Em todos os séculos da história teve Deus os Seus verdadeiros representantes entre os homens. Em nome do Todo-Poderoso conservaram eles bem alto o estandarte da sã verdade e testificaram, corajosamente, do direito divino. Alguns destes baluartes da justiça destacaram-se mais do que outros, em face da época em que foram despertados por Deus para desempenharem uma função saliente.
Nos relatórios que dizem respeito à aurora do mundo lemos especialmente de Enoque, contemporâneo de Adão, a erguer a sua voz em clamor contra a impiedade e a anunciar o juízo vindouro sobre toda a má obra.
Mais tarde levanta-se Noé, outro destemido embaixador de Deus, “pregoeiro da justiça”, anunciando uma mensagem decisiva contra a crescente onda da maldade humana, precursora dum dilúvio de águas. Abraão, o “amigo de Deus”, é o vulto mais proeminente da escala das testemunhas de Deus, depois do dilúvio até Cristo.
Seus imediatos descendentes, Isaac e Jacó, seguiram-no destemidamente, fazendo refulgir com firmeza a divina luz da justiça celestial diante duma civilização desequilibrada. José, no Egito, e Daniel, em Babilônia, foram outros brilhantes porta-estandartes da verdade de Deus.
A história do Velho Testamento está repleta de outros dignos mensageiros do Altíssimo, que, com denodado zelo e rara devoção, desempenharam o papel que lhes coube no divino plano de Deus.
Também a história do Novo Testamento está ornada de eminentes homens, embora humildes e simples, que, como os da antiga dispensação, levantaram destemerosamente a voz para testemunhar do Criador e de Seu Filho Jesus Cristo. Tão eloquente foi o testemunho que deram, que por ele preferiram antes morrer que alterá-lo.
JOÃO, O AMADO DISCÍPULO
Um dos mais notáveis e destacados luminares que brilharam na era apostólica em exaltação de Deus e do Salvador, foi S. João, o cognominado — discípulo amado.1) Seu pai era humilde pescador do mar da Galileia; e, sua mãe Salomé, parece ter sido íntima de Maria, mãe de Jesus.
João foi um dos primeiros apóstolos a serem atraídos pelo humilde Nazareno.2) “Sobre todos os seus companheiros, João, o discípulo amado, rendeu-se à influência daquela vida maravilhosa”.3)
“A devoção abnegada e o amor confiado manifestados na vida e no caráter de João, apresentam lições de incalculável valor para a igreja cristã. João não possuía por natureza a beleza de caráter que revelou em sua experiência posterior.
Tinha defeitos graves. Não somente era orgulhoso, pretensioso e ambicioso de honra, senão também impetuoso, ressentindo- se pela injustiça. Ele e seu irmão foram chamados ‘filhos do trovão’. Mau gênio, desejo de vingança, espírito de crítica, tudo se encontrava no discípulo amado.
Porém, sob tudo isso o Mestre divino discernia um coração ardente, sincero e amante. Jesus repreendeu seu egoísmo, frustrou suas ambições, provou sua fé, e revelou-lhe aquilo pelo qual sua alma suspirava, a formosura da santidade, o poder transformador do amor”.1) “Ao afeto do Salvador correspondeu o amado discípulo com toda a força de uma ardente devoção. João se apoiou em Cristo como a videira se sustém sobre uma majestosa coluna”.2)
“À profundeza e fervor do afeto de João para com seu Mestre não era a causa do amor de Cristo para com ele, senão o efeito desse amor. João desejava chegar a ser semelhante a Jesus, e sob a influência transformadora do amor de Cristo, chegou a ser manso e humilde.
O seu eu estava escondido em Jesus. Sobre todos os seus companheiros, João se entregou ao poder dessa maravilhosa vida. Disse: ‘A vida foi manifestada, e nós a vimos’:3) ‘E todos nós recebemos também da sua plenitude, e graça por graça’.4) João conheceu ao Salvador por experiência própria. As lições de seu Mestre se gravaram sobre sua alma. Quando ele testemunhava da graça do Salvador, sua linguagem simples era eloquente pelo amor que transbordava seu ser.
“Devido a seu profundo amor para com Cristo, João desejava estar sempre próximo dele. O Salvador amava aos doze, porém o espírito de João era o mais receptivo. Era mais jovem que os demais e com maior confiança infantil, abriu o coração a Jesus. Assim chegou a simpatizar mais com Cristo, e mediante ele, as mais profundas lições espirituais de Cristo foram comunicadas ao povo.
“Jesus ama aqueles que representam o Pai, e João pôde falar do amor do Pai como nenhum outro dos discípulos. Revelou a seus semelhantes o que sentia em sua própria alma, representando em seu caráter os atributos de Deus. A glória do Senhor se expressava em seu semblante.
A beleza da santidade que o havia transformado brilhava em seu rosto com resplendor semelhante ao de Cristo. Em sua adoração e amor contemplava a Jesus até que a semelhança de Cristo e a companhia com Ele chegaram a ser seu único desejo, e em seu caráter refletiu o caráter de seu Mestre”.5)
Assim João, pela contemplação diária de seu Senhor, foi inteiramente transformado e preparado para a sua obra futura. Jamais se afastava de Jesus. Ele, seu irmão Tiago e Pedro eram "os mais íntimos companheiros de Cristo”. Com estes dois foi escolhido pelo Senhor para testemunhar a ressurreição da filha de Jairo1), a transfiguração no monte2) e a aflição do Salvador no Getsêmane.3)
A evidência de sua mudança total de vida e de seu incondicional amor ao seu Mestre, deparamos, não só em sua vida futura, mas ao reclinar-se no peito de Jesus, na ocasião da ceia.4)
Neste incidente vemos que João foi o discípulo que mais perto de Jesus esteve e o que mais sentiu esse divino amor, razão por que regara seus escritos desse santo amor. Transformado, nunca mais pensou João em posições de honras mundanas;5) jamais pensou em fazer descer fogo do céu sobre quem quer que fosse.6)
JOÃO NÃO ABANDONA JESUS
Nos momentos mais graves da vida de Jesus — da casa de Caifás ao Calvário — João não abandonou a Jesus.
“Os sacerdotes reconheceram João como discípulo de Jesus, e deram-lhe entrada na sala, esperando que, ao testemunhar a humilhação de seu guia, o desprezasse. João falou em favor de Pedro, conseguindo entrada para ele também.
“O discípulo João, entrando na sala do julgamento, não buscou ocultar ser seguidor de Jesus. Não se misturou com o rude grupo que injuriava o Mestre. Não foi interrogado; pois não assumiu um falso caráter, tornando-se assim objeto de suspeita. Procurou um canto retirado, ao abrigo dos olhares da multidão, mas o mais próximo possível de Jesus. Ali podia ver e ouvir tudo que ocorresse no julgamento de seu Senhor”.7)
No Calvário, “enquanto o olhar de Jesus vagueava pela multidão que O cercava, uma figura lhe prendeu a atenção. Ao pé da cruz se achava sua mãe, apoiada pelo discípulo amado. Ela não podia suportar permanecer longe de seu filho; e João, sabendo que o fim se aproximava, trouxe-a para perto da cruz.
Na hora de Sua morte, Cristo lembrou-Se de Sua Mãe. Olhando-lhe o rosto abatido pela dor, disse, dirigindo-Se a ela: ‘Mulher, eis aí o teu filho’; e depois, a João: ‘Eis aí tua mãe’. João entendeu as Palavras de Cristo, e aceitou o encargo. Levou imediatamente Maria para sua casa, e daquela hora em diante dela cuidou ternamente.
O’ piedoso, amorável Salvador! por entre toda a sua dor física e mental angústia, teve solícito cuidado por Sua mãe! Não possuía dinheiro com que lhe provesse o conforto; achava-Se, porém, entronizado na alma de João, e entregou-lhe sua mãe como precioso legado.
Assim providenciou para ela aquilo de que mais necessitava — a terna simpatia de alguém que a amava, porque ela amava a Jesus. E, acolhendo-a como santo legado, estava João recebendo grande bênção. Ela lhe era uma contínua recordação de seu querido Mestre”.8)
JOÃO COMO PREGADOR
Depois da ascensão de Cristo, João se apresenta como um fiel e fervoroso obreiro do Mestre. Juntamente com os outros discípulos desfrutou do derramamento do Espírito Santo no dia de Pentecostes, e com renovado zelo e poder continuou falando ao povo as palavras da vida, procurando levar seus pensamentos para o Invisível.
Era um pregador poderoso, fervente e profundamente solícito. Com uma bela linguagem e uma voz musical, relatava as palavras e as obras de Cristo; falava de uma forma que impressionava os corações daqueles que o escutavam. A simplicidade de suas palavras, o poder sublime da verdade que enunciava, e o fervor que caracterizava seus ensinos, davam-lhe acesso a todas as classes sociais.
“A vida do apóstolo estava em harmonia com seus ensinos. O amor de Cristo que ardia em seu coração, o induziu a realizar uma fervorosa e incansável obra em favor de seus semelhantes, especialmente dos seus irmãos na igreja cristã”.
“À medida que transcorriam os anos e o número de crentes crescia, João trabalhava com maior fidelidade e fervor em prol de seus irmãos. Os tempos eram perigosos para a igreja. Por todas as partes existiam erros satânicos.
Por meio da falsidade e do engano os emissários de Satanás intentavam levantar oposição contra as doutrinas de Cristo; como consequência as dissensões e heresias punham em perigo a igreja. Alguns que criam em Cristo diziam que seu amor os livrava de obedecer à lei de Deus.
Muitos outros criam que era necessário observar os costumes e cerimônias judias; que uma simples observância da lei, sem necessidade de ter fé no sangue de Cristo, era suficiente para a salvação. Alguns sustinham que Cristo era um bom homem, porém negavam sua divindade.
Outros que pretendiam ser fiéis à causa de Deus eram enganadores, negavam, na prática, a Cristo e Seu evangelho. Vivendo em transgressão, introduziam heresias na igreja. Por isso muitos eram levados aos labirintos do ceticismo e ao engano.
“João enchia-se de tristeza ao ver penetrar na igreja esses erros venenosos. Via os perigos aos quais ela estava exposta e enfrentava a situação com presteza e ousadia. As epístolas de João respiram o espírito de amor. Parece como se as houvesse escrito com a pena molhada no amor.
Quando, porém, se encontrava com os que estavam transgredindo a lei de Deus, mesmo que clamassem que estavam vivendo sem pecado, não vacilava em admoestá-los acerca de seu terrível engano”.
“João era um mestre de santidade, e em suas cartas à igreja assinalou regras infalíveis para a conduta do cristão. ‘E qualquer que nele tem esta esperança — escreveu — purifica-se a si mesmo, como também Ele é puro’. ‘Aquele que diz que está nele, também deve andar como Ele andou’.1) Ensinou que o cristão deve ser puro de coração e de vida. Nunca deve estar satisfeito com uma profissão vã. Assim como Deus é santo em Sua esfera, o homem caído, por meio da fé em Cristo deve ser santo na sua”.2)
Como escritor sacro, nenhum outro apóstolo igualou João. Escreveu o evangelho que relata a vida de Jesus, três epístolas e a Revelação do Apocalipse. Seus escritos estão permeados, abundantemente, do amor de Deus e de seu Mestre, tendentes a levarem os cristãos a viverem na atmosfera divina e celestial.
Para dizermos tudo de João, como crente e como ministro do evangelho de Cristo, basta-nos referirmos ao seguinte testemunho de Paulo sobre ele: “E conhecendo Tiago, Cefas e João, que eram considerados como as colunas,”3) Vemos que João não era um cristão vacilante e um pregador indolente, mas, com os outros citados pelo apóstolo — um baluarte inabalável na igreja e no ministério evangélico.
JOÃO É PERSEGUIDO
“Mais de meio século havia passado desde a organização da igreja cristã. Durante esse tempo se havia manifestado uma oposição constante à mensagem evangélica. Seus inimigos não haviam recuado em seus esforços, e finalmente lograram a cooperação do imperador romano em sua luta contra os cristãos.
“Durante a terrível perseguição que se seguiu, o apóstolo João fez muito para confirmar e fortalecer a fé dos crentes. Deu um testemunho que seus adversários não puderam contradizer, e que ajudou a seus irmãos a enfrentar com valor e lealdade as provas que lhes sobrevieram.
Quando a fé dos cristãos parecia vacilar ante a terrível oposição que deviam suportar, o ancião e provado servo de Jesus lhes repetia com poder e eloquência a história do Salvador crucificado e ressuscitado.
Susteve firmemente sua fé, e de seus lábios brotou sempre a mesma mensagem alentadora: ‘O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que temos contemplado, e as nossas mãos tocaram da palavra da vida... O que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos’.4)
“João viveu até ser muito ancião. Foi testemunha da destruição de Jerusalém e da ruína do majestoso templo. Como último sobrevivente dos discípulos que estiveram intimamente relacionados com o Salvador, sua mensagem tinha grande influência quando revelava que Jesus era o Messias, o Redentor do mundo. Ninguém podia duvidar de sua sinceridade, e mediante seus ensinos muitos foram induzidos a sair da incredulidade.
“Os governantes judeus estavam cheios de amargo ódio contra João por sua imutável fidelidade à causa de Cristo. Declararam que seus esforços contra os cristãos não teriam nenhum resultado enquanto o testemunho de João repercutisse nos ouvidos do povo. Para conseguir que os milagres e ensinos de Jesus fossem esquecidos, urgia que silenciasse a voz da valente testemunha.
“Com este fim, João foi chamado a Roma para ser julgado por sua fé. Ali, diante das autoridades, as doutrinas do apóstolo foram expostas erroneamente. Testemunhas falsas o acusaram de ensinar heresias sediciosas, com a esperança de conseguir a morte do discípulo.
“João se defendeu de uma maneira clara e convincente, e com tal simplicidade e candor que suas palavras tiveram um efeito poderoso. Seus ouvintes ficaram atônitos ante sua sabedoria e eloquência. Quanto mais convincente, porém, era seu testemunho, tanto maior era o ódio de seus opositores.
O imperador Domiciano estava cheio de ira. Não podia refutar o raciocínio do fiel advogado de Cristo, nem competir com o poder que acompanhava sua exposição da verdade; porém propôs-se fazer calar a sua voz.
“João foi lançado numa caldeira de azeite fervente; porém o Senhor preservou a vida de seu fiel servo, assim como protegeu aos três hebreus no forno de fogo. Enquanto se pronunciavam as palavras: ‘Assim pereçam todos os que creem nesse enganador, Jesus Cristo de Nazaré’, João declarou: Meu mestre se submeteu pacientemente a tudo o que fizeram Satanás e seus anjos para humilhá-Lo e torturá-Lo.
Deu Sua vida para salvar o mundo. Sinto-me honrado por sofrer por Sua causa. Sou um homem débil e pecador. Somente Cristo foi santo, inocente e imaculado. Não cometeu pecado, nem foi achado engano em Sua boca”.
“Estas palavras tiveram sua influência, e João foi retirado da caldeira pelos mesmos homens que o haviam lançado nela.
“Novamente a mão da perseguição caiu pesadamente sobre o apóstolo. Por decreto do imperador, foi desterrado à ilha de Patmos, condenado ‘pela palavra de Deus e o testemunho de Jesus-Cristo’.1) Seus inimigos pensaram que ali não se faria sentir mais sua influência, e que finalmente morreria de penúrias e angústia.
“Patmos, uma ilha árida e rochosa do mar Egeu, havia sido escolhida pelas autoridades romanas para receber os criminosos desterrados; porém para o servo de Deus essa lôbrega residência chegou a ser a porta do céu. Ali, longe das buliçosas atividades da vida, e do intenso labor de anos anteriores, disfrutou da companhia de Deus, de Cristo e dos anjos do céu, e deles recebeu instruções para guiar a igreja do futuro.
Foram-lhe esboçados os acontecimentos que se verificariam nas últimas cenas da história do mundo; e ali escreveu as visões que recebeu de Deus. Quando sua voz não pudesse testemunhar mais daquele a Quem amou e serviu, as mensagens que se lhe deram naquela costa estéril iam iluminar como uma lâmpada acesa, anunciando o seguro propósito do Senhor acerca de cada nação da terra.
“Entre os penhascos e rochas de Patmos, João manteve comunhão com seu Criador. Repassou sua vida passada, e, ao pensar nas bênçãos que havia recebido, a paz encheu seu coração. Havia vivido a vida de um cristão, e pôde dizer com fé: ‘Nós sabemos que passamos da morte para a vida’.1) Não assim como o imperador que o havia desterrado. Este podia olhar atrás e ver unicamente campos ir batalha e matança, lares desolados, viúvas e órfãos chorando: o fruto de seu ambicioso desejo de preeminência”.2)
“A história de João nos proporciona notável ilustração de como Deus pôde usar aos obreiros de idade. Quando foi exilado para a ilha de Patmos, houve muitos que o consideravam incapaz de continuar no serviço, e como uma cana velha e quebrada, propensa a cair em qualquer momento.
O Senhor, porém, julgou conveniente usá-lo. Ainda que afastado das cenas de seu trabalho anterior, não deixou de ser uma testemunha da verdade. Mesmo em Patmos fez amigos e conversos. Sua mensagem era de gozo, pois proclamava um Salvador ressuscitado que desde o alto estava intercedendo por Seu povo até que regressasse para levá-lo consigo.
Já bastante idoso no serviço de Seu Senhor, João recebeu muitas comunicações do céu além das que havia recebido durante os primeiros anos de sua vida”.3)
João havia sido banido para a ilha de Patmos no ano 94 A.D. À morte de Domiciano, por assassínio, dois anos depois, Nerva subiu ao trono romano e, como sucede usualmente, os presos políticos gozaram de anistia.
Nestas circunstâncias João foi liberto e retornou a Éfeso onde escreveu o seu evangelho no ano 97. Em Éfeso findou sua vida com cerca de 100 anos de idade, sendo a última e única das testemunhas pessoais de Jesus que teve morte natural.