5 UMA PODEROSA LIÇÃO DE LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA - Dan 3 (Araceli)

Profecias de daniel de Araceli Melo


O presente capítulo encerra uma dramática história. Diríamos — uma grave crise oriunda da obstinação do rei Nabucodonosor, que, tal como a descrita no capítulo anterior, pôs em cheque a vida dos representantes de Deus em Babilônia.


Nabucodonosor, o altivo monarca caldeu e rei de toda a terra, estava sempre pronto a promover a exaltação do seu reino e de si em particular através dele. Em seu orgulho e exaltação, nada realizava senão para elevar-se e engrandecer-se diante do mundo sobre o qual reinava e dar a entender às nações a invencibilidade de seu poder e a superioridade dos caldeus sobre os demais povos da terra. 


Esta foi a infeliz razão por que muitos — além deste soberano — reinaram e governaram na antiguidade; porque ambicionaram e se esforçaram ao sumo por galgarem o trono e se sobreporem às massas. Faziam questão de estar acima de todos; de exercer supremacia e domínio sobre todos; de receberem inauditos aplausos de todos; de serem seguidos por numerosas multidões e nações cegadas pela sêde de glória e de fama que os dominava e os intoxicava. 


Cativados por  falsas ideologias, por falsas grandezas, por falso poder de um só indivíduo absurdamente altivo e que arrogava até honras de divindade, massas humanas o adoravam de boa mente como um semi-deus ou representante dos deuses na terra, e se dispunham em dar a própria vida para conservarem-no em sua exaltada posição de supremo soberano e supremo líder.


Aquilo que será a nossa consideração neste terceiro capítulo, é evidência deste desnaturado espírito que dominou também grandemente o rei Nabucodonosor, que o infelicitou e o pôs em maus lençóis com o Deus do céu a quem somente pertence de direito toda a honra, glória e poder na Terra e no Céu.


Esta orgulhosa jactância de superioridade racial e pessoal e com ela o direito de mando e coação sobre todos os considerados inferiores, levou os monarcas do passado a arrogarem até mesmo o domínio sobre as consciências de seus súditos. 


Este mal, — máximo mal e atrevido mal — fora a culminante expressão da arrogância a que chegaram aquêles antigos potentados do poder terreno. A morte era o resultado certo e imediato de todos os que se arriscassem a dizer “não”, em matéria de consciência, àqueles tirânicos senhores do mundo de então.


O rei Nabucodonosor foi talvez o que no passado mais que todos os outros monarcas julgou-se dono das consciências de seus súditos. Sua audácia em assim proceder, o arrastava a atitudes e medidas absurdas, a extremas violências, à ira sem limites como um desvairado, ao ponto de fulminar os recalcitrantes. 


Porém, a história que agora iremos considerar neste novo capítulo, trata duma corajosa  e intrépida oposição e recusa — firmes e abertas — às suas pretensões de senhorio sobre as consciências alheias de seus concidadãos por ele governados. Um trio de valorosos jovens o enfrentou com decisão e categoria neste malsão direito pretendido. Em nenhum caso entregariam eles as suas consciências para que delas fizesse aquele rei um joguete como bem lhe parecesse a serviço de seus desqualificados caprichos e de sua desmedida exaltação.


O vidente e eloquente “não” daqueles três jovens hebreus adoradores de Jeová, exasperou terrivelmente o rei Nabucodonosor, que foi levado incontinentemente à vingança fatal, julgando-se desautorado e desacatado publicamente, e ainda por cativos submetidos da Judeia, que eram aquêles moços. Todavia, a execução não tomou lugar ainda que fora levada a cabo. 


Um poder infinitamente mais alto do que o de Nabucodonosor, que, embora criasse a consciência e a legasse ao homem como um de seus maiores patrimônios ou faculdades, e que não obstante não forçou direito algum sobre ela — ainda que seu Criador, senão que deixou ao homem a liberdade de exercê-la segundo bem lhe aprouvesse, intervíu para sustar a absurda e injusta execução de Seus embaixadores naquela corte do mundo, e demonstrar ao rei de Babilônia a sua nula tutela sobre as consciências de outrem, que não teve o poder e a sabedoria de criá-las.

 

Esta triste história do paganismo de outrora repetiu-se profusamente em toda a era cristã e mesmo em nosso pujante século da ciência. Sempre houve e ainda há pretensos semi-deuses que se alvoram em donos das consciências de seus iguais. Este descalabro se verifica principalmente nos setores da política e da religião — mormente neste último. 


É em virtude deste falso conceito de supremacia sobre as consciências das massas cívicas e religiosas, que as nações são jogadas constantemente no caos e as religiões jazem em permanente confusão.


Surgem indivíduos aqui e ali no mundo — no meio político e eclesiástico — pretendendo serem grandes coisas, uns predestinados — impondo ideologias vãs, opressivas, daninhas à civilização, e lançando mãos de falsos discursos, da força e da violência, para inflamar, impor e coagir as massas e nações a se submeterem a idéias e pretensões. Julgam-se eles, como os déspotas de outrora, donos das consciências humanas. 


E este hediondo mal é mais acentuado em questões de religião em que incontáveis eclesiásticos arrogam a posse das consciências livres de seus chamados fiéis, e ameaçam com fogo, perseguições e anátemas a todos quantos se opõem a esta tão vil pretensão. A usurpação deste sagrado direito que só ao indivíduo em particular pertence — é uma das maiores ofensas ao Criador que deu ao homem uma consciência livre e absoluta. Mas vejamos o que nô-lo informa sobre esta questão o capítulo que nos está em mão.


UMA ESTÁTUA SUI GENERIS


VERSO 1: — “O rei Nabucodonosor fez uma estátua de ouro, a altura da qual era de sessenta côvados, e a sua largura de seis côvados; levantou-a no campo de Dura, na província de Babilônia”.


UMA IMPRESSÃO QUE SE DESFAZ


O primeiro sonho concedido por Deus ao rei Nabucodonosor, como apresentado no segundo capítulo, em o qual lhe fora dada uma visão, principalmente dos acontecimentos finais da história da terra, — visou fazê-lo entender o papel que deveria desempenhar no palco do mundo e bem assim a verdadeira relação e bem assim a relação que seu famoso reino indubitavelmente tinha para com o reino do céu. Na interpretação daquele sonho instruira-lhe muito bem Daniel quanto ao futuro estabelecimento do eterno reino de Deus na terra. 


O profeta enfaticamente declarara ao monarca: “Mas nos dias destes reis, o Deus do céu levantará um reino que não será jamais destruído”. No final da interpretação do rei, sumamente impressionado, reconheceu o poder de Deus e expressou sua convicção nestas palavras: “Certamente o vosso Deus é Deus dos deuses, e o Senhor dos reis, e o revelador dos segredos”. 


“Durante algum tempo Nabucodonosor sentiu-se influenciado pelo temor de Deus; contudo o seu coração não ficou purificado da ambição mundana e do desejo de exaltação. A prosperidade que acompanhou o seu reinado encheu-o de orgulho. Em dado tempo cessou ele de honrar a Deus, e retomou seu culto idólatra com maior zêlo e fanatismo”.1


A despeito de tão grandes evidências da supremacia de Deus sobre todo o poder nos céus e na terra, e de ter sido favoràvelmente influenciado por aquela primeira revelação direta que o Senhor lhe dera, contudo o rei Nabucodonosor, embalado pelo crescimento de seu poder como soberano do mundo e conseqüentemente pelo aumento de sua glória real, cedeu ante o orgulho, a exaltação e a ambição e algum tempo depois da interpretação de Daniel deu costas ao temor de Deus pelo qual fora impressionado, e assim sacrificou a sua consciência pela recusa do culto a Deus preferindo retornar às vilezas da idolatria pagã e da glória efêmera que Satanás oferece aos homens. O grande inimigo do direito sabe como engodar os homens e fazê-los ambiciosos de glórias mundanas para perdê-los irremediavelmente.


OS SÁBIOS EM DIABÓLICA AÇÃO


“As palavras: “Tu és a cabeça de ouro” (Dan. 2:38), tinham feito profunda impressão no espírito do rei. Os sábios do seu reino, tirando vantagem disto e do seu retorno à idolatria, propuseram-lhe que fizesse uma imagem semelhante àquela vista em sonho, e a erguesse em lugar onde todos, pudessem contemplar a cabeça de ouro, que tinha sido interpretada como representante do seu reino.


“Lisonjeado com a aduladora sugestão, ele se determinou levá-la a efeito, indo mesmo além. Em lugar de reproduzir a imagem como a tinha visto, ele excederia o original. Sua imagem não seria desigual em valor da cabeça aos pés, mas seria inteiramente de ouro, símbolo que representaria Babilônia como um reino eterno, indestrutível, todo- poderoso, que haveria de quebrar em pedaços todos os outros reinos, permanecendo para sempre.


“A idéia de estabelecer um império e uma dinastia que perdurassem para sempre apelou fortemente ao poderoso monarca cujas armas as nações da terra tinham sido incapazes de resistir. Com o entusiasmo nascido da ilimitada ambição e orgulho personalístico, ele tomou conselho com seus sábios quanto à maneira de levar avante o projeto. 


Esquecendo as assinaladas providências relacionadas com o sonho da grande imagem; esquecendo também que o Deus de Israel por intermédio de seu servo Daniel tinha-lhe esclarecido o significado da imagem, e que em conexão com esta interpretação os grandes homens do reino tinham sido salvos de morte ignominiosa; esquecendo tudo, exceto o seu desejo de estabelecer o seu próprio poder e supremacia, o rei e seus conselheiros de Estado decidiram que todos os meios possíveis seriam utilizados para exaltar Babilônia como suprema, e digna de submissão universal.


“A simbólica representação pela qual Deus tinha revelado ao rei e ao povo o Seu propósito para com as nações da Terra, ia agora servir para glorificação do poder humano. A interpretação de Daniel ia ser rejeitada e esquecida; a verdade ia ser mistificada e mal utilizada. 


O símbolo que o Céu designara servisse para desdobrar perante a mente dos homens importantes eventos do futuro, ia ser utilizado para obstar a divulgação do conhecimento que Deus desejava o mundo recebesse. Assim, mediante a imaginação de homens ambiciosos, Satanás estava procurando frustrar o propósito divino em favor da raça humana. O inimigo da humanidade sabia que a verdade isenta de erro é uma força poderosa para salvar; mas que quando usada para exaltar o eu e favorecer os projetos dos homens, toma-se um poder para o mal”.1


Não  há  nenhuma  dúvida  de  que  o  Império  de  Babilônia  fora originalmente obra de Satanás assim como os anteriores e posteriores — Egito, Assíria, Medo-Pérsia, Grécia e Roma. Mas a todos estes Impérios dera Deus evidências de Seu poder e supremacia. Os três primeiros, incluso Babilônia receberam conhecimentos especiais de Deus e de Sua soberania sobre o governo dos homens.


O Egito teve por algum tempo o sábio José como o seu mais perfeito primeiro ministro e governador de todo o reino. A Assíria foi concedida uma estupenda mensagem através de Jonas. Babilônia gozou por muito tempo a extraordinária sabedoria de Daniel e seus companheiros. A Medo-Pérsia desfrutou, a princípio, também da sabedoria de Daniel como seu maior primeiro ministro de Estado. Todos estes foram grandes luzes do céu nas cortes aludidas. 


Por meio deles procurou Deus dar aos reis com os quais estiveram relacionados, bem como a todos os seus súditos, o conhecimento de Seu glorioso propósito de salvação da família humana. Especialmente desejou Deus usar diretamente os próprios potentados dos referidos reinos, para tornar realidade, em parte, aquele Seu divino propósito. 


A Nabucodonosor anelou Deus, mais que qualquer outro monarca, usá- lo com o referido objetivo. Satanás, porém, estava a postos para se opor decididamente. Fez tudo quanto pôde para desviar o rei caldeu da senda que através do testemunho de Daniel e seus companheiros Deus lhe abrira. Chegou ao ponto de procurar eliminar, em Babilônia, os quatro heróis hebreus — três no forno do fogo ardente e um na cova dos leões.


No ponto que agora consideramos, vemos a sombra de Satanás, num supremo esforço para impedir a Nabucodonosor de permanecer sob a salutar influência de seu primeiro inspirado sonho e sua interpretação. O adversário do direito insuflou-lhe orgulho, grandeza, exaltação, ambição, fama, — até que, com o concurso de seus  próprios sábios conseguiu afastá-lo do temor de Deus que pareceu dominá-lo por algum tempo, após aquele primeiro sonho e a sua interpretação. 


Foi levado a descrer que Babilônia pudesse ser subvertida por outro poder, e ainda inferior ao seu, e procura demonstrar sua invencibilidade e inconquistabilidade — na fundição de outra estátua que a representasse como eterna dominadora na terra sob o cetro caldeu.


UM INÉDITO “ DEUS-PÁTRIA” DE OURO


Muitos deuses nacionais ou “deuses-pátria”, havia em: toda a antiguidade, principalmente no Egito, Assíria, Babilônia, Pérsia, Grécia e Roma. A vitória duma nação sobre outra era considerada como a vitória dos deuses da nação vitoriosa sobre os deuses da nação vencida, o que o rei Nabucodonosor pretendeu na ereção de sua gigantesca estátua, não era mais nem menos do que isto mesmo: Uma representação de Babilônia, ou melhor, de seus deuses vitoriosos  sobre todos os deuses das nações vencidas. 


Ainda mais, ao fundir o seu “deus-pátria”, o rei já considerou Babilônia e seus deuses, não só vitoriosos sobre as nações e seus deuses no passado, como a manutenção dessa vitória em todo o eterno futuro.


UMA ESTÁTUA INTEIRAMENTE DE OURO


“Das ricas reservas de seu tesouro, Nabucodonosor mandou que se fizesse uma grande imagem de ouro, no seu aspecto geral semelhante a que tinha sido vista em visão, salvo no que respeitava ao material de que ia ser composta. Acostumados como estavam a mangnificentes representações de suas divindades pagãs, os caldeus nunca dantes haviam produzido cousa mais imponente e magestosa que esta resplendente estátua, de sessenta côvados de altura, e seis de largura. 


E não é de surpreender que numa terra onde a idolatria era culto prevalecentemente universal, a imagem bela e sem preço erguida no campo de Dura, representando a glória de Babilônia e sua magnificência e poder, fosse consagrada como objeto de adoração”.1


Seria a estátua em consideração de ouro puro, maciço, ou simplesmente de madeira folhada de ouro. Alguns conjeturam que era de madeira com um chapeado ou revestimento de ouro. O termo original, usado por Daniel para adjetivar a estátua é “dehab” — ouro puro. Das vinte e três vezes em que ocorre este têrmo no Velho Testamento, conclue-se indicar objetos de puro ouro e não de um chapeado apenas ou revestimento desse minério.


Ao interpretar o profeta o sonho do rei, como o temos no segundo capítulo, fê-lo conhecer que, a cabeça da estátua era de “ouro fino”, usando para tal definição o mesmo vocábulo “dehab”.


Em outros relatos que referem a objetos como “casos de ouro”, “deuses de ouro”, “cadeia de ouro”.2 O ouro concedido pelo rei Artaxerxes aos judeus que regressaram do cativeiro, — encontramos o mesmo vocábulo “dehab”.3 Mas, para indicar a area receptáculo das táboas da lei, o altar do incênso, a mesa dos pães da proposição e as táboas do santuário, o vocábulo hebraico é outro — “zahab”, visto indicar um outro que cobria ou revestia aqueles objetos de madeira do santuário. 


O mesmo vocábulo “zahab” é empregado para indicar deuses de pau revestidos de ouro.4 Babilônia era a metrópole do ouro do mundo. Rios deste fino metal eram canalizados das nações para ela, e suas portas estavam sempre abertas para receber, ininterruptamente, embaixadores  vassalos das nações carregadas de tributos de imensos tesouros, além da direta e imediata espoliação em suas conquistas.


Herôdoto fornece um relatório onde conta da abundância de ouro existente em Babilônia nos seus dias. Escreveu ele: “Há um segundo templo, no qual existe uma imagem assentada de Zeus, toda de ouro. Diante da imagem acha-se uma grande mesa de ouro, e o trono sobre o qual ela se assenta, e a base do trono, são também de ouro. 


Os caldeus me contaram que todo o ouro, pesava 800 talentos (mais de trinta toneladas). Fora do templo encontram-se dois altares, um de ouro maciço... No tempo de Ciro havia também nesse templo a estátua de um homem, com dezoito pés de altura, de ouro compacto. Eu mesmo não ví esta estátua, mas estou relatando o que os caldeus me contaram a respeito”.1


Dado ao fato que o monarca desejou emprestar à sua imagem, como vimos, a evidência do Império Babilônio como supremo, eterno e inconquistável, não podemos aceitar, em nenhuma hipótese, que a sua estátua tivesse somente uma aparência de ouro maciço sem o ser inteiramente desse metal. Fosse a imagem totalmente de ouro. Podemos depositar inteira confiança e fé em suas declarações como profeta, de Daniel, que esta história escreveu, ter-nos-ía informado  não Deus. Não há, pois, nenhuma dificuldade em entender o testemunho pessoal e ocultar o profeta.


AS DIMENSÕES DA GRANDE ESTATUA


As dimensões da estátua simbólica são claramente dadas por Daniel, o bem informado primeiro ministro do reino: Sessenta  côvados de altura por seis de largura. O côvado era uma antiga medida de comprimento que variava de nação para nação. 


Em Babilônia, onde a estátua foi confeccionada ou fundida era de 46 cm. Assim sendo, a grande imagem deveria medir 27 m. e 60 cm. de altura por 2 m. e 76 cm. de largura. Diríamos mais precisamente, que “esta estátua era de cerca de 30 metros de altura por três de largura, e aos olhos daquele povo idólatra ela apresentava aparência mui imponente e majestosa”.2 Foi realmente uma emprêsa gigantesca e imponente do rei Nabucodonosor, digna de suas aspirações ao domínio eterno de Babilônia; porém, contrária à vontade d’Aquele que é o verdadeiro Dominador nos céus e na terra.


Pensam alguns que esta altura da estátua inclui o pedestal em que estava assentada para a consagração e adoração. Entretanto, é mais seguro crêr no relatório de Daniel, como testemunha ocular, que não alude à nenhum pedestal, embora possa ter havido e não estar incluso em sua altura segundo a medida por ele dada.


Diante dos fatos históricos dando conta da abundância de ouro em Babilônia, não fora difícil ao rei Nabucodonosor fundir uma estátua de ouro puro do tamanho dado por Daniel. Cremos que ainda lhe sobrara ouro para fundir muitas outras estátuas similares.


O “Campo de Dura” onde levantou o rei a sua estátua simbólica não pode ser precisamente localizado hoje. Tudo quanto sabemos, segundo Daniel, é que naquele tempo estava ele situado na província de Babilônia, provavelmente dentro dos muros da metrópole.


A DATA DO GRANDE ACONTECIMENTO


Nada se sabe ao certo quanto à data exata do memorável acontecimento. A tradução dos Setenta e a de Teodósio, colocam o evento no décimo oitavo ano de Nabucodonosor, ou seja em 587 a.C., por crerem que realizou-se para comemorar a final catura e destruição de Jerusalém. Todavia, a cidade foi destruída não no décimo oitavo ano deste rei, mas no seu décimo nono ano.


1 Na margem duma antiga versão — King James — encontra-se a data 580 a.C. para este sucesso. Alguns comentadores há que colocam o acontecimento para um tempo posterior à enfermidade de Nabucodonosor mencionada no quarto capítulo. Todas estas conjeturas, porém, são destituídas de qualquer crédito histórico.


Entretanto,  há  uma  pista  ainda  a  considerar,  comparando  o capítulo três versículos doze e trinta com o capítulo dois versículo quarenta e nove — e o capítulo três versículos vinte e oito e vinte  nove com o capítulo quatro versículos trinta e quatro a trinta e sete, concluímos que a grande estátua do rei de Babilônia foi fundida e inaugurada entre o seu primeiro sonho tido no seu segundo ano de reinado  (cap.  2),  e  a  sua  enfermidade  (cap.  4).  


Por  outro  lado,  a influência do sonho do capítulo dois sobre os eventos do capítulo três, sugere fortemente que a história do capítulo três não pode ser datada na parte posterior do reinado de Nabucodonosor. Alguns tem sugerido a data 594-593, pela seguinte razão: Esta data coincide com o quarto ano de Zedequias, rei de Judá, que naquele ano fez uma viagem a Babilônia (Jer. 51:9). 


É possível que a viagem do rei de Judá fora emprendida em atenção à convocação de todos os governadores das províncias e vassalos, por Nabucodonosor, afim de comparecerem em Babilônia, para prestarem homenagem à estátua que o rei tinha levantado.1 Contudo, a data deste evento no tempo de Zedequias não é mais do que uma possibilidade. Assim, a data exata do memorável acontecimento não pode ser precisamente estabelecida.


Já que a estátua do rei Nabucodonosor foi possivelmente a maior e a mais custosa jamais fundida por um soberano em todo o tempo, e a sua inauguração talvez o maior acontecimento da história dum reino ou nação, não seria demais sabermos sua data precisa. Porém, muitas outras coisas e verdades importantes não poderemos entender perfeitamente enquanto durar o mundo. Só no mundo vindouro teremos a felicidade de entendê-las reveladas por Aquele que em Sua sabedoria todos os segredos são esclarecidos.


O MUNDO CONVOCADO A CONSAGRAÇÃO DA ESTÁTUA


VERSO: 2-3: — “E o rei Nabucodonosor mandou ajuntar os sátrapas, os prefeitos e presidentes, os juízes, os tesoureiros, os Conselheiros, os oficiais, e todos os governadores das províncias, para que viessem à consagração da estátua que o rei Nabucodonosor tinha levantado. 


Então se ajuntaram os sátrapas, os prefeitos e presidentes, os juízes, os tesoureiros, os conselheiros, os oficiais, e todos os governadores das províncias, para a consagração da estátua que o rei Nabucodonosor tinha levantado, e estavam em pé diante da imagem que Nabucodonosor tinha levantado”.


UMA ORDEM ARBITRÁRIA E DESPÓTICA


O rei Nabucodonosor não enviou pròpriamente um convite especial e cordial aos seus grandes: presidentes das províncias, administradores, autoridades judiciárias, financistas, militares, prefeitos e conselheiros. O texto diz enfaticamente que ele mandou ajuntá-los. Compreendemos por “ajuntar” — completa ausência de cordialidade e polidez. Vemos aqui uma ordem de convocação arbitrária, despótica. 


Entende-se que aquelas sumidades convocadas, para não dizer arrebanhadas, não tinham praticamente liberdade de ação em suas funções administrativas no reino em fora. O rei era tudo: O reino e sua administração. Aqueles chamados grandes não eram considerados mais do que simples servos que deviam obedecer cega e humildemente qualquer ordem real, não importando a posição e a responsabilidade. Qualquer tentativa de recusa poderia significar destituição e mesmo pena capital.


A convocação real fora evidente: “... para que viessem á consagração da estátua”. Desgraçadamente, como veremos adiante, o monarca não cumpriu com sua palavra. Reuniu-os para uma solenidade cívica e na hora inicial da cerimônia transforma-a em solenidade cívico-religiosa! Isto deveria ter sido muito chocante aos milhares que atenderam sua ordem de comparecimento. Veremos isto no versículo cinco.


No dia aprazado para a grande solenidade, todos os já aludidos senhores do reino — compulsòriamente convidados pelo soberano — apresentaram-se ao ato no “campo de Dura”. De pé diante da inédita imagem aguardavam o programa inaugural para o qual lhes fora ordenado comparecer. Jamais pensaram eles em opôr-se de qualquer modo à imperativa convocação real e esquivarem-se ao comparecimento. Conheciam muito bem o caráter e os nervos do rei Nabucodonosor para cometerem uma imprudência tal e cairem no seu fatal desagrado.


Assim, ali estavam todos em angustiante expectativa quanto ao que sucederia — e Nabucodonosor era capaz de tudo — pois ignoravam certamente a programação a ser seguida pelo soberano naquela oportunidade. Como veremos adiante, o monarca havia elaborado um secreto e infeliz programa para revelá-lo no momento que só ele deliberaria. 


Nenhum discurso especial, nenhuma explicação prévia, — mas uma ordem abrupta, uma imposição dramática e chocante iria ser ouvida por aquela multidão de grandes humilhados senhores. Eles se surprenderiam alarmantemente, porém, sem nenhum gesto em contrário ou em recusa da imposição real, posto que ela divergisse abertamente do motivo claro previamente  anunciado porque os convocara em Babilônia.

 

UM VIL ATENTADO À CONSCIÊNCIA LIVRE


VERSOS 4-7: — “E o arauto apregoava em alta voz: Ordena-se a vós, ó povos, nações e gentes de todas as línguas; Quando ouvirdes o som da buzina, do pífaro, da harpa, da sambuca, do saltério, da gaita de foles, e de toda a sorte de música, vos prostrareis, e adorareis a imagem de ouro que o rei Nabucodonosor tem levantado. 


E qualquer que se não prostrar e não a adorar, será na mesma hora lançado dentro do forno de fogo ardente. Portanto, no mesmo instante em que todos os povos ouviram o som da buzina, do pífaro, da harpa, da sambuca, do saltério, e de toda a sorte de música, se prostraram todos os povos, nações e línguas, e adoraram a estátua de ouro que o rei Nabucodonosor tinha levantado”


Um porta-voz do rei, o “arauto”, inesperadamente, anuncia a altas vozes — através de um instrumento para ampliar sua voz o tão anunciado e espectante momento, e o tão sigiloso programa inaugural. O rei estava presente, assentado em seu trono conduzido àquele local do “Campo de Dura”. As primeiras palavras do “arauto”, foram uma aterradora ordem do império: “Ordena-se a vós”! Aqui está revelado o espírito intolerante de Nabucodonosor como mandatário absoluto do mundo. 


Ele nada pedia, nem mesmo ao maior homem de seu reino, — tão somente ordenava. A ordem compulsória de adoração da estátua ao sonido da música, não só foi descortês para uma solenidade como aquela, como também um atentado à consciência dos presentes.


Ali estava um novo “deus”, pela primeira vez em evidência num reino mundial, o “deus pátria”, que devia tornar-se “deus-mundo”, ou “deus império”, “babilônio” por excelência, e, muitas daquelas sumidades presentes, não eram babilônias ou caldaicas, e sim destacados personagens de povos conquistados, humilhados, que o rei deixara como administradoras em seus próprios reinos agora vassalos. 


Eles prefeririam adorar um “deus-pátria”, lá em suas próprias pátrias do que um “deus-pátria”, dum poder opressor de suas nações e povos. Mas, que fazer quando não eram mais senhores de si mesmos no império babilônio, embora empossados em cargos de responsabilidade? Ainda que fosse contraditório às suas consciências  o ajoelhar-se diante duma estátua convertida em um “deus-pátria”, fariam isso como uma mera formalidade, mormente como desconhecedores do verdadeiro Deus a quem unicamente compete aos homens servir e adorar.


Neste ponto o rei Nabucodonosor cometeu uma deslealdade e uma fraude. Convidara os presentes para a “consagração da estátua”, e, no momento que a isto devia proceder, inverte os papéis exigindo adoração: “Vos prostrareis, e adorareis a imagem de ouro”. Adoração de joelhos é bem diferente do que “consagração”. Exigiu-lhes o monarca um “culto”, em honra de Babilônia e do domínio caldeu no mundo. Sem dúvida o rei faltou com a sua palavra exigindo o que antes não pedira em sua ordem de comparecimento ao ato no “Campo de Dura”.


Havia uma ameaça de extermínio no forno ardente a todos quantos ousassem recusar adorar o “ídolo-pátria”. Com esta ameaça o rei demonstrou-se indiscutivelmente um intransigente déspota e muito arrogante. Usou de violência e ameaça para coagir a consciência dos presentes e conseguir os seus objetivos de grandeza e de irredutível obediência de todos pelo temor de sua majestade. 


Negar adoração à imagem, era a seu ver, equivalente a um crime de lesa-majestade e lesa-pátria, e de aberta oposição ao reino e suas leis. O soberano queria consolidar todas as nacionalidades do mundo em uma só nação. Para alcançar tal propósito era essencial que o governo fosse supremo em tudo, tanto no sentido civil como no sentido religioso. E o rei Nabucodonosor era absoluto em seu estado-civil-religioso.


Um antigo provérbio diz: “A vida do Estado é a lei do Estado”. E era esta a concepção do rei Nabucodonosor como estadista de toda a terra. Para ele Estado era tudo: Suas necessidades eram soberanas; suas demandas, imperativas; sua autoridade, uma inquebrantável lei. Para o monarca nenhuma consciência privada era admissível no Estado ou contra o Estado. O indivíduo era uma mera parte do Estado e só existia para o seu progresso ou não podia existir dentro do Estado. Daí não ser aceitável nenhuma religião independente do Estado — mas unicamente uma religião nacional, própria do Estado, e sob as vistas do Estado.


A estátua de ouro era um símbolo do Estado e da Igreja fundidos num só poder com uma só cabeça diretiva — o rei. Daí, nada menos do que honras divinas deviam ser tributadas ao Estado através de sua religião oficial única.


Ao tempo de Babilônia como poder mundial, o Estado subordinava a religião a seu belo prazer, ao contrário da Idade Média em que a igreja subordinava o Estado para alcançar seus inglórios fins. O rei Nabucodonosor, visava, submeter a Igreja sob o poder e controle do Estado, — honras supremas para si, quer como credor do Estado mundial, quer como gênio inspirador do Estado. 


Em outros termos, pretendeu adoração e honras divinas a si próprio de todos os seus súditos, como figura absoluta do Estado e representante honrado dos deuses do Estado mundial. Em outras palavras — o rei era a suprema autoridade civil e eclesiástica do Estado, era o cérebro, a razão e a consciência dos súditos do Estado.


Em consequência, pois, do escandaloso consórcio entre Igreja e Estado, a religião para Nabucodonosor era um negócio do Estado, enquanto na Idade Média o Estado era um negócio da religião. Para o rei de Babilônia era inadmissível uma religião independente ou fóra da alçada do Estado. Só era aceita uma religião que servisse o Estado, que estivesse sob o controle do Estado. A pena para os  inconformados, com a religião do Estado era extrema — a morte — e uma morte no forno de fogo. Dentro do Estado — tudo sob o controle do Estado.


A todas as províncias conquistadas impunha o rei que abandonassem a religião tradicional e se conformassem com a religião do Estado Babilônio Mundial, ou com o Estado Religioso que os conquistara. Os grandes que compareceram à consagração da estátua simbólica ou Babilônia, deviam promover, pela força, em todas as províncias do reino, a religião do Estado-Babilônio e com ela a adoração do rei-soberano como um deus. Todos deviam jurar fidelidade e obediência ao Estado Religioso e ao rei prestar honras como estadista supremo, chefe religioso divinizado.


O caráter da religião do Estado Babilônico e decretada por este Estado, devia confirmar-se aos sete pontos dados abaixo:


1. Externa e visível — como a grande estátua.

2. Magnificente — como a estátua de grande magnitude e esplendor — toda de ouro.

3. Sedutiva aos sentidos — Havia muita música variada.

4. Impressiva — os adetos seriam numerosos, aparatosos.

5. Unida — todos adorariam em um determinado lugar e tempo.

6. Regulamentada — regulada por decreto real do soberano.

7. Dignificada — o próprio monarca estaria presente como cabeça e promotor do culto ao Estado.

 

Esta era a religião de Babilônia — imposta por seu soberano.


TRES CORAJOSAS ABSTENÇÕES


Em face da coação do rei, secundada por uma ameaça de morte, todos os convocados presentes renderam suas consciências e se prostraram em uma formal adoração.


“Nêsse dia cheio de tantos sucessos os poderes das trevas pareciam haver ganho um assinalado triunfo; a adoração da imagem de ouro prometia tornar-se permanentemente relacionada com as formas estabelecidas da idolatria reconhecidas como religião do Estado no país. Satanás esperava dessa forma derrotar os propósitos  de Deus de tornar a presença do cativo Israel em Babilônia um meio de abençoar a todas as nações do paganismo.


“Mas Deus decidiu de outro modo. Nem todos haviam dobrado os joelhos ante o símbolo do humano poder. Em meio da multidão de adoradores havia três homens que estavam firmemente resolvidos a não desonrar assim ao Deus do Céu. O seu Deus era o Rei dos reis e Senhor dos Senhores; a nenhum outro se curvariam”.1


Três, apenas, servos de Deus presentes, foram os únicos que tiveram a ombridade de protestar contra a abusiva pretensão do exaltado soberano. Somente três revelaram que a consciência é livre, que pertence unicamente a seu legítimo dono e que só deve ouvir e ceder à voz de Deus, ainda que Ele mesmo não obrigue ninguém a ouvi-la, embora seja este o melhor caminho a seguir para o bem presente e a redenção futura.


UMA PERIGOSA ACUSAÇÃO GRATUITA


VERSOS: 8-12: — “Ora, no mesmo instante, se chegaram alguns homens caldêus, e acusaram os judeus. E falaram, e disseram ao rei Nabucodonosor: ó rei, vive eternamente! Tu, ó rei, fizeste  um  decreto, pelo qual todo o homem que ouvisse o som da buzina, do pífaro, da harpa, da sambuca, do saltério, e da gaita de foles, e de toda a sorte de música, se prostraria e adoraria a estátua de ouro; e, qualquer que se não prostrasse e adorasse, seria lançado dentro do forno de fogo ardente. 


Há uns homens judeus, que tu constituístes sobre os negócios da província de Babilônia: Sadrach, Mesach e Abed-nego: estes homens, ó rei, não fizeram caso de ti; a teus deuses não servem, nem a estátua de ouro, que levantaste, adoraram”. Em primeiro lugar, estes versículos parecem fundamentar o pensamento de que o rei Nabucodonosor pôs vigias ou secretas para observar algum possível recalcitrante à sua enfática ordem de adoração de sua estátua de ouro. 


De preferência, teria ele escolhido “caldeus” para esta emprêsa, conforme atestam os textos acima citados. Pois, só a compatriotas interessados, como ele, no domínio mundial permanente de Babilônia, confiaria um tal encargo de responsabilidade, com o fito de descobrir prováveis opositores à sua política internacional opressiva, ou, quiçá, boicotadores e agitadores.


Se porventura os acusadores não eram agentes secretos do rei Nabucodonosor, eram, no mínimo, seus aduladores e tiveram em  vista, com a gratuita acusação, se colocarem em situação favorável e privilegiada perante o monarca, na expectativa de exaltação a algum cargo de confiança no reino com possibilidade de apreciáveis honrarias.


Nas entrelinhas da acusação, porém, revelaram os  acusadores uma camuflada inveja em relação aos acusados, por serem estes cativos e estrangeiros, e ocuparem, entretanto, em Babilônia, altos encargos de honra e confiança, enquanto eles, como naturais do país e da raça caldéia, não tinham galgado funções tão elevadas. 


E na verdade fora isto mesmo o móvel da diabólica inveja. “Deverás alguns dentre os sábios, enciumados pelas honras que tinham sido concedidas aos fiéis companheiros de Daniel, levavam agora ao rei o relato da sua flagrante violação aos desejos do rei”.1 Eles introduziram a imputação com certa manifestação de honraria costumeira dos bajuladores hipócritas, que usavam a exaltante frase — ó rei, vive eternamente! — em geral para se tornarem imediatamente simpáticos dos soberanos e terem a facilidade da concessão de algum favor real ou ser favoravelmente recebida alguma denúncia que, embora falsa e invejosa, parecesse fazer perigar a honra do monarca ou do reino, e assim serem bem quistos e considerados grandes patriotas. 


E, o caso em apreço, relativo aos três judeus, se ajustava bem às suas pretensões, não importando as consequências — que eles bem as conheciam — pudessem advir aos acusados. Os termos da acusação que apresentaram ao soberano, na verdade parece revelar que eram voluntários agentes secretos e que visavam, por evidente inveja, eliminar da corte os quatro hebreus, incluso Daniel, por se terem revelado grandes sábios e por terem caído nas graças do rei Nabuco nominalmente perante o rei da Babilônia.


Ao rei inflado com o triunfo alcançado na planície de Dura, foi levada a acusação, pelos aludidos agentes, de que três judeus, opondo resistência à sua ordem real de adoração da estátua, ousaram permanecer de pé no momento em que toda a multidão se ajoelhava em prestação de culto ao Império dominador da terra, desobedecendo deste modo, aberta e publicamente, uma enfática e ameaçadora ordenança do rei soberano. Os três oponentes foram acusados nominalmente perante o rei de Babilônia.


Doutro, lado, vemos nos “caldeus” acusadores — esses togados de Babilônia, catedráticos supremos da filosofia — um aberto e agitado ressentimento pelo fracasso que haviam sofrido quando não puderam revelar e interpretar o sonho do rei relatado no capítulo dois, e pudera fazer Daniel, o jovem cativo hebreu. Desejavam àvidamente aproveitar qualquer pretexto para acusar os judeus ante o rei, afim de atrair-lhes desonra e, se possível, a morte.


Depois de aludirem aos termos do decreto real de adoração da estátua, formularam uma tríplice acusação, e fizeram questão de referir, não só os nomes dos acusados, como também a nacionalidade deles e as importantes funções que desempenhavam na província de Babilônia, a província chave do reino. A acusação, porém, em si mesma, como dissemos, constava de três claros pontos:


(1) “Estes homens, ó rei, não fizeram caso de ti; (2) a teus deuses não servem; 


(3) nem a estátua de ouro, que levantastes, adoraram”. As duas últimas eram reais, sendo uma falsidade a primeira. Mas esta era mais forte e decisiva na condenação esperada pelos acusadores. Seguramente Satanás lhes inspirava e incitara a formularem-na, na esperança de afastar daquela corte do mundo as testemunhas de Deus. O desprêso à pessoa do rei Nabucodonosor, embora uma injúria dos acusadores, era quasi certo que resultaria em pena capital, mormente em se tratando de burocratas de alta posição como as de Sadrach, Mesach e Abed-nego.


Todavia, aqueles acusados demonstrariam ao rei, a seus acusadores e a todos quantos ali presentes se encontravam a indómita coragem e firmeza de fé nos princípios da justiça do céu que eram uma característica de suas vidas, bem como o invisível poder do Todo-poderoso Criador e Senhor de todas as coisas, sempre manifesto em proteger a seus fiéis filhos quando em perigo e risco de vida por sua fé. Aqueles que confiam em Deus estão seguros em Sua mão.

 

UMA ATREVIDA OUSADIA DO REI NABUCODONOSOR


VERSOS 13-15: — “Então Nabucodonosor, com ira e furor, mandou chamar Sadrach, Mesach e Abed-nego. E trouxeram a estes homens perante o rei. Falou Nabucodonosor, e lhes disse: É de propósito, ó Sadrach, Mesach e Abed-nego, que vós não servís a meus deuses nem adorais a estátua de ouro que levantei? Agora pois, se estais prontos, quando ouvirdes o som da busina, do pífaro, da guitarra, da harpa, do saltério, da gaita de foles, e de toda a sorte de música, para vos prostrardes e adorardes a estátua que fiz, bom é: mas, se não a adorardes, sereis lançados, na mesma hora, dentro do forno  de fogo ardente: e quem é o Deus que vos poderá livrar das minhas mãos?”


ESCOLTADOS À PRESENÇA DO REI


Surpreso com a denúncia da existência de oposição à sagração e culto da estátua simbólica, mandou o rei que imediatamente trouxessem os opositores à sua presença em pleno Campo de Dura. Incontinentemente foram eles conduzidos perante o irado monarca. Este ato de violência revelou que, embora, homens de posição elevada que eram no reino, não desfrutavam, como vimos atrás, o direito de consciência naquela corte e naquele reino. 


Se o rei lhes solicitasse o comparecimento à sua presença para explicarem razões, o caso seria outro. Todavia mandou escoltá-los, e, com isso, revelou que no seu reino seus súditos não eram cidadãos livres, — mas, sim, servos sem consciência. Para Nabucodonosor a consciência de seus súditos era ele próprio.


Em primeiro lugar o enfurecido rei fez aos três valentes uma pergunta coercitiva em matéria de religião. Procura estorquir-lhes uma formal confissão se era ou não intencionalmente que se recusavam servir a seus deuses e adorar a sua estátua de ouro. Aí está uma amostra da realeza babilônica em que o soberano enfeixava em suas mãos os poderes civil e eclesiástico, num indigno e repelente consórcio condenado veementemente pelo céu. 


A união entre Igreja e Estado, — é uma aliança; a mais corrutora da civilização e a mais abjeta e repulsiva aos olhos de Deus. “Dai a César o que é de César e  a Deus o que é de Deus”, foi a máxima de Cristo no que respeito à Igreja e o Estado; separação absoluta de ambos os poderes — civil e eclesiástico. Mas, quando um absorve o outro para fins políticos ou eclesiásticos, — os resultados são sempre iguais aos que estamos agora considerando: Trágicos, violentos, odiosos, fatais.


UMA NOVA OPORTUNIDADE DO REI


Em seguida à sua pergunta, sem dar tempo a que seus três interrogados lhes respondessem, o rei propõe-lhes uma nova oportunidade: Mandaria tocar novamente a música para que desta vez se prostrassem e adorassem a estátua, e então o caso se encerraria.


“Apontando para a fornalha ardente, lembrou-lhes a punição que os esperava se persistissem em sua recusa de obedecer a sua vontade”. “Ao estarem os três hebreus em presença do rei, este compreendeu  que eles possuíam alguma coisa que faltava aos outros sábios do seu reino. 


Eles haviam sido fiéis no cumprimento de cada obrigação. Ele desejava dar-lhes outra oportunidade. Se tão somente demonstrassem sua boa vontade em unir-se com a multidão em adoração à imagem, tudo iria bem com eles: “mas, se a não adorardes”, ele aduziu, “sereis lançados, na mesma hora, dentro do forno de fogo ardente”. Então com a mão estendida em desafio, exclamou: “E quem é o Deus que vos poderá livrar das minhas mãos?”.1


“A última declaração do rei Nabucodonosor — e quem é o Deus que vos poderá livrar das minhas mãos — foi uma ultrajante ofensa ao Criador em cujas mãos estava a sua própria vida. Revelou um perverso espírito e um arrogante senso de superioridade a Jeová, o Deus dos hebreus. Seu ousado desafio tornou mais humilhante a sua derrota e mais saliente a intervenção vitoriosa do Deus desafiado e ofendido.


Que ninguém pense que o rei Nabucodonosor foi o único atrevido desafiante de Deus. Antes dele, ousara interrogar Faraó a Moisés: “Quem é o Senhor, cuja voz eu ouvirei, para deixar ir Israel? Não conheço o Senhor, nem tão pouco deixarei ir Israel”.2 E, depois do rei de Babilônia até agora, os séculos estão cheios de ousados desafios ao Onipotente. 


Por ocasião da Revolução Francêsa, gritava um dos padres da chamada “nova ordem”: “Deus, si existis, vingai Vosso nome injuriado. Eu vos desafio! Conservai-vos em silêncio: não  ousais fazer uso de Vossos trovões. Quem depois disso crerá em Vossa existência?”.3 E em pleno pujante século XX, Deus é desafiado com todo o descaramento por milhares de milhares, numa repetição ao atrevido e ateístico insulto de Nabucodonosor, de Faraó, dos revolucionários franceses e de incontáveis outros declarados incrédulos e infiéis, dentre os quais boa massa de ousados chamados cristãos.


NADA DE PARLAMENTAR COM O REI


VERSO 16: — “Responderam Sadrach, Mesach e Abednego, e disseram ao rei Nabucodonosor: Não necessitamos de te responder sobre este negócio”.


O DESTEMOR DA FÉ CORAJOSA


Sem manifestar nenhum temor, mas expressando absoluta calma  e controle próprio, os três corajosos jovens permaneceram com dignidade diante do colérico potentado. Não vacilaram em responder às ameaças do ensoberbecido rei. A resposta que deram foi sincera, precisa, positiva, decisiva e irrevogável. Não titubearam nem cederam no mínimo. 


Com inabalável firmeza se recusaram a ceder às instâncias e ameaças do rei. Não discutiram com ele, os porquês da recusa, pois Nabucodonosor já bem os conhecia como religiosos e fiéis adoradores de Jeová, o Deus de Israel. As razões apresentadas pelo orgulhoso monarca e a nova oportunidade que lhes. ofereceu para adorarem sua estátua, não influíram em absoluto na firme decisão já prèviamente tomada por eles.


UM INIGUALÁVEL TESTEMUNHO DE FÉ


Nunca se viu ou se ouviu antes ou depois de um testemunho tão vibrante e tão corajoso em favor do direito de Deus e da justiça do Céu! Jamais antes a fé foi manifesta de modo tão altaneiro, perfeito e fiél em circunstâncias tão dramáticas e adversas. Foi uma grandiosa amostra do imenso poder que a fé torna possível ter o seu possuidor legítimo. Destemor e intrepidez caracterizaram aqueles heróis da divina virtude da fé. 


Ficara constatada até que ponto é possível um crente manifestar lealdade aos princípios da justiça do céu quando possuído pela genuína fé dos santos. Lamentavelmente, todos os séculos, incluso o nosso, têm visto mais traidores do que defensores da pura fé, cujo “Autor e Consumador” é o poderoso Filho de Deus. 


Milhões de pretensos cristãos têm sucumbido no abismo do medo e da apostasia no momento em que deles urgia o Salvador um eloquente testemunho em Seu favor e em Sua honra; a fé esteve ausente e a derrota fez-se inevitável e fatal. Os três hebreus da nossa consideração, todavia, dão para todos os tempos um vivido e insuperável exemplo do que significa ser um crente em Deus e um genuíno cristão possuidor da “fé de Jesus” seu Salvador.


PORQUE NÃO ARRAZOARAM COM O MONARCA


Os acusados foram francos ao soberano exaltado: “Não necessitamos de te responder sobre este negócio”. Esta foi a resposta inicial decisiva que deram, e que estava em harmonia com a vontade de Deus. Não necessitaram do tempo para se definirem. Como crentes tinham sempre e na hora uma bôa reserva de negativas para tudo quanto contrariava a fiél e perfeita vontade de Deus. 


A religião é um princípio ativo na vida do religioso; é a própria vida de Deus atuando em Seu verdadeiro servo com todo o poder, fazendo dele um baluarte que nenhuma força humana será capaz de vencê-lo. Se, porventura, os três hebreus cedessem às instâncias do rei e se curvassem diante da estátua de ouro, perderiam a confiança e a admiração do soberano e da corte, que até ali desfrutaram. Assim, a decisão imediata que tomaram foi acertada e a única honrosa!


O indivíduo cegado pela vaidade do orgulho e da honra mundanos, não aceita justificativas em desabono de suas absurdas e altivas pretensões. O trio de acusados conhecia perfeitamente o neurótico rei Nabucodonosor para tentar parlamentar com ele explicando-lhe da decisão que tomara. A vida que viviam como altos funcionários do reino; a exatidão no desempenho das funções a eles confiada; a impoluta moral pessoal que viviam; a vida religiosa exemplar e gloriosa que manifestavam ao mundo, — já era uma gloriosa e vitoriosa resposta autêntica, cabal, eloquente.


UMA RESPOSTA DE FÉ CORAJOSA


VERSOS 17-18: — “Eis que o nosso Deus, a quem nós servimos, é que nos pode livrar: Ele nos livrará do forno de fogo ardente, e da tua mão, ó rei. E, se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses nem adoraremos a estátua de ouro que levantastes”.


Embora decididos a não parlamentar com o altivo rei, fizeram questão de deixar bem claro dois pontos:

 

1) O Deus a quem serviam os livraria do forno de fogo ardente da mão ou poder do rei.


2) Decididamente não serviriam aos deuses do rei e muito menos adorariam a sua estátua de ouro.


“Foram baldadas as ameaças do rei. Ele não logrou desviar os homens de sua obediência ao Governador do universo. A história de seus pais lhes ensinara que a desobediência a Deus resulta em desonra, desastre e morte; e que o temor do Senhor é o princípio da sabedoria, o fundamento de toda verdadeira prosperidade. Sua fé foi fortalecida ao declararem que Deus se glorificaria em libertá-los, e com a triunfante segurança nascida da implícita confiança em Deus, acrescentaram: “E, se não, fica sabendo, ó rei, que não serviremos a teus deuses nem adoraremos a estátua do ouro que levantaste”.


A resposta daqueles destemidos crentes não seria e não será dada por qualquer espécie de cristãos. Eles estavam seguros de que não capitulariam ante as demandas absurdas de extorções de suas consciências pelo rei Nabucodonosor. A inabalável confiança em Deus lhes assegurava antecipadamente a vitória. Quem os livraria, asseguraram, era o Deus a quem serviam. 


Transbordantes de inquebrantável fé, puseram sua sorte nas mãos de Deus. Se o livramento deles redundasse em Sua glória, que os livrasse. A graça  de Deus para eles estava infinitamente acima do favor do rei da Babilônia. A breve futura grande vitória da fé confirmaria que em verdade serviam incondicionalmente a Deus como afirmaram. Eles não eram cristãos nominais, mas evidentes, espiritualmente poderosos em toda a vida religiosa. Constituem ainda um modelo de vida espiritual para todos os modernos cristãos, principalmente para a juventude cristã do século.


Nabucodonosor não esperava uma resposta de tão categórica recusa como a que ouvira. Estava certo de que capitulariam incontinente ante sua presença e seu poder. Aquele rei só tivera diante de si, até então, cobardes e tementes, dos quais fazia o que bem entendia. Agora ali estavam homens prontos a enfrentá-lo, não com as armas carnais da hipocrisia, do despotismo e do orgulho, — mas com as armas poderosas e verdadeiras, capazes de aniquilar as fortalezas da impostura e da impiedade.


Os três “não” da resposta inabalável dos moços, venceram o arrogante rei de Babilônia: “Não” para o soberano; “não” para os seus deuses: “Não para a sua estátua”. O resultado dos firmes “não” foi a mais espetacular vitória da fé de que se tem notícia e a mais fragorosa derrota do poder das provas, através de agentes em Deus. São de cristãos desta estirpe e poder que o século XX está em carência. A mais dolorosa bancarrota da atualidade é a da fé! Que se envergonhem estes cristãos atuais e meditem na estupenda experiência dos três hebreus, para terem uma visão do que significa ser um verdadeiro seguidor do Cristo de Deus.


A INCANDESCENTE IRA DO REI


VERSO 19: — “Então Nabucodonosor se encheu de furor, e se mudou o aspecto do seu semblante contra Sadrach, Mesach e Abed- nego: falou, e ordenou que o forno se aquecesse sete vezes mais do que se costumava aquecer”.


À irrevogável recusa de Sadrach, Mesach e Abed-nego, a ira do rei Nabucodonosor não teve limites. Seu tremendo furor transmudou o aspecto de seus semblante e transformou-o num doido capaz de tudo naquela oportunidade. Quando viu que sua vontade não fora recebida como a vontade de seu deus pelos três judeus, ele encheu-se de furor. Satânicos atributos tornaram a sua fisionomia como a de um demônio. Urgia justificar sem delongas os ousados representantes duma raça cativa desprezada.


“Nabucodonosor não estava em verdade, isento das faltas e incensateses nas quais é tão fácil cair um monarca absoluto. Embriagado pelo poder ilimitado, não podia suportar a desobediência nem a contradição. Ainda que fosse por bons motivos, si alguém resistia à autoridade que expressava, manifestava a debilidade que, em tais circunstâncias, é comum entre a humanidade caída, e se enfurecia grandemente. 


Ainda que dominava o mundo, não sabia dominar o seu espírito, nem exercia controle sobre si mesmo. Irado sobremaneira, seu próprio rosto se demudou. Em vez de domínio próprio e a aparência serena e digna que devia haver conservado, deixou ver em sua expressão e seus atos que era escravo de uma paixão ingovernável”.1 Triste realidade!


Por ordem real o forno foi aquecido sete vezes mais do que o costume. Sentiu ser necessário mais do que um simples poder para conseguir a execução daqueles nobres homens. Pareceu revelar sua crença na virtude do poder do número sete. Pareceu crêr neste número como uma inabalável e segura plenitude, uma expressão de êxito em tudo e sobre tudo que implicasse esse número.


Portanto, ordenando que o forno se aquecesse sete vezes mais do que o normal, procurou assegurar-se de pleno êxito na sua inglória empresa. Mas verificaria logo que o número sete é o número de Deus vivo e que, portanto, não o empregaria com êxito, mormente na destruição dos que honram à Deus. O rei caldeu estava de todo enganado com o número sete.


Além de tudo, quis o rei, em aquecer sete vezes mais o forno, provar que não havia Deus com tanto poder capaz de evitar o extermínio dos três rebelados jovens. Quiz assim prevenir-se contra uma possível intervenção sobrenatural do Deus dos hebreus, que estes asseguraram que os livraria.


“E quem é o Deus que vos poderá livrar das minhas mãos”, fora o seu ousado desafio. Talves a certeza do rei de que teria absoluto êxito em sustar o poder do Deus de Israel em deter a força séptupla do forno ardente, se fundasse no fato de que, em tempo próximo passado, ele havia destruído naquele forno a dois pretensos adoradores do mesmo Deus.1 Os dois, porém, eram falsos profetas e daí não terem assegurado o livramento de Deus. Mal sabia o descontrolado monarca que, quanto mais intenso o calor de seu forno, tanto maior e mais impressionante constituiria ele mesmo o milagre do livramento dos sentenciados jovens.


EMPACOTADOS PARA O FORNO DE FOGO ARDENTE


VERSOS 20-22: — “E ordenou aos homens mais fortes, que estavam no seu exército, que atassem a Sadrach, Mesach e Abed- nego, para os lançarem no forno de fogo ardente. Então aquêles homens foram atados com as suas capas, seus calções, e seus chapéus, e seus vestidos, e foram lançados dentro do forno de fogo ardente. E, porque a palavra do rei apertava, e o forno estava sobremaneira quente, a chama do fogo matou aquêles homens que levantaram a Sadrach, Mesach e Abed-nego.


Como preparativos para a execução sumária, ordenou o rei que fortes homens de seu exército atassem com cordas dos pés aos ombros os adoradores do Deus de Israel, em forma de embrulho, de modo que seus braços ficassem amarrados ao corpo, para facilitar serem atirados ao candente forno. Assim fcram eles jogados na fornalha, esperando todos os presentes que num instante fossem reduzidos a simples cinza.


A intensidade do calor era de tal natureza, que só as chamas que emanavam da fornalha fulminaram os homens fortes que jogaram os três sentenciados ao forno, com a morte dos poderosos homens de seu exército, começou a derrota do rei e ficou já patente o desagrado de Deus pelo ato impensado e cruel do monarca em procurar destruir caracteres puros e santos, homens zelosos no seu dever no que respeitava às funções do Estado a eles confiadas. 


Na morte dos soldados do rei, ficou provada a nulidade do pretenso poder atribuído aos deuses de Babilônia, pois não livraram estes seus adoradores. Todavia, a morte fulminante daqueles fisicamente poderosos soldados, deu mais realce ao livramento dos hebreus e demonstrou o supremo poder do Deus de Israel.


O TODO-PODEROSO NA FORNALHA ARDENTE


VERSOS 23-25: — “E estes três homens, Sadrach, Mesach e Abed-nego, caíram atados dentro do forno de fogo ardente. Então o rei Nabudonosor se espantou, e se levantou depressa: falou, e disse aos seus capitães: Não lançamos nós três homens atados dentro do fogo?  E responderam e disseram ao rei: É verdade, ó rei. Respondeu, e disse: Eu, porém, vejo quatro homens soltos, que andam passeando dentro do fogo, e nada há de lesão nêles; e o aspecto do quarto é semelhante ao filho dos deuses”.


A FRAGOROSA DERROTA DE SATANÁS


A palavra de Nabucodonosor foi cumprida; os sentenciados inocentes caíram atados em meio às chamas. Do seu trono, próximo, o rei olhava esperando ver inteiramente consumidos os homens que se atreveram a desafiá-lo publicamente.


“Mas o Senhor não esqueceu os Seus. Sendo Suas testemunhas lançadas na fornalha, o Salvador Se lhes revelou em pessoa, e junto com eles andava no meio do fogo. Na presença do Senhor do calor e do frio, as chamas perderam o seu poder de consumir”.1


Aquêles fidelíssimos cristãos haviam assegurado ao rei de Babilônia que seu Deus os libertaria. E os fatos demonstraram que aquilo que ao rei pareceu mera presunção, revelou-se em glorioso resultado da viva fé daqueles santos. Por outro lado o mundo teve uma amostra evidente do valor dos verdadeiros crentes quando em perigo mesmo de extermínio. O notável livramento assentou a bendita e irrecusável verdade da assistência de Deus em favor de seus escolhidos como resultante da inabalável confiança que manifestaram em Seu sempre presente poder em protegê-los. 


O Novo Testamento relembrando o grande feito da fé daqueles heróis cristãos em Babilônia, assim se expressa: “Pela fé... apagaram a força do fogo”.1  O que mais atenção chama a este sobrenatural livramento, é que os três fiéis não foram salvos da fornalha ardente, mas na fornalha ardente, em plenas chamas devoradoras. Não foram libertos do forno destruidor, mas de seu poder consumidor.


Hoje, tão bem como naquele tempo, podem os fiéis confiar em seu Salvador com a mesma certeza de fé, pois só assim poderão assegurar a seus modernos algozes a Sua intervenção que garante a vitória. Urge, todavia, aquela indispensável e poderosa fé que não é presunção, mas sim uma inabalável e inconfundível segurança, uma antecipada vitória sobre todo o perigo não importando o seu feitio.


A tentativa de Satanás em incentivar a idolatria nacional — de elevação de Babilônia como eterna dominadora na terra, através do cetro caldeu — redundou em sua derrota. Seu esforço por intermédio de Nabucodonosor foi fatal e vexatória, em vez de êxito, seus maléficos fins foram derribados e desmoralizados. Aquela massa humana de grandes homens prementes, que após a consagração e adoração da idolátrica estátua devia volver às numerosas províncias e promover o “culto-Pátria” de Babilônia incomparável, inconquistável e imperecível, teve naquela oportunidade a mais estupenda manifestação pessoal do Eterno.


Cada um daqueles dignatários levou a seus países de origem a espetacular nova que tiveram o privilégio e mesmo a honra de presenciar — a revelação pessoal do Onipotente. O quadro que se lhes deparou ante os olhos jamais esqueceram; permaneceu vivido em suas memórias e em suas retinas enquanto viveram. Tiveram uma verdadeira visão da fé, do Deus vivo e Único verdadeiro e de Seu eterno e invencível poder. 


Fora possivelmente esta a maior derrota evidente do poder das trevas até ali conhecida, ao tentar eliminar por uma morte tão trágica e satânica, as testemunhas de Deus da corte mundial do paganismo. Fora igualmente a maior vitória do direito do céu em preservar a honra de Deus através de seus leais servos, de seus leais embaixadores na terra.


NABUCODONOSOR CONTEMPLA O TODO-PODEROSO


O levante do rei Nabucodonosor contra Deus na pessoa de Seus servos, não foi uma revelação de ignorância da supremacia do Onipotente. Ele mesmo confessara: “Certamente o vosso Deus é Deus dos deuses”.1 Rebelara-se, pois, mais uma vez, contra uma autoridade e vontade que sabia serem supremas no universo. 


Atentou contra a vida de homens nobres, santos, cumpridores de seus deveres em suas funções de Estado naquele reino, só por desejarem dispor de suas consciências em matéria de fé religiosa e de civismo. Todavia, julgou- os como seus maiores adversários. Com seu pretendido triunfo esmagador sobre aquêles imaculados caracteres, visou apenas reter uma autoridade orgulhosa, inglória e efêmera.


Mas os sentimentos de triunfo do rei Nabucodonosor mudaram. Enquanto olhava atento à fulminante fornalha esperando ver reduzidos a nada aquêles por ele tidos como rebeldes, espantou-se sobremaneira. Havia uma quarta pessoa em meio às chamas, que não fora jogada conjuntamente com os três. Ele notou-lhe a diferença em relação aos outros: Era Majestoso, revelava Onipotência, manifestava senhorio universal, não aparentava vingança contra os malfeitores de seus escolhidos naquele forno jogados, — mas deixara transparecer em seu adorável semblante um imensurável amor.


Como fora de si, o rei Nabucodonosor ergue-se depressa de seu trono. Estava pálido e abismado, e olhava atentamente às fulgurantes chamas. Arranca de seus nobres a confirmação de que lançaram três homens apenas ao forno. Ele, porém, cheio de comoção e temor, logo acrescenta: “Eu, porém, vejo quatro homens soltos, que andam passeando dentro do fogo, e nada há de lesão nêles; e o aspecto do quarto é semelhante ao filho dos deuses”.


A versão bíblica de King James apresenta “Filho de Deus” em vez de “filho dos deuses”. Cremos que “Filho de Deus” é a expressão correta do rei, pois lhe haviam afirmado os três hebreus que o Deus de Israel os livraria. Mas, “como sabia o rei pagão a que era semelhante o Filho de Deus? Os cativos hebreus que ocupavam posição de confiança em Babilônia tinham representado a verdade diante dele na vida e no caráter. 


Quando perguntados pela razão de sua fé, tinham-na dado sem hesitação. Clara e singelamente tinham apresentado os princípios da justiça, ensinando assim aos que lhes estavam ao redor a respeito do Deus a quem adoravam. Eles tinham falado de Cristo, o Redentor vindouro; e na aparência do quarto no meio do fogo o rei reconheceu o Filho de Deus”.1 A presença de seu Salvador tinha-os guardado de sofrer dano, e unicamente suas amarras tinham-se queimado”.


O rei Nabucodonosor, em virtude de sua fragorosa derrota e a grandeza do que via, esqueceu-se de sua própria dignidade e  majestade real, e apareceu como um “nada” em presença da Majestade do céu. A estátua de ouro, erguida com tanta pompa e orgulho, foi esquecida como algo obsoleto, tendo sido convertida em coisa nenhuma toda aquela manifestação a Babilônia como poder eterno. 


O grande e sobrenatural livramento dos servos de Deus revelou aquela estátua nada significar como símbolo, senão que era um embuste do monarca babilônio na intenção de anular a interpretação de Daniel da próxima queda de sua realeza mundial sob as armas de outros povos conquistadores.


O acontecimento que começou com uma aparente manifestação de poder jamais visto de uma corte mundial em todos os séculos e que por fim foi declarado de nenhum valor pela manifestação do Todo- poderoso, foi escrito para advertir aos modernos Nabucodonosores de quanto vale o poder humano ante o divino poder.


A VITÓRIA DA FÉ PODEROSA


VERSOS 26-27: — “Então se chegou Nabucodonosor à porta do forno de fogo ardente; falou, e disse: Sadrach, Mesach e Abed-nego, servos do Deus Altíssimo, saí e vinde! Então Sadrach, Mesach e Abed-nego saíram do meio do fogo. E ajuntaram-se os sátrapas, os prefeitos, e os presidentes, e os capitães do rei, contemplando estes homens, e viram que o fogo não tinha tido poder algum sobre os seus corpos: nem um só cabelo da sua cabeça se tinha queimado, nem as suas capas se mudaram, nem cheiro de fogo tinha passado sobre eles”.


OS VITORIOSOS SAEM DA FORNALHA ARDENTE


Excessivamente emocionado, o rei de Babilônia achegou-se tão perto do forno quanto pôde e ordenou aos três jovens que saíssem dele. Suas palavras foram agora cheias de bondade e reconhecimento. Expressando temor e respeito os tratou de “servos do Deus  Altíssimo”. 


Eles não saíram do fogo tão logo ao serem libertos, pois o Salvador permanecia com eles e não podiam sair sem Seu consentimento. Antes de saírem os presentes deviam ter uma perfeita visão do grande livramento e contemplar nitidamente a majestade do Céu e seu imenso poder e glória. Além disso, o próprio rei deveria tomar a iniciativa e solicitá-los que saíssem, pois por ordem sua foram sentenciados a morrerem ali. Só depois do pedido do monarca o Salvador consentiu que saíssem.


Esta estupenda vitória do poder da luz sobre o das trevas foi uma mordaz repreensão para a insensatez e loucura do soberano de Babilônia. Um poder superior a qualquer outro da terra havia vindicado a fé dos que permaneceram firmes contra a idolatria e desprezaram o culto nacional pagão do rei. Nenhum dos deuses do paganismo efetuara até ali uma libertação no forno de fogo. 


Ante as poderosas evidências a seus próprios olhos, o rei Nabucodonosor não endureceu o seu coração como fizera Faraó, embora o grande efeito não fosse duradouro nem redundasse em conversão. Duas coisas, todavia, ficaram claramente demonstradas: 1) que enquanto as potências terrenas exercerem poder nesta terra, o povo de Deus poderá entrar em conflito mortal, com as exigências de seus soberanos em face dos deveres para com Deus; 2) que enquanto seu povo Lhe fôr fiel Deus os protegerá, até mesmo de modo maravilhoso para livrá-los de perigos e males injustos, se assim achar por bem fazer. Se os três hebreus já houvessem concluído o testemunho que deviam dar em Babilônia e ao mundo através aquela corte, possivelmente deixaria Deus que selassem sua fé naquela fornalha ardente. Mas deviam ser ainda preservados.


UM QUADRO MARAVILHOSO


O quadro que se seguiu ao saírem do fogo os três raros jovens, não pode ser precisamente descrito aqui na terra. Os grandes do rei presentes à inauguração da estátua haviam aprovado o seu ato sentenciando-os àquela terrível morte sumária na fornalha. Agora, depois da vitória dos hebreus cativos, ao passarem incólumes pelas consumidoras chamas, os contemplam admirados e cheios de temor. 


Tinham diante dos olhos a prova tangível da proteção do Todo- poderoso a seus fiéis servos. Olvidando a cerimônia da hora e a própria monumental estátua do rei, todos os seus interesses se concentraram nos três notáveis homens. Representantes de todo o mundo que eram, prestam inconscientemente uma homenagem a Deus e a Seus vitoriosos escolhidos. A fé dos eleitos do Senhor se demonstrou potente e redundou ao menos por um instante em Sua honra e respeito entre as sumidades do reino mundial reunidas em Babilônia naquela oportunidade.


A ira que contra os três jovens o rei e seus grandes devotaram conjuntamente, resultou em louvor de Deus e Sua causa na terra até ao presente século. Ao constatarem que nem mesmo um fio de cabelo daqueles heróis se queimara, que suas vestes estavam perfeitamente intactas e que havia completa ausência mesmo de cheiro de fogo sobre eles, — reconheceram o poder que com aquêles moços esteve em plenas chamas. 


Tiveram aquêles cortezões a lição de que careciam: Que o poder pertence a Deus e que eles, com todo o orgulho e jactância que lhes era próprio, eram meros “nada” diante da Onipotência sempre presente e sempre vigilante em face de Seus interêsses no mundo. O grande acontecimento foi-lhes uma advertência para que não mais ousassem se erguer contra o vitorioso povo de Deus e Sua triunfante causa na terra.


“Pela libertação de Seus fiéis servos, o Senhor declarou que toma posição ao lado do oprimido, e repele todo, poder terreno que se  rebela contra a autoridade do Céu. Os três hebreus declaram a toda a nação babilônica sua fé naquele a quem adoravam. Eles descansaram em Deus. 


Na hora de sua provação lembraram-se da promessa: “Quando passares pelas águas estarei contigo, e quando pelos rios, eles não te submergirão; quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem chama arderá em ti”.1 E de maneira maravilhosa sua fé no Deus vivo tinha sido honrada à vista de todos. A notícia de seu maravilhoso livramento fora levada a muitos países pelos representantes das diferentes nações que tinham sido convidadas por Nabucodonosor para a dedicação. Mediante a fidelidade de Seus filhos, Deus fora glorificado em toda a Terra”.2


O testemunho daqueles valentes hebreus cristãos, é o testemunho que Deus espera de Seus filhos em pleno século atual.


EXALTANDO O DEUS QUE INJURIOU


VERSO 28: — “E falou Nabucodonosor, e disse: Bendito seja o Deus de Sadrach, Mesach e Abed-nego, que enviou o Seu anjo, e livrou os seus servos, que confiaram nÊle, pois não quiseram cumprir a palavra do rei, preferindo entregar os seus corpos, para que não servissem nem adorassem algum outro deus, senão o seu Deus”.


Em meio à admiração de todos, o rei Nabucodonosor tomou a palavra para exaltar o Deus de Israel e louvar a fé de Seus três fiéis servos. Nas palavras do soberano salienta-se o fato de que aquêles homens preferiram antes “entregar seus corpos” do que quebrar sua lealdade a seu Deus. O próprio rei exalta a confiança que depositaram em seu Deus, que foi o móvel pelo qual repudiaram “a palavra do rei” no campo de Dura em homenagem à estátua de ouro. 


Quão importante é que o ímpio exalte a fé das testemunhas de Deus e com isso ao próprio Deus Onipotente. É isto mesmo que Deus anseia ver neste século final da história do império do mal: Homens que O sirvam com indiscutível fidelidade para que isto resulte em Seu louvor e honra em meio à infidelidade e ao orgulho do mundo atual. Mas, com tristeza, perguntamos: Onde estão os fiéis de Deus hoje, por cuja fidelidade Ele é exaltado na terra? Lamentavelmente são tão raros esses fiéis que quase são totalmente despercebidos!


UM DECRETO MUNDIAL EM HONRA DE DEUS


VERSO 29: — “Por mim pois é feito um decreto, pelo qual todo o povo, nação e língua que disser blasfêmia contra o Deus de Sadrach, Mesach e Abed-nego, seja despedaçado, e as suas casas sejam feitas um monturo; porquanto não há outro deus que possa livrar como este”.


“As experiências desse dia levaram Nabucodonosor a baixar um decreto”. “Não há outro Deus”, referira ele, “que possa livrar como este”. “Com estas palavras e outras semelhantes o rei de Babilônia procurou espalhar entre todos os povos da terra sua convicção de que o poder e autoridade do Deus dos hebreus eram dignos de suprema adoração. E Deus Se sentiu honrado com os esforços do rei para lhe mostrar reverência e tornar a confissão real de obediência difundida por todo o domínio babilônico.


“Era correto fazer o rei confissão pública, e procurar exaltar o


Deus do Céu sobre todos os outros homens; mas procurar forçar seus súditos a igual confissão de fé é mostrar semelhante reverência era exceder os seus direitos como soberano temporal. Não tinha ele maior direito, civil ou moral, de” ameaçar os homens com a morte pela não adoração de Deus, do que tinha para fazer o decreto votando às chamas todos os que recusassem cultuar a imagem de ouro. Deus jamais compele o homem à obediência. A todos deixa livres para que escolham á quem desejam servir”.1


Contudo o decreto mundial do rei Nabucodonosor contribuiu para espalhar pela terra inteira o conhecimento do nome do Deus de Israel  e Seus grandes feitas em prol do Seu povo. O Deus dos hebreus foi colocado pelo emocionado monarca acima de todos os deuses das nações. E os cativos hebreus nas províncias orientais foram olhados com respeito e admiração por terem um Deus poderoso e amante de Seus escolhidos mesmo em cativeiro distante.