigantesca estrutura.
Trouxe ele do norte, a região da saraiva, uma terrível tempestade que harmonizando-se com a profecia, demonstrou-se um juízo inexorável e extremamente sanguinário sobre os cruéis senhores do mundo. A pena do historiador confirma, que só no temível Alarico e suas hostes visigodas encontrou a profecia o seu verídico cumprimento. Vejamos o que diz o historiador G. Oncken, em sua história universal:
“O povo visigodo cansado da sua mortificada situação, irritado desde a morte de Teodósio por mil perseguições, ardis e amiudadas crueldades, sublevou-se em 395, rompendo um pacto que os bizantinos haviam já roto tantas vezes com as suas sangrentas surpresas; aclamou rei de todas as tribos Alarico, a quem o governo de Constantinopla negara o acesso que havia pedido e que, havendo servido já o grande Teodósio em muitas ocasiões com dissimulada repugnância estava furioso vendo destruída a sua esperança de ocupar no exército bizantino o posto elevado que ambicionava.
Alarico aproveitou, pois, avidamente a ocasião de alcançar o seu fim por outro caminho, quer dizer, fazendo guerra ao império como chefe do seu povo; pôs-se à sua frente, não como Teodorico por direito tradicional de nascimento, pois nem filho era sequer de um chefe de tribo, mas como Fritigerno, um chefe aventureiro.
A exemplo deste evitou também Alarico nas suas guerras as praças fortificadas, conhecendo muito bem a impossibilidade de empreender sítios com os seus germanos, aos quais ordenou ‘paz com as muralhas’, contentando-se com as planícies cultivadas onde podia alimentar a sua gente e enriquecer-se facilmente pela rapina.
Deste modo devastou sucessivamente a Trácia, a Macedônia, a Tessália, a Ilíria e a Arcádia, sem que as tropas imperiais ousassem fazer-lhe frente, nem defender as Termópilas, nem o ístimo de Corinto. Por este ístimo penetraram os godos na Grécia onde, à exceção de Tebas, salva pelas suas fortes muralhas, ocuparam sem resistência Esparta, Corinto, Argos, Tegea, Megara e Atenas”.1)
Eduardo Gibbon, também famoso historiador, diz igualmente sobre esta investida de Alarico, o seguinte: “A nação goda tomou as armas ao ouvir o primeiro som da trombeta, e apesar da insólita severidade do inverno, rodaram seus pesados carros sobre a larga e gelada superfície do rio. Os férteis campos de Fócia e Beócia ficaram cobertos por um dilúvio de bárbaros; os homens foram mortos e as mulheres e o gado foram levados.
As profundas e sangrentas pegadas dos godos podiam discernir-se facilmente depois de vários anos. Todo o território da Ática foi devastado pela funesta presença de Alarico. Os mais afortunados dos habitantes de Corinto, Argos e Esparta salvaram-se da morte, mas contemplaram a conflagração de suas cidades”2)
Sobre esta tremenda sortida de Alarico informa ainda o historiador César Cantu o seguinte: “Alarico, da família dos Baltes, a mais ilustre entre os godos depois da dos Amales, mostrara-se a Teodósio um inimigo terrível; reconciliado com este, fora nomeado chefe das milícias. Quando o imperador morreu, porque se julgasse mal recompensado, saiu do território que lhe fora determinado, e onde se conservava contrafeito, para devastar, pode ser que por instigações de Rufino, a Trácia, a Panônia, a Macedônia e a Tessália.
Transpôs as Termópilas, mal defendidas, e penetrou na Grécia, que até então se vira poupada pelos bárbaros, sem que os generais, com quem porventura Rufino estava concertado, pusessem o mais leve obstáculo às suas rapinas. Templos e cidades foram reduzidos a cinzas; os ritos de Ceres Aeleusina cessaram; do golfo Adriático ao mar Negro foram todos os habitantes trucidados ou reduzidos à escravidão”.1)
Estilicão, o grande general romano, desembarcou um exército no ístimo de Corinto, e conseguiu cercar Alarico e suas fôrças. Mas Alarico, tendo conseguido um convênio em regra com Estilicão e talvez também com Rufino, abandonou sem ser molestado o Peloponeso, em direção ao Épiro, ocasião esta em que a corte de Constantinopla lhe satisfez todas as suas exigências, nomeando-o comandante da Ilíria e alimentando sua gente e provendo-a de todo o necessário, à custa dos arsenais e depósitos imperiais.
Mas o rei visigodo não se deteve. Penetrou até o coração da Itália, ameaçando seriamente Roma. Estilicão acudiu a repeliu Alarico e seu bando da Península, para além do Pó. Todavia o rei godo tomou a marchar em direção de Roma sendo novamente obrigado a retroceder, estabelecendo negociações de paz e galgando a Ilíria, onde se estabeleceu. Mas Estilicão foi assassinado pelos próprios romanos, o que trouxe à Itália o maior perigo e a expôs em verdade aos bárbaros sedentos de vingança e riquezas.
“Então Alarico, fechando os ouvidos às palavras de amizade, põe- se em marcha (409), e do alto dos Alpes Juliano aponta aos companheiros as delícias do clima italiano, as cidades opulentas e os feraces vergéis; lembra-lhes as riquezas do mundo inteiro acumuladas em Roma por centenas de triunfos, acrescentando que é facílimo apoderarem-se delas.
Logo caem em seu poder Aquiléia, Albino, Concórdia e Cremona; todos os dias se agrupam novos aliados em volta da sua bandeira, que dentro em pouco se desfralda em frente de Ravena, onde a sua vista incute terror. Costeia o Adriático e, tomando a via Flamina, corre de cidade em cidade, sem desembainhar a espada, e vai assentar arraiais defronte das muralhas da antiga dominadora do mundo.
Procura um eremita aplacar-lhe o furor, e Alarico responde: ‘Não posso parar, é Deus que me impele’. Foi também assim que, mil anos depois Mahomet mandou pela noite acordar o Vizir e lhe disse: ‘Peço-te Constantinopla; não posso conciliar o sono neste travesseiro. Deus quer que os romanos me sejam dados”’.
2) “Foram-lhes deputados o senador Basilio e João, tribunos dos notários, encarregados de obterem dele as melhores condições. Como disseram a Alarico: ‘Não vês quanta gente há ainda em Roma?’, este respondeu: ‘Quando mais basto está o feno, melhor se ceifa’, e convidou-os a lhe entregarem o ouro e a prata toda que houvesse na cidade, os objetos de valor e os escravos bárbaros. ‘E então o que nos deixas?’ perguntaram-lhe. ‘A vida’, respondeu Alarico.
“Sem embargo, consentiu num armistício, durante o qual se deixou levar a sentimentos mais humanos. Reduziu a contribuição a cinco mil libras de ouro, trinta mil de prata, trinta mil de pimenta, quatro mil túnicas de seda, três mil peças de púrpura fina, e exigiu, além disso, a liberdade de todos os escravos bárbaros.
Para satisfazer este resgate, foram fintados todos os cidadãos, mas foi impossível completá-lo. Então recorreram aos ornamentos dos templos, sendo derretidas muitas estátuas, entre as quais se contava a de Valor, o que foi acompanhado das lágrimas dos idólatras, que viam no fato a ruína total da virtude romana. Satisfeito com o preço, Alarico levantou o assédio.
Abriram-se as portas da cidade, e durante três dias se estabeleceu um mercado de víveres nos arrabaldes, o que permitiu encher os celeiros particulares, na previsão de novos desastres. Alarico manteve as suas tropas em rigorosa disciplina, para defender os vencidos do mais leve insulto; depois dirigiu-se para a Etrúria, onde tencionava estabelecer quartéis de inverno.
Reuniram-se-lhe quarenta mil bárbaros, cujas cadeias rompera e que respiravam vingança contra senhores cruéis, e ao mesmo tempo Ataulfo, seu cunhado, levou-lhe um reforço de godos e de hunos, achando-se deste modo à frente de cem mil homens no meio da Itália desalentada. Como, porém, mostrasse desejos de paz, foram três senadores enviados expressamente de Roma à corte de Ravena, para solicitar a troca dos reféns e a conclusão de um tratado.
Por bases, Alarico queria o posto de general dos exércitos do Ocidente, com uma contribuição anual de dinheiro e trigo, e a posse da Dalmácia, da Nórica e da Venécia, o que o tornaria senhor do Danúbio e da Itália. Olímpio, ministro de Honório, recusou-se a satisfazer semelhante exigência. Fez mais: mandou sair de Roma, no encalço dos negociadores, um corpo de seis mil dálmatas. O resultado foi os bárbaros sentirem-se ofendidos com esta precaução, e envolverem-nos e exterminarem-nos”.1)
“Contudo, o resto do império achava-se à mercê dos bárbaros, e Roma viu novamente o terrível Alarico dirigir-se contra ela. O godo, dominando a cólera, conservando moderação na prosperidade, continuou a mandar bispos ao imperador para que salvasse a cidade e a Itália toda da inevitável ruína; mas porque visse desatendidas todas as condições que propunha, assenhoreou-se do porto de Óstia e intimou Roma para que se rendesse à discrição, sob pena de ver destruir de um só golpe os celeiros donde recebia a subsistência.
O senado teve então de ceder ao clamor do povo, e Alarico ordenou-lhe que aceitasse por imperador Atalus, prefeito da cidade. O novo imperador nomeou o bárbaro general dos exércitos do Ocidente, e Ataulfo capitão das suas guardas, com o título de conde dos domésticos; deste modo pareceu que as duas nações se protegiam mutuamente”.2)
Mas a política romana incitou novamente os visigodos. “Então Alarico, só respirando vingança e rapina, tornou a apresentar-se debaixo dos muros de Roma. Depois de prolongado sítio, penetrou ali (24 de agosto), por traição de alguns escravos, passando por debaixo dos arcos triunfais que sete anos antes tinham sido levantados para celebrar a completa destruição da sua raça.
Deste modo a cidade dos Césares, depois de haver pelo espaço de mil cento e sessenta e três anos saqueado o mundo, achou-se entregue como preza ao furor dos bárbaros. Contudo Alarico mandou que se poupasse o sangue e fossem respeitadas as igrejas de S. Pedro e S. Paulo.
“O saque nem poupou os primores artísticos nem as roupas menos luxuosas dos particulares. No longo séquito de carros que acompanhava o exército godo, acumulavam-se o ouro, as joias e as pedras preciosas, atiradas para ali em monte com mesas de prata, tapetes e túnicas de seda.
O ignaro camartelo dos bárbaros deitou por terra vasos magníficos, estátuas admiráveis, porque todo o seu afinco estava em descobrir tesouros, que supunha enterrados. As chamas fizeram desabar muitos palácios, e foram degolados muitos homens e mais ainda reduzidos à escravidão, deduzidos os que puderam ser resgatados pelo afeto dos parentes ou pela caridade religiosa. Não faltaram virgens nem nobres matronas que tivessem de recorrer ao suicídio para escapar à desonra”.1)
“Ao cabo de seis dias, os godos evacuaram a cidade e dirigiram-se pela Via Ápia para a Itália meridional, saqueando e submetendo um país que lhe oferecia quanto pode seduzir um conquistador, sem apresentar nada do que pode infundir-lhe receio. Numerosos italianos se haviam refugiado nas terras mais distantes, uns nas ilhas ou na África, outros no Egito, em Constantinopla, em Betleém, e os que tinham conseguido subtrair alguma coisa à assolação socorriam os outros.
Alguns destes exilados foram acolhidos por Crisóstomo, que os consolou; condoendo-se de tantas misérias, julgava ver o cumprimento das profecias e pensava que o fim do mundo estava próximo, pois que sucumbia Babilônia, a grande prostituta do Apocalipse”.
“O acampamento dos godos estava apinhado de cidadãos e matronas ilustres, agora escravos e miserável ludíbrio da sorte, que se viam obrigados a servir o vinho das terras que já lhes não pertenciam à grosseira gente do Norte. Refestelados à sombra dos plátanos e loureiros dos jardins de Cícero e de Lúculo, os bárbaros desfrutavam as delícias do formoso céu da Itália, prontos para novos combates e novas carnificinas.
“Chegado ao estreito de Messina, Alarico lançou a vista para a Sicília, que devia servir-lhe de degrau para alcançar a África; sobreveio, porém, uma borrasca, que dispersou o primeiro comboio e desgostou os godos de um elemento a que não estavam habituados; depois, a morte de Alarico (412) desviou-os completamente do pensamento de ir mais longe.
Para darem sepultura ao herói, desviaram o curso do Bruxêncio, que banha os muros de Cosentia, abriram uma cova no leito do rio e depositaram nela Alarico com ricos despojos; em seguida restituíram o rio às suas ribas, tendo previamente matado os escravos que havia empregado naquele trabalho, para que ninguém soubesse onde repousava o homem que fora o terror de Roma”.1)
Depois de Alarico, decresceu o poder dos visigodos com os seus sucessores, até que se acantonaram na península Ibérica, ou Espanha, onde formam ainda, até hoje, o seu reino ou seu domínio, — os espanhóis.
CUMPRIMENTO DA PROFECIA
A pena do historiador encarregou-se de revelar-nos os episódios que cumpriram plenamente a profecia. Alarico foi na verdade o homem guiado, como ele mesmo confessara, para cumprir cada requisito da primeira trombeta. Caindo sobre Roma Ocidental qual repentina chuva de saraiva destruidora, derramou sangue de multidões principalmente nos Balcãs e na Itália e incendiou numerosas cidades por onde efetuou sua marcha. Cláudio, um poeta romano daqueles tempos, diz o seguinte, descrevendo as devastações de Alarico:
“Aonde quer que as levem as fúrias, as dispersas hostes precipitam-se através de sombrios caminhos, e labirintos desconhecidos como uma chuva de saraiva, ou um sopro pestilencial”.2) Este mesmo poeta “lamentou pateticamente a sorte das árvores na conflagração de todo o país”, o que demonstra extraordinário cumprimento da profecia neste pormenor.
3) Deste modo temos em Alarico e sua hoste visigoda ávida de rapina, a saraiva, o sangue e o fogo como salientados pelo profeta, numa devastação aterradora e quase incrível, desde os Balcãs, até ao sul da Itália. De Alarico chegou a dizer um historiador: “Recorreu o país como um anjo exterminador, encarregado da tarefa de arruinar o antigo império romano”.
Mas a invasão de Alarico do Império de Roma Ocidental foi a chave que abriu as fronteiras romanas a novas e também terríveis invasões de outras hordas bárbaras assoladoras.
A SEGUNDA TROMBETA
VERSOS 8-9 — “E o segundo anjo tocou a trombeta; e foi lançada no mar uma coisa como um grande monte ardendo em fogo, e tornou-se em sangue a terça parte do mar. E morreu a terça parte das criaturas que tinham vida no mar; e perdeu-se a terça parte das naus”.
OS VÂNDALOS DE GENSERICO NA PROFECIA
O toque e os efeitos da segunda trombeta, por circunscrever a terça parte do mar, aponta a uma das três partes em que, como já vimos, dividia-se o mundo nos dias do domínio romano. Portanto, esta segunda trombeta e seus efeitos, como a primeira, abalaria ainda mais os alicerces do império dominador, da férrea Roma dos Césares.
Os termos desta profecia asseguram que a segunda trombeta trata duma grande batalha naval em que um grande incêndio tomaria lugar. Um novo inimigo de Roma surgiria para abalar o seu poderio naval como Alarico o fez com o seu poderio de terra. E quem foi este novo e temível adversário, diz-nos infalivelmente a história.
Depois de Alarico e seus visigodos, o sério e imediato inimigo de Roma, confirma-nos a história, foram os vândalos e Genserico, seu rei. Pois foram os vândalos de Genserico, dentre todos os povos invasores do império romano, os únicos que formaram imediatamente uma grande força naval no Mediterrâneo. Depois de invadir (429) Genserico o norte da África, procedente da Espanha com os seus vândalos, estabeleceu ali, definitivamente, o seu reino, fazendo de Cartago a sua capital, tendo vencido toda a resistência de Roma e Constantinopla coligadas.
A PROVÍNCIA ROMANA NA ÁFRICA
“Vejamos agora o que era a província romana na África, quando este homem terrível pôs o pé nela. Um contemporâneo de Genserico chama-lhe (a África) com retórica exagerada ‘a alma do império’. Ainda que não tanto, era, não obstante da maior importância para toda a Itália, e muito especialmente para as duas grandes capitais Roma e Ravena, as quais abastecia de víveres, quase exclusivamente, sobretudo desde que o outro celeiro do império, o Egito, estava destinado a abastecer principalmente Constantinopla, elevada à categoria da segunda capital.
A isto acrescia o fato de ter até aquela época desfrutado paz, ordem e segurança, causara então no resto do mundo; de modo que a civilização romana que ali tinha deitado profundas raízes, pôde produzir na África ainda frutos abundantes, quando já os não produzia noutras províncias. Esta, ainda em meio e depois do desmoronamento do poder de Roma, tinha permanecido, graças à sua posição geográfica, tão bem preservada dos ataques dos germanos, que só lhe ganhava a este respeito, a Bretanha, que não foi invadida senão vinte anos depois.
No século III, tinham visitado, apenas de passagem, as costas africanas piratas francos, mas desde então era tão grande a fama da segurança que gozavam os seus habitantes, que muitas famílias opulentas se tinham estabelecido nela, fugindo da Itália e da Espanha, países continuadamente ameaçados por novas invasões”. “Os cartagineses tinham elevado a um altíssimo grau de perfeição o cultivo e aproveitamento destas terras, cuja fertilidade era tão grande que o trigo dava em Bizacena cento e cinquenta grãos por um.
Os romanos velavam ainda com maior solicitude sobre este país que parecia um jardim semeado de povoados e de quintas elegantes. Os artigos principais de exportação, além dos cereais, eram o azeite e a lenha que consumiam em grandes quantidades os banhos e termas públicas da Itália”.1)
GENSERICO REI DOS VÂNDALOS
“O rei Genserico, cujo nome significa ganso bravo, conforme o costume dos antigos de compararem os heróis com animais valentes e arrojados é uma das figuras mais imponentes da época da irrupção dos povos bárbaros tão rica em heróis. Tem-se feito um paralelo entre ele e o sábio rei dos godos, Teodorico o Grande; mas o vândalo estava para o godo como a noite sangrenta para o dia benéfico.
A seu nome liga-se a suspeita de fratricídio. Era de baixa estatura e coxeava por ter caído de um cavalo; homem pouco comunicativo, duro para suportar toda a espécie de fadiga, iracundo, ambicioso e muito hábil em semear entre os homens a discórdia, fato que recorda o deus supremo dos germanos, Odin ou Wodan, e mais pronto a atuar que outros a decidirem-se.
Com manha e traição, faltando à sua palavra, se apoderou de Cartago, capital do seu reino ocupada pelos romanos; arrasou as muralhas de outras cidades para evitar futuros movimentos de resistência; e despojou os habitantes de suas terras até que ele e os seus vândalos satisfizeram a fome de propriedade territorial sem entrar numa divisão ordenada.
Os proprietários da região que não fugiram a tempo foram assassinados, ou expulsos e perseguidos, cruelmente pela sua fé católica porque o novo amo era ariano; afogou em torrentes de sangue os motins e as sedições dos seus; e saqueou todas as costas, povoações e ilhas do Mediterrâneo onde pôde chegar. A bordo das suas terríveis embarcações não designava rumo algum ao piloto que esperava as suas ordens, porque dizia que ‘o vento e as ondas os levariam para aqueles a quem Deus larga de Sua mão’, segundo conta a tradição.
Esta mesma expressão põe as lendas na boca de seu terrível competidor na Europa, o ‘açoite de Deus’, Átila o huno. Como Átila, foi Genserico açoite da humanidade, terror dos povos, e qual tempestade desencadeada em vez de conservar e de criar não fez mais que destruir, não só os seus vizinhos, mas também o seu próprio povo, e todos os povos onde chegou a sua ação ou que a sua influência alcançou. Teodorico foi um rei de paz; Genserico um rei destruidor, espantoso, o rei do terror”.2)
“A tomada de Cartago efetuou-se, como se pode supor, vandalicamente. Os bárbaros, destruíram os teatros, o templo da Memória, a via ou rua da ‘Deusa Celeste’; mataram grande número de habitantes e outros foram repartidos como escravos; muitos fugiram e se expatriaram; o dinheiro e objetos de valor tiveram que ser entregues aos vencedores, que saquearam e destruíram as igrejas católicas ou as entregaram ao culto ariano.
O clero e as famílias senatoriais, que representavam mais diretamente a resistência nacional e religiosa, ao mesmo tempo que a riqueza, e que, portanto, eram as pessoas mais perigosas, foram perseguidas com mais rigor.
“Semelhante provação devia naturalmente excitar os romanos a uma nova guerra, mas Genserico era já, como ele costumava chamar-se com orgulho, ‘o rei do mar e da terra’, temido em todas as costas do Mediterrâneo. Não esperou que o atacassem. Reuniu as suas esquadras e passou à Sicília, ponte natural entre a Itália e a África; pôs cerco a Palermo e ameaçou a Itália meridional.
O imperador Valentiniano fez um apelo ao povo com o fim de organizar um levantamento geral de todos os habitantes capazes de empunhar armas, prometendo-lhes o auxílio do imperador de Constantinopla Teodósio II. Nestas críticas circunstâncias distinguiu-se notavelmente pela sua perícia um ascendente de Cassiodoro.
No ano 441 chegou com efeito o anunciado auxílio do império do Oriente, uma esquadra de 1.100 naus levou todo um exército bizantino comandado pelos generais Areolindo e Ansila, mas quis a desgraça que ao desembarcarem na Sicília passassem o tempo em vacilações, e em lugar de auxiliar a África, foram apenas um pesado encargo para aquela ilha, conforme diz um autor da época; e quando chegou a notícia que hordas de hunos tinham invadido e assolavam o império oriental, regressou toda a armada em 442 para proteger o seu pais”.1)
GENSERICO E SEUS VÂNDALOS SAQUEIAM ROMA
“Quando o terrível ‘açoite de Deus’ ficou desfeito nos campos de Chalons, deixando livre o Ocidente, tratou o astuto vândalo de se pôr em boa inteligência com Roma, pois nem de outro modo se explica que justamente então suspendesse a sua perseguição contra os católicos; mas quando no ano seguinte, em 10 de março de 455, foi assassinado o imperador Valentiniano e proclamado em seu lugar Máximo, reinando a desordem e a confusão na capital, coube outra vez à cidade eterna a desgraça de ver dentro dos seus muros novos conquistadores germânicos como tinham visto antes os godos de Alarico.
Desta vez eram os vândalos conduzidos pelo terrível rei do mar que faziam a sua visita. Conta-se, ainda sem provas fidedignas, que Eudócia, a viúva do imperador assassinado, obrigada a casar-se contra sua vontade com Máximo, chamou os vândalos para que a vingassem.
“A sua (de Genserico) numerosa e bem armada esquadra fundeou em Portus Romanus (Óstia), que era então o Porto de Roma, e cujos habitantes divididos em diferentes partidos, ficaram aterrorizados ao saberem do desembarque dos vândalos”.2)
Máximus, que por desleixo imperdoável se não tinha apercebido para a defesa, só tratou de fugir convidando os senadores a imitarem-no; mas apenas se soube do seu intento, o povo apedrejou-o e atirou com o seu cadáver ao rio (12 de junho de 455).
“Três dias depois desta sedição, Genserico estava às portas de Roma, e a cidade, intrépida para o assassinato, mas sem energia para o combate, gemia e suplicava. E’ tradição que o papa, o mesmo Leão que saíra ao encontro de Átila, foi em procissão com o clero ao acampamento dos vândalos, e obteve do rei concessões humanitárias. Mas, não obstante, a cidade foi posta a saque durante quatorze dias, as riquezas que tinham escapado a Alarico carregaram os seus navios africanos, e assim se consumou a vingança de Cartago sobre a sua humilhada rival.
“O templo de Júpiter Capitolino, monumento de patriotismo e magnificência bem mais que de sentimentos religiosos, ficou sem o seu teto de bronze, dourado; todavia, foram poupadas as estátuas dos deuses e heróis. Tito depositara no templo da paz as alfaias preciosas do culto hebraico, a mesa de ouro, o candelabro também de ouro de sete braços; tudo isto caiu nas mãos dos bárbaros. As igrejas cristãs foram igualmente espoliadas, e o Papa Leão mandou fundir seis vasos de prata dados por Constantino.
Os palácios foram saqueados com extraordinária rapacidade, e à própria Eudócia, quando ia encontrar-se com o libertador por ela chamado, roubaram quantas joias em si trazia; depois meteram-na com as duas filhas a bordo dos navios, conjuntamente com milhares de escravos escolhidos pela beleza ou pela robustez”.1) “Todo este despojo, exceto um barco carregado de estátuas que foi a pique, chegou sem nenhum contratempo à África”.
“De regresso a Cartago não perdeu Genserico um momento em aproveitar a confusão inseparável do interregno e falta de chefe no império romano ocidental, para se apoderar dos distritos e cidades onde se mantinham ainda guarnições romanas, e submeter à sua coroa ‘toda a Africa’, isto é, tudo o que compreendia a província romana deste nome”.2)
Majordano, imperador que reinou em Roma de 457 a 461, “para levar a cabo seu plano de ataque contra os vândalos” “resolveu transportar o seu exército à África ocidental desde o molhe de Cartagena investir com ele até Cartago”.) “Os bosques dos Apeninos foram derribados, os arsenais e fábricas de Ravena e Misena foram restaurados; Itália e Gália competiram mutuamente em contribuições generosas para o serviço público, e a armada imperial, de trezentas galeras, com adequada proporção de transportes e navios menores, fora reunida no seguro e espaçoso. porto de Cartagena, na Espanha”.
“Porém Genserico salvou-se de uma ruína iminente e inevitável pela traição de alguns súditos poderosos, que invejavam ou temiam o êxito de seu senhor. Guiado por sua comunicação secreta, surpreendeu a frota sem custódia na baía de Cartagena; muitos dos navios foram afundados, capturados ou queimados; e os preparativos de três anos foram destruídos em um só dia”. “O reino da Itália, nome a que se havia reduzido gradualmente o Império Ocidental, foi afligido, durante o governo de Ricimero, pelas depredações incessantes dos piratas vândalos.
Na primavera de cada ano, equipavam uma frota formidável no porto de Cartago; e Genserico mesmo, ainda que já velho, comandava, entretanto, em pessoa as expedições mais importantes”. “Os vândalos visitaram repetidas vezes as costas da Espanha, Ligúria, Toscana, Campânia, Bútio, Apúlia, Calábria, Venécia, Dalmácia, Êpiro, Grécia e Sicília”. “A celeridade de seus movimentos lhes permitia ameaçar e atacar os objetivos mais longínquos que atraíssem seus desejos; e como sempre embarcavam um número suficiente de cavalos, podiam recorrer, apenas desembarcassem, a desalentada região com um corpo de cavalaria ligeira”.1)
“Uma expedição preparada em 466 contra a África não se realizou porque o mau tempo obrigou as trirremes romanas a ficar nos portos da Sicília. Morreu Severo e Ricimero de acordo com o imperador Leão pôs em seu lugar o general deste, Antêmio; mas quando se apresentou a Genserico a embaixada para obter dele o reconhecimento do novo imperador e a promessa de respeitar o território italiano, repetiu ambas as propostas e enviou, pelo contrário, os seus navios piratas a devastar as costas do império oriental, a Grécia, Êpiro, o Peloponeso e a Ilíria, semeando por toda a parte o terror com as suas inauditas crueldades.
Irritados os vândalos pelo mau êxito de um ataque ao cabo Tenaro, na Lacônia, retiraram-se e caíram sobre a ilha de Zante onde assassinaram todas as pessoas que primeiro encontraram e levaram consigo quinhentas das principais que mataram no mar alto, semeando as águas com os fragmentos dos seus corpos despedaçados.
A própria cidade de Alexandria temeu ver-se atacada por eles, e a Sardenha foi conquistada, saqueada e incorporada no império vândalo. Escusado é dizer as crueldades que cometeram com o clero católico e suas igrejas no seu próprio país, e muito mais nas terras onde desembarcavam”.2)
Exaustos já, convieram os dois impérios — Ocidental e Oriental — num grande esforço na intenção de dar cabo ao adversário. Mas soube este novamente valer-se de sua astúcia e mais uma vez derrotar fragorosamente as forças coligadas.
"E FOI LANÇADA NO MAR UMA COISA COMO UM GRANDE MONTE ARDENDO EM FOGO"
Fogo no mar! Como é possível isto? Evidentemente só um incêndio de navios ou duma esquadra de guerra poderia cumprir este simbolismo. E, recorrendo à história bélica-marítima do mundo, só encontramos este cumprimento nas batalhas decisivas entre as esquadras dos vândalos e dos romanos. “Por fim convieram os dois impérios romanos do Ocidente e do Oriente, graças às ativas negociações do imperador Leão, em unir as suas forças para uma expedição comum e poderosa contra este terrível rei do mar, com a esperança de o aniquilar juntamente com todo o seu reino e acabar assim com as suas selvagens piratarias”.
1) “Os gastos totais da campanha africana quaisquer que fossem os meios de sufragá-la, ascenderam à soma de 13.000 libras de ouro, uns 5.200.000 libras esterlinas”. “A frota que saiu de Constantinopla para Cartago consistia em 1.113 navios, e o número de soldados e marinheiros excedia a 100.000 homens”. “O exército de Heráclito e a frota de Marcelino uniram-se ou secundaram ao lugar-tenente imperial”.2)
“Basilisco, cunhado do imperador e chefe de toda a esquadra, devia desembarcar junto de Cartago e tomar esta capital, enquanto outro general, Heráclio, tinha ordem de desembarcar perto de Trípoli e marchar dali sobre Cartago. Marcelino, finalmente, devia sair da Dalmácia com tropas ocidentais, e conquistar a Sicília.
O perigo era grande e o ataque combinado pareceu sair tal como se tinha calculado. Marcelino ocupou a Sardenha e Heráclio todas as cidades de Trípoli e marchou por terra sobre Cartago. Entretanto tinha saído também Basilisco da Sicília, como depois saiu Belisário e tinha desembarcado a duzentos e oitenta estádios a Este de Cartago, mas depois de alguns reencontros fatais para as tropas de Genserico, este pediu-lhe uma trégua de cinco dias, que os chefes da expedição nesciamente lhe concederam, segundo alguns, mediante a influência do dinheiro e a traição de alguns bizantinos arianos.
Este prazo bastou ao vândalo, que só esperava o vento favorável do poente para executar o seu plano de ataque. Sem perder um momento preparou os seus brulotes, tripulou os seus velozes corsários e enquanto se levantava a desejada brisa que impelia os brulotes até o espesso bosque das trirremes bizantinas”.
3) Genserico “fez tripular seus maiores navios de guerra com os mais valentes mouros e vândalos, rebocando muitos barcos cheios de material combustível. Na obscuridade da noite, estes navios destruidores foram arrojados contra a frota indefesa dos romanos, que de nada suspeitavam ao sentir o perigo iminente.
A ordem em que estavam dispostas as embarcações muito juntas e amontoadas, auxiliou o progresso do fogo, que foi propagado com rápida e irresistível violência; e o ruído do vento, o crepitar das chamas, os gritos dissonantes dos soldados e marinheiros, que não podiam nem mandar nem obedecer, aumentava o horror do tumulto noturno. Enquanto trabalhavam para subtrair-se às chamas e salvar pelo menos parte da frota, as galeras de Genserico os assaltavam com valor e disciplina, e muitos dos romanos que escaparam à fúria das chamas, foram mortos ou feito prisioneiros pelos vândalos vitoriosos”.
4)“A catástrofe foi horrível; a grandiosa e soberba armada ficou destruída apesar da resistência heroica de alguns capitães. Em vão ofereceu Genzo, o filho do rei, ao valente legado bizantino Johannes salvar-lhe a vida quando lutava desesperada e heroicamente na proa do seu navio para conter a abordagem: quando se viu perdido, subiu à gávea do mastro maior e dali se lançou com a sua pesada armadura ao mar, respondendo a Genzo enquanto se afundava ‘que jamais se renderia a perros’.
Basilisco fugiu com os restos da esquadra para Constantinopla onde lhe valeram o sagrado asilo que encontrou na basílica de Santa Sofia e a influência da imperatriz para se livrar do castigo. Heráclio viu-se obrigado a reembarcar; e tendo sido Marcelino assassinado na ilha da Sardenha em agosto de 468, recuperaram os vândalos também esta parte do império.
“Este gigantesco esforço custara aos romanos a metade do seu exército; por isso foi que Genserico pôde mais do que nunca satisfazer os seus instintos de vingança e de saque, correndo e devastando costas e ilhas dos dois impérios sem receio de encontrar em nenhuma parte resistência”.1)
O CUMPRIMENTO DA PROFECIA
Depois da extensa narrativa sobre a segunda trombeta, deparamo-la em perfeita harmonia com os fatos históricos. Uma guerra naval deu inexorável cumprimento ao requisito da inspiração. Todos os detalhes da revelação foram plenamente cumpridos. A batalha predita deu-se exatamente numa das três partes do mar Mediterrâneo então conhecido e navegado, o que equivale a dizer que não foi uma batalha naval geral, mas, segundo reza o texto, uma batalha localizada.
Tão grande foi o derramamento de sangue que o profeta diz que a terça parte do mar tomou-se em sangue, ou que foi manchada de sangue a terça parte do Mediterrâneo, tendo perecido a terça parte dos marinheiros, que na verdade eram as “criaturas que tinham vida no mar”. “Também foi perdida a terça parte das naus na desesperada batalha, o que quer dizer que cerca de 500 navios foram alvos das impetuosas chamas.
Mas, o que mais se salienta, do qual mais evidente cumprimento divisamos na história daquela refrega naval, é o “grande monte ardendo em fogo”. Mesmo deixando de lado os registos do historiador, que nos falam duma tremenda catástrofe, podemos ter uma ideia do enorme incêndio naval de 500 navios, ativado por combustível altamente inflamável e pelo vento poente. Em fim, a tragédia que cumpriu a profecia inspira-nos confiança plena nas Sagradas Escrituras, mormente em todas as suas infalíveis profecias.
A TERCEIRA TROMBETA
VERSOS 10-11 — “E o terceiro anjo tocou a sua trombeta, e caiu do céu uma grande estrela, ardendo como uma tocha, e caiu sobre a terça parte dos rios, e sobre as fontes das águas. E o nome da estrela era Absinto, e a terça parte das águas tornou-se em absinto, e muitos homens morreram das águas, porque se tornaram amargas”.
UMA NOVA TEMPESTADE SÔBRE ROMA
Ao considerarmos a primeira e a segunda trombetas, constatamos que Alarico assolou o ocidente romano destruindo a eficácia de seu exército de terra, e que Genserico aniquilou o poder marítimo dos dois impérios conjugados. Porém, estando ainda os vândalos depredando todas as costas do Mediterrâneo, uma nova tempestade desabou fulminante sobre o Ocidente.
Ao sonido da terceira trombeta, reza o sagrado texto, “caiu do céu uma grande estrela, ardendo como uma tocha”. Caindo qual ardente tocha, o que indica destruição em grande escala e imediata, deve a “grande estrela” apontar a um valente capitão que, com sua aguerrida hoste que obedece com fanatismo a seu comando, iria arrojar-se como se fora um ardente e impetuoso meteoro de grande brilho; um gênio militar daqueles agonizantes dias de Roma, que lhe vibraria formidável golpe e desapareceria tão rapidamente como um astro que fulgura na sua carreira inicial para logo desaparecer em nada.
Indubitavelmente, um guerreiro colérico como jamais os séculos viram igual, sedento de glórias e de vingança sobre seus inimigos, e que cumpriria a terceira tremenda tempestade da profecia contra Roma, não obstante pouco durável o esplendor de sua carreira bélica e sua supremacia de armas sobre seus rivais, surgiria inesperado no horizonte internacional ao tempo das invasões sobre o império dos Césares.
SOBRE A TERÇA PARTE DOS RIOS E SOBRE AS FONTES DAS ÁGUAS
Na expressão — a terça parte dos rios — é indiscutível que a “grande estrela” iria cair sobre a linha do alto Danúbio e do Reno, e a região dos Alpes abundante em mananciais de águas onde não poucos rios que banham o continente se abastecem. Todos estes territórios dos rios e das fontes, deveria constituir o cenário das operações repentinas e efêmeras do grande astro.
O grande guerreiro incógnito no emblema da “grande estrela”, traçou sua marcha sobre o ocidente romano, pelo que a revelação se antecipou em tornar manifesta com muita antecedência e exatidão.
"E O NOME DA ESTRELA ERA ABSINTO"
O absinto é uma planta muito amarga e que exala um forte cheiro aromático penetrante, conservando estes agudos característicos mesmo depois de seca ou em sua essência verde escura. O emblema do absinto torna patente que a “grande estrela”, ao arrojar-se sobre a região prognosticada, acarretaria acontecimentos amargos em que “muitos homens" morreriam naquele território dos rios e fontes alpinas das águas, aliás, matanças enormes resultariam de sua inesperada queda.
E assim dá-nos a profecia um quadro dantesco das chacinas nunca dantes registradas e dos morticínios sem paralelo nos campos de batalha, em consequência do advento daquela candente estrela fulminante “como uma tocha” e amarga como o “absinto”.
Não encontramos na voz da profecia inspirada a previsão dum drama tão horroroso como o que aqui temos, e de tão grandes consequências em tão diminuto espaço de tempo, a ser desempenhado por um único personagem envolto na figura dum grande astro, seguido por soldados reverentes e fanáticos.
A "GRANDE ESTRÊLA" DA PROFECIA
Agora, resta-nos saber que “grande estrela” foi a que caiu na região dos ricos e suas origens, na Europa. O grande vulto, que operou nas vizinhanças superiores do Danúbio e do Reno e das fontes alpínicas originárias dos rios europeus, e causou enormes desolações e extensas carnificinas, diz-nos a história com indiscutível infalibilidade. Sim, a pena do historiador aponta a grande figura genial da guerra, o grande caudilho da destruição na região pré-apontada como um candente meteoro que se extinguiu logo após seu grande brilho.
“Átila, clama bem alto a voz da história, foi a “grande estrela” a “tocha” ardente, o amargo “absinto” que assolou, saqueou e muito sangue fez jorrar insaciavelmente ali naquela “terça parte dos rios” e nas “fontes das águas” de Roma Ocidental decadente. Foram manifestos nos símbolos da profecia o caráter de Átila, a miséria da qual foi instrumento, a extirpação total que causou e o terror que inspirou o seu nome nos seus dias de chefe de seus terríveis hunos que o reverenciavam em tresloucado fanatismo.
De Átila, é dito que “em seu aspecto, parecia-se muito a um brilhante meteoro que fulgurasse pelo céu”. Vindo do Oriente, arrojou-se com seus hunos sobre o império, na rapidez dum fulgurante meteoro. Ele mesmo “considerava-se consagrado a Marte, o deus da guerra, e sabia ataviar-se em forma peculiarmente vistosa, de maneira que sua aparência, de acordo com a linguagem de seus lisonjeadores, bastava para deslumbrar a quem o contemplasse”.1)
OS HUNOS ANTES DA SUPREMACIA DE ÁTILA
Os hunos, de cujo povo Atila era natural, procederam da costa ocidental do Mar Cáspio. “Ammianus Marcellinus diz que eram duma ferocidade sem igual; logo que nasciam, queimavam-lhes a parte inferior da cara com um ferro quente para nunca terem barbas, o que lhes dava parecenças com eunucos; tinham o tronco grosso e curto, os membros robustos, a cabeça enorme, os ombros largos, e podiam tomar-se por animais levantados sobre as patas traseiras, ou pelas toscas cariátides que sustentam as varandas.
Outros comparam o rosto de um huno a uma posta de carne informe com dois buracos no lugar dos olhos, acrescentando que, apesar de baixos são vigorosos, têm ombros largos trazendo a cabeça bem levantada, montam admiravelmente a cavalo e são excelentes arqueiros”.2)
“Viviam à maneira de selvagens, não sabendo sequer cozer as viandas e alimentando-se de raízes cruas ou de carne de animais, que maceravam para ficar mais tenra, entalando-a entre a sela e o cavalo”.1)
“Acostumados desde a infância a sofrer fome, sede, frio, mudavam a miude de residência, transportando as famílias em carros puxados por bois”. “Vestiam-se de pano grosseiro ou de peles de murta, e só largavam o fato quando ele caía aos pedaços. Com o capacete na cabeça, uma pele de bode nas pernas, e nos pés calçados tão tosco que quase os impedia de andar, raro desciam do cavalo, sobre o qual passavam dias e noites, ora sentados ora bifurcados na sela.
Nesta postura comiam, bebiam, celebravam conselho; para dormir inclinavam-se sobre o pescoço da cavalgadura. Arrojavam-se sobre o inimigo soltando urros ferozes, e se achavam resistência, voltavam as costas e fugiam, para logo depois tornarem à carga, rápidos como o relâmpago e impetuosos como o furacão. As frechas que despediam, no ataque e na fuga, tinham pontas de osso, tão mortíferas como se fossem de ferro”.2)
Em 376 deixaram as margens do Volga sob o comando de Belamir, e empurraram os povos godos para as fronteiras de Roma, e estabeleceram-se ao norte do Danúbio. “Os hunos não queriam parar ali, e Belamir, animado pelas vitórias ganhas, devastou as províncias romanas, onde destruiu muitas cidades, até que o desarmaram com a promessa dum tributo anual de dezenove libras de ouro (Cr$ 3.600,00).
Uldino, que lhe sucedeu no comando (387), foi assassinado, e os romanos tiveram de conjurar com mais valiosos tributos as ameaças de Karaton (412). Desde esta época ficaram os hunos aparecendo de quando em quando na história do império; cerca de 40 anos depois, Roilas conduziu-os para aquém do Danúbio, saquearam a Trácia e ameaçaram Constantinopla (425). Estava iminente o perigo quando a peste os dizimou e Roilas foi morto por um raio.
“Ruas ou Rugulas (430) recebia de Teodosius II um tributo de trezentos e cinquenta libras de ouro (Cr$ 66.600,00) para estar quieto; informado, porém, de que os amilzures, os itimares, os tonosures e os boisks, povos limítrofes do Danúbio, tinham feito aliança com os romanos, declarou a Teodósio que romperia o tratado se ele se não desligasse daqueles povos e não os obrigasse a voltarem para o país donde tinham saído.
Esta atitude foi-lhes talvez aconselhada por Aétius, que se tinha retirado para junto dele; mas logo depois de ter firmado um tratado de aliança com Valentinianus III, Ruas morreu (433), deixando a suprema autoridade a seus dois sobrinhos, Blêda e Átila, o Açoite de Deus”.
ÁTILA E O IMPÉRIO DO ORIENTE
Constantinopla e seu imperador foram assombrados por Átila. “Este guerreiro terrível pareceria, não já um personagem histórico, mas um mito, um símbolo de imensa destruição, se não falassem dele tantos escritores e não o tivesse visto o historiador Priscus.
No princípio do seu reinado atemorizou Teodosius, que lhe comprou uma paz vergonhosa por setecentas libras de ouro cada ano; o imperador concedeu também ao bárbaro licença para comerciar livremente nas margens do Danúbio e prometeu-lhe a restituição de todos os seus vassalos refugiados nas províncias imperiais: quando Átila os houve às mãos (e alguns deles eram de raça real), mandou-os crucificar a todos.
Depois de ter humilhado o império, que ficou à sua mercê, na necessidade de obedecer a todos os seus caprichos, declarou guerra aos bárbaros de diversas origens estabelecidos ou errantes no centro da Europa. Gépidas ostrogodos, suevos, alanos, quados, marcomanos, submeteram-se-lhe, por vontade ou à força; dilatou o seu império desde os países habitados pelos francos até aos dos escandinavos, aterrando o mundo todo. Formavam-lhe cortejos inúmeros reis, e setecentos mil guerreiros esperavam que um sinal seu lhes indicasse a região marcada pela vingança de Deus.
“Pinta-se Átila disforme de rosto, de cor azeitonada, com a cabeça grande, o nariz chato, os olhos pequenos e encovados, alguns raros pelos no queixo, os cabelos encarapinhados, membrudo e vigoroso; era altivo no porte e no olhar, como homem que se sente superior, pela energia, a quanto o rodeia.
A sua vida era a guerra, mas sabia dominar-se; exigindo com severidade que os outros fossem justos; para ele a justiça era a própria vontade... ‘A estrela cai, a terra treme, sou o martelo do universo, dizia, onde o meu cavalo assentou as patas’. Tendo-lhe um eremita chamado Açoite de Deus, adotou este cognome como um presságio e convenceu as nações de que o merecia. Um homem destes podia tolerar um colega? Matou Blêda, e depois de ter vencido o mundo bárbaro, voltou- se contra o mundo civilizado.
“Primeiramente marchou sobre a Pérsia e, atravessadas as montanhas, entrou na Média (444); mas os descendentes de Kiros e de Arsakês encontraram em si o antigo valor da sua raça e obrigaram-no a retroceder, deixando-lhes grande parte da preza já feita. Então o vândalo Genserico, que temia perder a África em resultado do bom acordo de Teodósius e Valentinianus, instigou Átila a invadir o império do Oriente.
Uma das suas hordas foi paralisar o comércio que se fazia pelo Danúbio, dispersando e matando os mercadores atacados de improviso, e demoliu a fortaleza de Margum a pretexto de recuperar um tesouro tirado pelo bispo e de prender alguns homens, que se haviam esquivado à justiça do seu rei. A guerra assolou, pois, a Mésia, e o bispo de Margum, para se subtrair ao perigo, entregou a sua cidade aos delegados de Átila.
Daqui, a torrente bárbara precipitou-se sobre todas as praças fortes da fronteira ilírica e destruiu as cidades populosas de Sirmium, Singidunum, Ratiária, Marcianópolis, Naissus e Sárdica, que constituíam uma fronteira militar. E tendo desenvolvido as suas hordas ferozes numa formidável linha de quinhentas milhas, do Euxino ao Adriático, mandou a Valentinianus e a Teodosius um mensageiro, que disse aos imperadores: ‘Átila, meu e vosso amo, ordena-vos que lhe prepareis um palácio”’.
1) “Teodósio chamou a toda a pressa as tropas que tinha mandado à Sicília contra Genserico e as que andavam às mãos com os persas; não ousara, porém, pôr-se à frente do exército e não tinha generais nem soldados capazes de se arrostarem com tal inimigo. Três vitórias assinaladas levaram Átila até aos arrabaldes de Constantinopla, onde um terremoto demoliu vinte e oito torres, e o imperador chegou a julgar-se pouco seguro na sua capital.
Setenta cidades foram saqueadas pelos hunos; os habitantes que escapavam ao morticínio ficavam escravos e eram avaliados, nas partilhas, segundo a sua robustez. Teodosius, o invencível Augustus, desprovido dos recursos que as tiranias vigorosas sempre encontram e a generosa liberdade multiplica, entendeu que o melhor expediente a adotar era pedir misericórdia ao temeroso huno, e assim o fez.
Átila ditou as condições de paz, e entre outras as seguintes: Cessão, por parte do imperador, dos países vizinhos do Danúbio numa extensão correspondente a quinze dias de marcha, elevação do tributo anual de setecentas mil libras de ouro, além de seis mil pagas à vista como indenização de guerra.
Esta quantia exorbitante para um país exausto pelo luxo, por uma ruim administração e pelos preparativos bélicos, teve de ser paga por meio de um imposto extraordinário sobre os senadores, muitos dos quais se viram obrigados a vender em hasta pública as joias das esposas e ornamentos hereditários dos palácios. O orgulho, que sobrevivia à grandeza, deu o nome de soldo a este tributo e conferiu o título de general do império ao rei dos hunos, que dizia rindo: ‘Os generais dos imperadores são escravos, os generais de Átila são imperadores’.
“Autorizado pela degradação e vileza do inimigo a tudo ousar, Átila exigiu também de Teodosius que renunciasse o título de senhor do país desde o Danúbio até Naissus e à Nova na Trácia e depois, sempre que queria galardoar algum dos seus oficiais, mandava-o à corte de Constantinopla a insultar o imperador no seu próprio paço, sob pretexto de reclamar a execução dos tratados; o embaixador enriquecia com os presentes, à custa dos quais Teodosius julgava comprar-lhe a benevolência”.
“Pouco tempo depois (28 de julho de 450) morreu Teodosius de uma queda do cavalo, tendo cinquenta anos de idade e quarenta e três de um reinado infeliz e vergonhoso e apenas ilustrado pelo código que fez publicar (438), e que foi a primeira compilação de leis que os romanos tiveram”.
“Marcianus (que sucedeu a Teodosius) sentia a necessidade de conservar a paz, mas não a queria à custa de covardias; por isso, quando Átila lhe mandou pedir o tributo com arrogância, respondeu- lhe: ‘Tenho ouro para os meus amigos e ferro para os meus inimigos’; últimas palavras dignas de um romano. Átila resolveu declarar-lhe guerra; todavia, hesitou no fundo da Panônia entre dirigir-se para o Oriente ou para o Ocidente, entre eliminar do mundo Constantinopla ou Roma. As circunstâncias lançaram-no sobre o Ocidente”.1)
ATILA INVESTE SÔBRE O OCIDENTE
E’ agora que o veremos cair como uma “grande estrela” destruidora como uma tocha candente e amarga como o absinto, “sobre a terça parte dos rios, e sobre as fontes das águas”. Até então esteve Átila em escaramuças e humilhações no império do Oriente, e reunindo sob seu comando um poderoso exército para se tornar senhor do mundo. Sua carreira guerreira de grande fulgor qual brilhante astro que surge repentino e assolador, inicia-se com sua terrível invasão do império do Ocidente.
“Honória, irmã de Valentinianus”, “mandou secretamente oferecer a Átila a sua mão com todos os direitos anexos. A ocasião sorriu ao huno, que logo pediu formalmente a princesa em casamento, e com ela metade do império. O pedido não foi satisfeito, a pretexto de que as leis romanas não concediam nenhum direito hereditário às mulheres e Honória foi reenviada para a Itália, onde a casaram com um homem obscuro e onde depois sofreu perpétuo encarceramento.
Mas o orgulhoso Átila ofendeu-se com a repulsa, e para vingá-la reuniu um sem número de povos germânicos, vassalos ou aliados, como os gépidas, regidos por Arderico, e os ostrogodos, capitaneados por Valamir, e abalou-se da Panônia (459). Chegado, depois de penosa marcha, à confluência do Necker e do Reno, encontrou-se com o filho mais velho do Clodion, passou com ele o rio por uma ponte formada de vigas atadas umas às outras, e meteu na Bélgica uma multidão feroz e inumerável (451)”2).
Os burguinhões são derrotados à sua frente; e, depois de destruir vários, “Átila desce para a margem esquerda do Reno até Mogúncia, e, precedido pelo terror, seguido pela devastação, toma e saqueia Treves e Ecarpiana. Não deixa pedra sobre pedra em Metz, onde degola todos os habitantes e até as crianças, e dá igual sorte a Tongres”.3)
Aétius reuniu abundantes tropas para repelir o temível inimigo que fazia perigar a sobrevivência de todos os povos europeus. “Quando o exército de Aétius se aproximou, os hunos levantaram o cerco de Orleans, passaram o Sena e esperaram o ataque nos campos Catalaúnicos, nas margens do Marne onde a cavalaria podia manobrar à vontade (451).
“Nesses campos famosos defrontavam os três mundos, asiático, romano e germânico, os homens que estavam a ponto de perder o senhorio da Nova Europa e os que pretendiam apoderar-se dele. Roma tinha reunido em volta dos seus estandartes os visigodos, os letes, os armoricanos, os gauleses, os brenes, os saxões, os burguinhões, os sarmatas, os alanos, os francos, os ripuários; com Átila estavam outros francos e outros burguinhões, boios, hérulos, turíngios, gépidas, ostrogodos: eram irmãos, desde muito separados, que se encontravam agora para se exterminarem.
Átila percebeu que as suas tropas hesitavam, e disse-lhes, segundo um desses historiadores que se comprazem em falar pelos seus heróis: ‘Que tendes a temer dessa reunião de inimigos diferentes na língua e nos costumes, e que só o medo associou? Arrojai-vos sobre os alanos e os godos; o corpo não se sustenta em pé quando tem os ossos quebrados.
Mostrai o vosso valor habitual. O homem destinado a vencer, não há frecha que lhe toque; o que está votado à morte, morreria até no asilo do lar. Essa turba pávida nem sequer afrontará o vosso olhar. Vou despedir a primeira frecha contra o inimigo; morte àquele cujas mãos ficarem ociosas enquanto eu combater”.
“A batalha foi encarniçada, sem misericórdia, sem quartel. Átila dirigiu os seus mais rudes ataques contra os godos, que considerava com razão o mais sério obstáculo às suas conquistas. Teodorico, rematando com prodígios de valor uma existência belicosa, morreu na refrega; cento e cinquenta mil homens juncaram com os seus cadáveres as margens do Marne, e a vitória coube aos romanos”.1) Os dois inimigos retiram-se depois da vitória dum e derrota doutro. Átila e seus hunos tornaram a passar o Reno em direção a Panônia.
“Na primavera seguinte (452) aprestou-se para outra invasão. Depois de ter pedido novamente a mão de Honória, que novamente lhe foi negada, pôs-se em marcha, passou os Alpes e sitiou Aquiléia..., e Aquiléia transformou-se em momentos num triste montão de escombros. Altium, Concórdia, Pádua tiveram igual sorte. Entranhando-se então no país, Átila devastou Vicência, Verona, Pérgamo. Pávia e Milão salvaram-se do incêndio submetendo-se e entregando todas as riquezas que possuíam os habitantes.
“Toda a Itália, espantada e desalentada com a notícia destes repetidos desastres, estava no auge da confusão, sem governo, sem exército e quase despovoada. Só Aétius se conservava firme; mas os aliados que o haviam socorrido do outro lado dos Alpes viam com indiferença a fúria dos hunos dilacerar a Itália. O império do Oriente contentava-se com prometer socorro; dispondo, portanto, de pouquíssimas forças, o general romano apenas podia picar os flancos do exército de Átila. O próprio Valentinianus descansava pouco na fidelidade hesitante de Aétius.
“Neste estado de coisas, o Papa Leão, e Avienus, varão consular, resolveram apresentar-se súplices a Átila e interceder, em nome da religião e das antigas tradições, pela salvação de Roma. Encontraram o terrível guerreiro perto de Peschiera; foram bem recebidos e pediram-lhe que se retirasse, prometendo-lhe enormes riquezas a título de dote de Honória”.2)
EXTINGUE-SE O BRILHO DA GRANDE ESTRÊLA
“O famoso conquistador, que parece um gigante porque lhe serve de pedestal um montão de ruínas, e perante o qual tremia o mundo desde o Báltico até ao Atlas e ao Tigre, pôs-se novamente em marcha para a sua cidade de madeira. No caminho teve a fantasia de juntar a tantas mulheres, que lhe haviam dado inúmeros filhos, a jovem e formosa Ildegunda; a alegria desta união ou os excessos do tálamo foram-lhe fatais.
O seu cadáver esteve exposto no campo entre duas filas de tendas de seda. Os hunos cortaram os cabelos, golpearam o rosto e solenizaram as exéquias derramando sangue humano. Em volta do catafalco cantavam, com olhares torvos: ‘Este é Átila, rei dos hunos, filho de Munzak, senhor de mui valorosas nações, o qual, com um poder inaudito, possuiu a Scytia e a Germânia, apavorou os dois impérios de Roma, a tal ponto que para lhe não entregarem todas as riquezas, depois de o terem aplacado com súplicas, lhe pagaram um tributo anual.
E depois de ter dirigido tão gloriosamente todas estas empresas, é que ele morreu, não de ferida aberta por um inimigo, não por traição dos seus, mas sem dor, no meio da alegria’. Os seus restos mortais, fechados em três caixões, um de ouro, outro de prata, outro de ferro, foram sepultados de noite com a mais preciosa preza feita aos romanos e os cadáveres dos escravos que tinham aberto a cova; em volta da sepultura, os nobres celebraram os funerais com banquetes intemperantes”.1)
O CUMPRIMENTO DA PROFECIA
Átila cumpriu com fidelidade extrema cada sentença da profecia que lhe diz respeito. Foi ele a “estrela” semelhante a uma “tocha” que incendeia e a um “absinto” que causa amargura. “A tradição popular que se formou no decorrer dos tempos, concentrou em Átila todos os horrores que caíram sobre a Europa com a invasão dos bárbaros; a imaginação dos povos ignorantes personificou a figura de Átila como o verdadeiro flagelo de Deus.
Estes exageros foram em grande parte devidos à rapidez, semelhante à de um meteoro, com que a invasão de Átila, a mais importante de todo o largo período das irrupções bárbaras, passou pela cena do mundo, e porque foram mais consideráveis as destruições por ela provocadas”.2)
Se não fora o teor da profecia, parecer-nos-ia incrível que o poder de Átila desaparecesse tão rapidamente como o brilho de um meteoro que se extingue num instante após a sua queda. Gibbons diz-nos que “toda a largura da Europa, que se estende por mais de oitocentos quilômetros, desde o Euxino ao Adriático, foi invadida de uma vez, ocupada e assolada pelos miríades de bárbaros que Átila levou ao campo”.
1) Daí a aparição de Átila, tão bem como sua imediata desaparição, ser um mistério quase impenetrável, parecendo, pela apresentação da profecia, que seu advento, como guerreiro flagelador, foi providencial e que, ao ter cumprido sua missão como vingador dos povos sob Roma, devesse desaparecer como um efêmero meteoro que perde rápido o seu resplandor.
Todavia, à morte de Átila, “o mundo respirou como se houvesse desaparecido um astro que inspirasse receios. Podia dizer-se: Há também cometas no horizonte político das nações”.2) À sua morte esfacelou-se o seu império, invadido por diversíssimas nações, e por fim a raça dos hunos confundiu-se com outros povos, desaparecendo.
A QUARTA TROMBETA
VERSO 12 — “E o quarto anjo tocou a sua trombeta, e foi ferida a terça parte do sol, e a terça parte da lua, e a terça parte das estrelas; para que a terça parte deles se escurecesse, e a terça parte do dia não brilhasse, e semelhantemente a noite”.
O OCIDENTE ROMANO EM DESESPERADA AGONIA
Os toques das três primeiras trombetas sob Alarico, Genserico e Átila sacudiram o império romano ocidental desde os seus alicerces. O implacável poder que por séculos sujeitou as nações em suas garras de ferro, estava a ponto de sucumbir. O trono romano europeu tornou-se por fim insustentável.
No espaço de vinte anos, desde a morte de Valentiniano (16 de março de 455), nove imperadores haviam desaparecido sucessivamente. A antiga glória e poderio de Roma sumira-se como que por encanto, e o cetro invencível dos Césares de outrora retrocede vencido frente às enfurecidas hordas barbáricas invasoras. Faltava apenas um sopro para converter em ruínas o edifício cambaleante da arrogância e da tirania.
As invasões dos bárbaros privaram Roma de uma após outra de suas ricas províncias. A África, o celeiro da velha capital, foi ocupada pelos vândalos; Espanha, Gálias, Panônia, Bretanha e Ilíria foram violentamente arrebatadas. Enfim, todo o ocidente foi infestado de povos de raças mui diversas que lutavam desesperadamente pela melhor região onde sobreviver.
Suas inúmeras legiões dantes invencíveis e formadas de patriotas foram aniquiladas e prostradas pela derrota. O diminuto exército que ainda lhe restava, era constituído na maioria por mercenários das próprias tribos invasoras que não manifestavam qualquer interesse em manter uma causa para a qual não despertavam sentimentos patrióticos.
Tudo quanto restava do antigo e poderoso império, estava concentrado, no que respeita ao Ocidente, exclusivamente na Itália, como uma tênue sombra do que fora o potente poder dos antigos Césares vitoriosos. Em Roma jazia ainda um imperador fantoche e sem prestígio algum diante do poder barbárico arrogante e ameaçador. Que restava mais, se não o golpe de misericórdia no cadáver agonizante do império do Ocidente?
A TÊRÇA PARTE DO SOL, DA LUA E DAS ESTRÊLAS DO IMPÉRIO
A propósito da figura apresentada nesta profecia, alusiva ao sol, à lua e às estrelas, encontra-se uma outra no Velho Testamento referente aos mesmos astros, que abre caminho para entendermos o que em Roma era emblema do sol, da lua e das estrelas, cuja terça parte perderia a sua luz.
Trata-se dum sonho inspirado de José, filho do velho patriarca Jacó. Como José mesmo relatou seu sonho, aqui o temos: “Eis que ainda sonhei um sonho; e eis que o sol, e a lua, e onze estrelas se inclinavam a mim”.
1) E notemos como entendeu o sonho seu pai: “E contando-o a seu pai e a seus irmãos, repreendeu-o seu pai, e disse: Que sonho é este que sonhaste? Porventura viremos, eu e tua mãe, e teus irmãos, a inclinar-nos perante ti em terra?”.
2) Assim, no sonho de José, o sol representava o pai, a lua sua mãe e as estrelas seus irmãos. Deste modo havia no lar de José sol, lua e estrelas a brilhar no firmamento da família. Para nós este sonho é tão interessante quão maravilhoso, tendo tido o seu fiel cumprimento.
O mesmo que na casa de José, dava-se quanto ao governo romano. Nele havia um sol, que era a pessoa do imperador; havia também nele uma lua, ou a insígnia imediatamente inferior, que era o consulado; e ainda havia estrelas que designavam as insígnias inferiores à lua do consulado, que eram as senatoriais. Em outras palavras, o trono, o consulado e o Senado, eram o sol, a lua e as estrelas do governo imperial romano. Como era na casa de José assim era no firmamento do domínio mundial de Roma.
Que Roma era considerada um grande luminar nos dias de sua supremacia mundial, confirma Jerônimo ao expressar a consternação do Oriente pelo saque da capital do império assaltada pelos visigodos de Alarico, em 410. Assim expressou-se Jerônimo: “Quando a brilhante luz de todo o mundo foi apagada, ou, antes, quando o Império Romano foi decapitado, e, para falar mais corretamente, o mundo todo pereceu numa cidade, eu fiquei mudo e humilhei-me a mim mesmo”.3) Disse ainda mais Jerônimo: “Clarissimum Terrarum Lumem extinctum est” (o glorioso sol do mundo extinguiu-se).
4) Entretanto, como reza a previsão do profeta, todos os luminares imperiais — sol, lua e estrelas — ou, melhor dito, todo o poder de Roma, iria apagar-se ou ser extinto em sua terça parte pelos efeitos do toque da quarta trombeta. Aliás, o império do Ocidente era a terça parte que iria sucumbir para sempre.
O GOLPE DE MISERICÓRDIA NO IMPÉRIO OCIDENTAL
Alarico, Genserico e Átila desferiram tremendos golpes na estrutura de Roma Ocidental e deixaram-na cambaleante em seus fundamentos. Agora, pela quarta trombeta, constatamos que a Providência escolheu outro homem para vibrar o golpe de misericórdia no gigante moribundo. E quem foi esse homem, veremos a seguir.
Odoacro, grande vulto das hostes de Átila, reuniu sob seu comando, à morte deste, os remanescentes de sua tribo hérula e outros germanos, e empenhou-se em correrias de rapinas nas províncias romanas especialmente na Nórica, entrando depois para o exército romano, sendo chamado em cerca de 472 para o exército da Itália.
Ao chegar Odoacro à Itália, com os de sua raça, o exército romano era ali quase que completamente composto de mercenários bárbaros das tribos invasoras. Todos estes mercenários que com suas famílias e utensílios domésticos afluíram em massa às legiões do exército imperial, e se haviam acostumado à vida sedentária e vantajosa num país como a Itália, temiam a possibilidade de verem-se obrigados a abandonar a península. Nasceu-lhes então o desejo de permanecerem no país como donos, a exemplo doutras tribos noutras províncias.
Quando Orestes, depois de destronar Nepos, tornou-se senhor da Itália e fez com que seu jovem filho, Rômulo, fosse proclamado imperador, não ficaram com isto satisfeitos os bárbaros do exército, e reclamaram um terço das terras da Itália para estabelecerem-se como proprietários e não serem considerados inferiores às outras tribos acantonadas nas províncias. Tendo, porém, Orestes se negado às suas pretensões, levantou- se Odoacro, que tinha uma das praças da guarda imperial, e propôs-lhes satisfazer as aspirações uma vez que o reconhecessem por chefe.
E, reconhecido que foi pelos sublevados, levou-os Odoacro ao território de Veneza, onde se reforçou com novos contingentes rúgios, hérulos e outros bárbaros que chamou a si. Imediatamente, dirigiu-se contra as tropas que permaneciam fiéis a Orestes, e, antes de atacá-las, foi proclamado rei por seus guerreiros, a 23 de agosto de 476. Orestes encerrou-se em Pávia, sendo a cidade capturada e incendiada por Odoacro a 27 do mesmo mês.
Tendo Orestes fugido a Piacenza, foi alcançado no dia seguinte e decapitado em presença dos amotinados. Dali marchou Odoacro com seu exército a Ravena, em cujas imediações, a 4 de setembro, apresentou-lhe batalha Paulo, irmão de Orestes, com as tropas fiéis ao imperador. Paulo foi morto e suas forças derrotadas. Já não restava agora mais poder bélico para defender as insígnias imperiais no Ocidente.
ESCURECE A TÊRÇA PARTE DO SOL
“O último imperador do Ocidente, o jovem Rômulo Augusto, que por sinal tinha o nome do fundador de Roma, cônscio de que o debacle das remanescentes legiões do império por Odoacro lhe tirara toda a esperança de sustentar-se no trono, vira-se na contingência de abdicar, antes de ser afastado da dignidade imperial pelo bárbaro vitorioso.
O infeliz Augusto foi o instrumento de sua própria queda: ele participou ao senado sua resignação; e esta assembléia, em seu derradeiro ato de obediência a um príncipe romano, afetou ainda o espírito de liberdade, e as formas da constituição. Por decisão unânime, foi dirigida uma carta ao imperador Zenon, genro e sucessor de Leão, o qual fora últimamente restaurado, após breve rebelião, ao trono bizantino.
Eles negaram solenemente a necessidade, bem como o desejo de continuar por mais tempo com a sucessão imperial na Itália; daí, em sua opinião, a majestade de um único monarca era suficiente para providenciar e proteger, ao mesmo tempo, tanto no Oriente, como no Ocidente. Em seu próprio nome, e no do povo, consentiram em que a sede do império universal fosse transferida dc Roma para Constantinopla, e renunciaram vilmente ao direito de escolher seu chefe, único vestígio que restava ainda da autoridade que dera leis ao mundo.
A república (eles repetiam esse nome sem corar) poderia, com segurança, confiar na competência civil e militar de Odoacro; e pediram humildemente que o imperador o investisse do título de patrício, e da administração da diocese da Itália”.
1) Tendo deixado a púrpura pela força das circunstâncias, Rômulo Augusto retira-se para uma linda vivenda, próxima de Nápoles, onde podia desfrutar tranqüilamente “uma pensão anual de 6.000 moedas de ouro”, favor que lhe concedeu o vencedor.
A queda do império do Ocidente, no ano 476, sob a espada de Odoacro, deu por encerrada a história do que foi o cruel império de ferro. Estava dado o misericordioso golpe no cadáver que durante anos agonizava. Roma perdeu a glória que desfrutou por mais de doze séculos, de 753 A.C. a 476 A.D., de ser a metrópole do mundo.
CUMPRIMENTO DA PROFECIA
Estava ferida a terça parte do sol imperial para jamais tornar a brilhar e cumprida a profecia inspirada. E, agora, uma vez extinto o sol do império no Ocidente, com a queda da dignidade imperial, as instituições — o Consulado e o Senado ou a lua e as estrelas — que dependiam de sua luz para poderem brilhar ali, também se extinguiram para que, como vaticinara o profeta, se fizesse noite completa no Ocidente romano. Esta profecia demonstra que a queda de Roma Ocidental seria definitiva, e que o império do Oriente jamais restauraria a autoridade da metrópole destronada e dos romanos no continente europeu.
Gregório I, papa de 590-604, exclamou pasmado da extinção da antiga glória de Roma: “Onde está o Senado? Onde está o povo?... Toda a glória de dignidade terrena expirou da cidade”.1) Findou afinal a considerada inextinguível glória romana ocidental. Um eterno dia escuro e uma eterna noite sem luminares, sobrevieram no continente europeu para o cetro romano imperial. A profecia da inspiração foi inteiramente cumprida, protestando-nos de que há segurança em nela confiarmos.
A queda total da supremacia de Roma no Ocidente, determinada pelos sucessos das quatro primeiras trombetas, ocasionou uma completa nova ordem de coisas na Europa ou no Ocidente. Surgiram novas formas de governo, novos países, novos líderes políticos, novas leis, novas línguas novas costumes e novos ornamentos. Foi, por assim dizer, fundado um novo continente que constituiu a Europa Moderna de nossos dias.
UMA SOLENE ADVERTÊNCIA
VERSO 13 — “E olhei, e ouvi um anjo voar pelo meio do céu, dizendo com grande voz: Ai! ai! dos que habitam sobre a terra! por causa das outras vozes das trombetas dos três anjos que hão de ainda tocar”.
Um novo anjo aparece para introduzir o seguinte grupo de trombetas. Sua grande voz expressa a solenidade de sua advertência aos habitantes da terra. Por duros que houvessem sido os quatro primeiros toques das trombetas que sepultaram o império romano do Ocidente, não deixa dúvidas a advertência angélica dos horrores que sobreviriam ao soarem os três últimos anjos as suas trombetas.
Acontecimentos ainda de consequências mais terríveis e maior alcance tomariam lugar. A quinta e a sexta trombetas, como veremos, daria cabo ao império romano do Oriente, e a sétima ao império mundial dos reinos da força. Tão tremendos seriam tais acontecimentos, que são pelo mensageiro celeste apresentados em forma de “ais!” O primeiro “ai” pertence à quinta trombeta, o segundo à sexta e o terceiro à sétima.