36 O Bom Mordomo (John Wesley)

SERMOES DE WESLEY PDF


'E ele, chamando-o, disse-lhe: Que é isto que ouço de ti? Dá contas da tua mordomia, porque já não poderás ser mais meu mordomo'. (Lucas 16:2)


I. Em quais aspectos nós somos agora mordomos de Deus? 


II. Quando Ele requer nossas almas de nós, nós 'não podemos mais ser mordomos'. 


III. Nós devemos 'dar um relato de nossa administração'. 


IV. Não existe ocupação de nosso tempo, nenhuma ação, ou conversa que seja inteiramente indiferente e nunca podemos fazer mais do que nossa obrigação. 


1. A relação que temos para com Deus; a criatura para com seu Criador é apresentada a nós nos oráculos de Deus, sob várias representações. Considerado como um pecador, uma criatura caída, ele é lá representado como um devedor para com seu Criador. 


Ele é também representado freqüentemente como um servo que, de fato, é essencial a Ele como uma criatura; de tal maneira, que esta apelação é dada para o Filho de Deus, quando, em Seu estado de humilhação, ele 'tomou para si a forma de um servo, sendo feito na semelhança de homens'. 


2. Mas nenhum caráter mais exatamente concorda com o presente estado do homem, do que este de um mordomo. Nosso abençoado Senhor, freqüentemente, o representa como tal; e há uma adequação peculiar na representação. 


É apenas em um aspecto particular, ou seja, uma vez que ele é um pecador, é que ele é intitulado um devedor; e, quando ele é denominado um servo, o título é geral e indeterminado: Mas um mordomo é um servo de um tipo particular; tal como homem é em todos os aspectos. Este título é exatamente indicativo de sua situação no mundo presente; especificando que tipo de servo ele é para Deus, e que espécie de serviços seu Mestre Divino espera dele.     


Pode ser útil, então, considerar este ponto totalmente, e fazer nosso completo aperfeiçoamento dele. Com este objetivo, vamos:


I. Primeiro, inquirir em quais aspectos nós somos mordomos de Deus. 


II. Em Segundo Lugar, vamos observar que, quando ele requer nossas almas de nós, 'não podemos mais ser mordomos'.  


III. Em Terceiro Lugar, restará apenas, como podemos observar, 'fornecer um relato de nossa administração'. 


I


1. Primeiro, nós iremos inquirir, em quais aspectos nós somos agora mordomos de Deus. Nós estamos, no momento, em débito para com Ele, por tudo que temos; mas embora um devedor seja obrigado a retornar o que ele recebeu, ainda assim, até que o dia do pagamento chegue, ele está livre para usá-lo como lhe agrada. Mas não acontece o mesmo com o mordomo; ele não está livre para usar o que está temporariamente em suas mãos, como lhe agrada, mas como agrada a seu senhor. Ele não tem o direito de dispor de coisa alguma que esteja em suas mãos, mas de acordo com a vontade de seu senhor. Porque ele é proprietário de nenhuma dessas coisas, mas apenas incumbido delas por outro; e incumbido nesta condição expressa, -- que ele deva dispor de tudo como seu mestre ordena. 


Agora, este é exatamente o caso de todos os homens com relação a Deus. Nós não estamos livres para usar o que Ele nos colocou temporariamente em nossas mãos, como nos agrada, mas como agrada a Ele, que é o único proprietário do céu e terra, e o Senhor de toda criatura. Nós não temos o direito de dispor de coisa alguma que temos, a não ser de acordo com a vontade Dele, uma vez que não somos donos de qualquer uma dessas coisas; elas todas, como diz, largamente, nosso Senhor, são pertencentes à outra pessoa; nem coisa alguma propriamente é nossa, na terra de nossa peregrinação. Nós não podemos receber o que nos pertence, até virmos para nossa região. Somente as coisas eternas são nossas: Com respeito a todas essas coisas temporais, nós fomos apenas encarregados por outro, o Disponente e Senhor de tudo. E Ele nos incumbe com elas nesta condição clara, -- que a usemos apenas como bens de nosso Mestre, e de acordo com as direções pessoais que Ele nos dá em Sua palavra. 


2. Nestas condições, Ele nos confiou com nossas almas, nossos corpos, nossos bens, e quaisquer outros talentos que temos recebido: Mas, com o objetivo de estampar esta verdade valiosa em nossos corações, será necessário virmos para os particulares.


Em Primeiro Lugar, Deus nos encarregou com nossa alma; um espírito imortal, feito à imagem de Deus; junto com todos os poderes e faculdades dela: entendimento, imaginação, memória, vontade e uma série de afeições, tanto incluída nela, quanto intimamente dependente dela, -- amor e ódio; alegria e tristeza; concernente ao bem e ao mal, no presente; desejo e aversão; esperança ou temor, com respeito ao que está por vir. Paulo parece incluir todos estes, em duas palavras, quando ele diz: 'A paz de Deus deverá manter seus corações e mentes'. Talvez, de fato, a ultima palavra (noEmata) deva, preferivelmente, se referir aos pensamentos, estipulando que usemos esta palavra, em seu sentido mais extenso; para cada percepção da mente, quer ativa ou passiva.   


3. Agora, é certo que, disto tudo, somos apenas mordomos. Ele nos encarregou desses poderes e faculdades; não para que possamos empregá-los, de acordo com nossa vontade, mas de acordo com as ordens expressas que Ele nos deu; embora seja verdade que, ao fazer a vontade Dele, mais efetivamente, asseguramos nossa própria felicidade; vendo que é desta forma, tão somente, que podemos ser felizes, quer no tempo, quer na eternidade. Assim, deveremos usar nosso entendimento, nossa imaginação, nossa memória, para glorificarmos totalmente a Ele que os deu a nós. Assim, nossa vontade deverá estar totalmente entregue a Ele; e todas as nossas afeições, ajustadas como ele direciona. Nós somos capazes de amar e odiar; de nos regozijarmos ou nos afligirmos; de desejarmos e evitarmos; de termos esperança e de temermos, de acordo com a regra que Ele determina, a que, e a quem deveremos servir em todas as coisas. Mesmo nossos pensamentos não são nossos, neste sentido; eles não estão à nossa disposição; mas para cada movimento deliberado de nossa mente, deveremos prestar contas ao nosso grande Mestre. 


4. Em Segundo Lugar, Deus nos encarregou de nossos corpos (estes máquinas maravilhosamente forjadas, tão 'terrivelmente e maravilhosamente criadas'), com todos os poderes e os membros dela. Ele nos encarregou com órgãos de sentido; de visão, audição e os demais: Mas nenhum destes nos foram dados como nossos, para serem empregados, de acordo com nossa vontade. Nenhum desses nos foram dados por empréstimo, de maneira a que possamos usá-los livremente, como nos agrada por um tempo. Não: Nós os temos recebido nestas mesmas condições, -- que, por quanto tempo eles permanecem conosco, nós possamos empregá-los todos, da mesma maneira que Ele indica, e não de outra. 


5. Nos mesmos termos, Ele nos concedeu o talento mais excelente, o da fala. 'Tu me deste uma língua', diz o escritor antigo, 'para que eu possa louvar a Ti, por meio dela'. Para este propósito, ela foi dada a todos os filhos dos homens, -- para ser empregada em glorificar a Deus. Nada, portanto, é mais ingrato, ou mais absurdo do que pensar ou dizer: 'Nossa língua é nossa'. Não pode ser, a menos que tenhamos criado a nós mesmos, e assim, sermos independentes do Altíssimo. Mais do que isto, 'foi Ele quem nos fez, e não nós mesmos'; a conseqüência disto, é que Ele é ainda Senhor sobre nós; nisto, e em todos os outros aspectos. Segue-se que não existe uma palavra de nossa língua, a qual não devamos prestar contas a Ele.  


6. A Ele nós devemos igualmente prestar contas pelo uso de nossas mãos e pés, e todos os membros de nosso corpo. Estes são os muitos talentos que estão confiados à nossa responsabilidade, até o tempo determinado pelo Pai. Até, então, nós temos o uso de todos esses; mas como mordomos, não como proprietários; para a finalidade que devemos 'atribuir a eles, não como instrumentos da iniqüidade, junto ao pecado, mas como instrumentos da retidão junto a Deus'.  


7. Em Terceiro Lugar, Deus nos encarregou com a porção de bens mundanos; com alimento, vestimentas, e lugar onde deitar nossa cabeça; não apenas com as coisas necessárias, mas com as conveniências da vida. Acima de tudo, Ele confiou à nossa responsabilidade aquele talento precioso, que contém todos os demais, -- dinheiro: Na verdade, é inexprimivelmente precioso, se formos mordomos sábios e fiéis dele. Se empregarmos cada parte dele, para tais propósitos como nosso abençoado Senhor nos tem ordenado fazer.   


8. Em Quarto Lugar, Deus nos encarregou com diversos talentos, que não propriamente vieram sob alguns desses títulos. Tais como força física, saúde, uma personalidade prazerosa, um trato agradável; tais como aprendizado e conhecimento, em seus vários níveis, com todas as outras vantagens da educação. Tais como a influência que temos sobre outros, quer através do amor e estima deles por nós, quer pelo poder; o poder de fazer-lhes o bem ou lhes causar dano; de ajuda-los ou afastá-los, nas circunstâncias da vida. Acrescente a esses, aquele talento invariável do tempo, com o qual Deus nos incumbe de momento a momento. Acrescente, por fim, aquilo do qual tudo o mais depende, sem o que, eles todos seriam maldições, e não bênçãos, ou seja, a Graça de Deus, o poder de seu Espírito Santo, o único que opera em nós tudo que é aceitável aos olhos Dele. 


II


1. Em tantos aspectos, os filhos dos homens são mordomos do Senhor, o Possuidor do céu e terra: Tão grande porção de Seus bens, de vários tipos, Ele confiou à responsabilidade deles. Mas não é para sempre; nem, na verdade, por algum tempo considerável: Nós temos esta confiança, depositada em nós, apenas durante o pequeno e incerto período, em que permanecemos aqui em baixo; apenas por quanto tempo permanecermos na terra; enquanto este fôlego passageiro estiver em nossas narinas. A hora está se aproximando rápido; já está à mão, quando 'não seremos por mais tempo mordomos!'. No momento em que o corpo 'retornar ao pó, por assim dizer, e o espírito retornar a Deus que o deu', nós não mais teremos este caráter; o tempo de nossa mordomia estará terminado. Parte destes bens, dos quais estivemos encarregados antes, está agora chegando ao fim; pelo menos, ela está, com respeito a nós; nem nós estaremos mais tempo incumbidos dela: E, aquela parte que permanece, não poderá, por mais tempo, ser empregada ou aperfeiçoada, como fora antes. 


2. Parte daquilo de que fomos encarregados antes está no fim, pelo menos, com respeito a nós. O que teremos de fazer, depois desta vida, com o alimento, vestuário, casas e posses mundanas? O alimento dos mortos é o pó da terra; eles são cobertos apenas com vermes e podridão. Eles habitam na casa preparada para toda carne; suas terras não mais o conhecem: Todos os seus bens mundanos são entregues a outras mãos, e eles não têm 'mais porção, debaixo do sol'. 


3. O caso é o mesmo com respeito ao corpo. O momento em que o espírito retorna a Deus, nós não somos, por mais tempo, mordomos desta máquina, que está, então, disseminada na corrupção e desonra. Todas as partes e membros, dos quais ela fora composta pulveriza-se na argila. As mãos não têm mais poder de mover; os pés esqueceram seu ofício; a carne, nervos e ossos estão todos se dissolvendo rapidamente no pó comum. 


4. Aqui terminam também os talentos da natureza promíscua; nossa força; nossa saúde; nossa beleza; nossa eloqüência; nossas maneiras; nossa faculdade de agradar ou persuadir, ou convencer outros. Aqui terminam, igualmente, todas as honras que alguma vez desfrutamos; todos os poderes que estavam locados em nossas mãos; todas as influências que uma vez tivemos sobre outros; se através do amor ou estima que eles tinham por nós. Nosso amor, nosso ódio, nosso desejo, pereceram: Nenhuma lembrança de como nós fomos, uma vez, afetados em direção a eles. Eles olham para os mortos, como não mais capazes de ajudar ou causar-lhes danos; de modo que 'um cão vivo é melhor do que um leão morto'.   


5. Talvez, uma dúvida ainda permaneça, concernente a alguns dos outros talentos, dos quais estamos agora encarregados, se eles irão cessar de existir, quando o corpo retornar ao pó, ou se apenas cessarão de serem aperfeiçoados. Na verdade, não existe dúvida, mas o tipo de discurso, do qual fazemos uso agora, por meio desses órgãos corpóreos, não existirá mais, quando esses órgãos forem destruídos. É certo que a língua não terá mais oportunidade de quaisquer vibrações no ar; nem os ouvidos conduzirão esses movimentos trêmulos ao sensor comum. Mesmo o som agudo e grave, que os poetas supõem pertencerem ao espírito separado, nós não podemos admitir que terá uma existência real; esta é uma mera viagem da imaginação. De fato, não pode ser questionado, mas os espíritos separados têm algum meio de comunicar seus sentimentos uns aos outros; mas o que os habitantes da carne e sangue podem explicar sobre isto? O que denominamos de 'discurso', eles não podem ter: Assim sendo, nós não poderemos mais ser mordomos deste talento, quando formos incluídos com os mortos.  


6. Pode-se admitir uma dúvida, se nossos sentidos irão existir, quando os órgãos de percepção forem destruídos. Não é provável que esses de uma espécie inferior irão cessar – o tato, o olfato e o gosto – já que eles têm uma referência mais imediata com o corpo, e são principalmente, e não totalmente, pretendidos à preservação dele? Mas algum tipo de visão não irá permanecer, embora os olhos estejam fechados na morte? E não haverá algum tipo na alma equivalente ao presente sentido da audição? Mais do que isto, não é provável que esses não apenas irão existir, em um estado separado, mas existirão, em um grau maior, e de uma maneira mais eminente, do que agora, quando a alma livre de sua casa de argila, não for mais 'uma faísca pequena perecível em um lugar obscuro'; quando não mais 'olhar através das janelas dos olhos e ouvidos'; mas, preferivelmente, todos os olhos, ouvidos, sentidos, serão de uma maneira que nós não podemos ainda conceber? E nós não temos uma prova clara da possibilidade disto; de ver, sem o uso dos olhos, e ouvir, sem o uso dos ouvidos? Sim, e a garantia disto continuamente? A alma não vê, de uma maneira mais clara, quando os olhos não estão sendo usados; ou seja, nos sonhos? Ela, então, não desfruta da faculdade do ouvir, sem qualquer ajuda dos ouvidos? Mas, como quer que isto seja, é certo que, nem nossos sentidos, serão incumbidos a nós, não mais do que nosso poder de fala, da maneira como os usamos agora, quando o corpo deitar-se na sepultura silenciosa.


7. Por quanto tempo o conhecimento ou aprendizado, que temos adquirido através da educação irá permanecer, nós não podemos dizer. Salomão, de fato, diz: 'Não haverá obra, nem conselho, nem conhecimento, nem sabedoria, na sepultura, para onde tu irás'. Mas é evidente, que essas palavras não podem ser entendidas em seu sentido absoluto. Porque está tão distante de ser verdade, que não existe conhecimento depois de termos deixado o corpo, que as dúvidas se colocam de outra forma: se existe tal coisa, como conhecimento real até então; se se trata de uma verdade plenamente sensata, e não de uma mera ficção poética, que todas essas sombras, que tomamos por coisas, não são apenas sonhos vazios, que no sono profundo criamos; com exceção, apenas, das coisas que o próprio Deus tem se agradado de revelar ao homem. Eu falarei como alguém que, depois de ter buscado a verdade, com alguma diligência, por meio século, está, no presente momento, dificilmente certo de coisa alguma, a não ser daquilo que aprendeu da Bíblia. Mais do que isto, eu afirmo positivamente que eu, certamente, não sei coisa alguma mais, que eu pudesse ousar por em risco minha salvação sobre ela.  


Tanto mais, portanto, podemos aprender das palavras de Salomão que 'não existe' tal 'conhecimento ou sabedoria na sepultura', como para ser de algum uso para o infeliz espírito; 'não existe conselho', lá, por meio do qual podemos aperfeiçoar aqueles talentos que Ele uma vez nos confiou. Porque não existe mais o tempo; o tempo de nosso julgamento para a felicidade eterna ou miséria é passado. Nossos dias, o dia do homem, estão terminados; o dia da salvação está terminado! Nada agora permanece, a não ser 'o dia do Senhor', anunciando amplamente a eternidade imutável!


8. Mas, ainda assim, nossas almas, sendo incorruptíveis e imortais, de uma natureza 'pouco inferior a dos anjos' (mesmo, se nós entendermos esta frase de nossa natureza original, que pode bem dar margens à dúvida), quando nossos corpos forem desfeitos na terra, todas as suas faculdades irão permanecer. Nossa memória e nosso entendimento estarão, tão longe, de serem destruídos; sim, ou enfraquecidos, pela dissolução do corpo que, ao contrário, nós temos motivos para crer que eles serão inacreditavelmente fortalecidos. Nós não temos uma razão ainda mais clara para crer que eles serão, então, totalmente libertos daqueles defeitos que agora naturalmente resultam da união da alma com o corpo corruptível? É altamente provável que, do momento em que esses forem separados, nossa memória não deixará passar coisa alguma; sim, que ela irá exibir fielmente tudo para nossa visão, o que uma vez esteve confiado a ela. É verdade, que o mundo invisível é denominado nas Escrituras, 'a terra do esquecimento'; ou, como é ainda mais fortemente expresso, na antiga tradução, 'a terra, onde todas as coisas são esquecidas'. Elas são esquecidas; mas por quem? Não pelos habitantes daquele lugar, mas pelos habitantes da terra. É com respeito a eles que o mundo não visto é 'a terra do esquecimento'. Todas as coisas nele são tão freqüentemente esquecidas por esses; mas não pelos espíritos, desprovidos da matéria. Do momento em que eles são colocados fora do tabernáculo terreno, nós dificilmente podemos acreditar que eles esquecem alguma coisa.  


9. De igual maneira, o entendimento irá, sem dúvida, ser liberto dos defeitos que são agora inseparáveis dele. Por muitas épocas, tem existido uma máxima inquestionável, -- a ignorância e o erro são inseparáveis da natureza humana. Mas a totalidade desta afirmativa é apenas verdadeira, com respeito aos homens viventes; e não duram mais do que enquanto 'o corpo corruptível pressiona a alma'. A ignorância, de fato, pertence a todo entendimento finito (vendo que não existe nada além de Deus que conhece todas as coisas); mas o erro: quando o corpo é deixado de lado, este também é colocado aparte para sempre. 


10. O que, então, podemos dizer para um homem engenhoso, que descobriu ultimamente que os espíritos desprovidos da matéria não têm apenas sentidos (nem mesmo visão ou audição), mas nenhuma memória, ou entendimento; nenhum pensamento ou percepção; nem mesmo, a consciência de suas próprias existências! Que eles estão em um sono profundo, da morte até a ressurreição! Na verdade, tal sono nós podemos chamar de 'um parente próximo da morte', se não for a mesma coisa. O que podemos dizer, a não ser que esses homens engenhosos têm sonhos estranhos; e estes eles confundem, algumas vezes, com realidades?


11. Mas para retornarmos. Como a alma irá reter seu entendimento e memória, não obstante a dissolução do corpo, então, sem dúvida, a vontade, incluindo todas as afeições, irá permanecer em seu completo vigor. Se nosso amor ou ira; nossa esperança, ou desejo perecerem, será apenas com respeito àqueles que deixamos para trás. A eles não importa, se eles foram objetos de nosso amor ou ódio; de desejo ou aversão. Mas, nos espíritos separados, em si mesmos, nós não temos razão para acreditar que alguns desses serão extinguidos. É mais provável que eles irão operar com uma força muito maior do que enquanto a alma esteve obstruída com a carne e sangue.

12. Mas, embora todos esses; embora tanto nosso conhecimento e sentidos; nossa memória e entendimento, juntos com nossa vontade, nosso amor, ódio e todas as nossas afeiçoes, permaneçam depois do corpo ser sepultado; ainda assim, neste aspecto, eles estão como se não existissem – nós não mais somos mordomos deles. As coisas continuam, mas nossa mordomia não: Nós não mais atuamos naquela aptidão. Mesmo a graça que foi anteriormente confiada a nós, com o objetivo de nos capacitar a sermos fiéis e sábios mordomos, não mais se incumbirá deste propósito. Os dias de nossa administração estarão terminados. 


III


1. Agora permanece que, sendo não mais mordomos, nós daremos um relato de nossa mordomia. Alguns têm imaginado, que isto será feito imediatamente depois da morte, tão logo entramos no mundo dos espíritos. Mais ainda, a Igreja de Roma absolutamente afirma isto; sim, faz disto uma cláusula de fé. Tanto assim, que nós podemos admitir que, no momento em que a alma deixa o corpo, e fica nua diante de Deus, e não pode deixar de saber qual será sua porção para toda a eternidade. Ela terá, diante dessa visão, tanto a alegria eterna completa, quanto o tormento eterno completo; já que não mais será possível ser enganado no julgamento que temos sobre nós mesmos. Mas as Escrituras nos dá nenhuma razão para crer, que Deus irá, então, sentar-se, em julgamento sobre nós. Não existe passagem em todos os oráculos de Deus que afirme tal coisa. O que tem sido freqüentemente alegado para este propósito, parece, antes, provar o contrário, ou seja: (Hebreus 9:27) 'E, como aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo. Porque, em toda razão, a palavra 'uma vez' está aqui aplicada ao julgamento, tanto quanto à morte. De modo que a inferência justa a ser esboçada deste mesmo texto é que não haverá dois julgamentos: um particular e outro geral; mas que nós seremos julgados, assim como iremos morrer, apenas uma vez: Nem uma vez, imediatamente depois da morte, e novamente depois da ressurreição geral; mas, então, apenas 'quando o Filho do homem deverá vir em Sua glória, e todos os seus santos anjos com Ele'. A imaginação, portanto, de um julgamento na morte, e um outro no fim do mundo, pode não ter lugar com aqueles que fizeram da Palavra escrita de Deus o total e único estandarte de sua fé. 


2. O tempo, então, em que deveremos dar este relato, é quando o 'grande trono branco descer dos céus, e Ele que está assentado nele, de cuja face os céus e terra fogem, e não é encontrado lugar para eles'. Então, 'os mortos, pequenos e grandes, ficarão diante de Deus; e os livros serão abertos' (Apocalipse 20:11): O Livro das Escrituras, àqueles que foram incumbidos disto; o livro da consciência de toda humanidade. O 'livro da lembrança', igualmente (para usar uma outra expressão bíblica), que foi escrito desde a fundação do mundo, irá, então, ser colocado aberto, às vistas de todos os filhos dos homens. Diante de todos esses, até mesmo, de toda a raça humana, diante do diabo e seus anjos, diante de uma companhia inumerável de anjos santos, e diante de Deus, o Juiz de todos, tu irás aparecer, sem qualquer abrigo ou coberta; sem qualquer possibilidade de disfarce, para dar um relato pessoal da maneira como tu tens empregados todos os bens do Senhor!


3. O Juiz de todos irá, então, inquirir:


"Como tu tens empregado tua alma? Eu incumbi a ti com um espírito imortal, dotado com vários poderes e faculdades; com entendimento, imaginação, memória, vontade, afeições. Eu dei a ti, sobretudo, direções completas e expressas, de como esses deveriam ser empregados. Tu empregaste teu entendimento, tanto quanto ele era capaz, de acordo com essas direções; ou seja, no conhecimento de ti mesmo e de mim – minha natureza, meus atributos? – minhas obras, se da criação, providência ou graça? – em te familiarizares com minha palavra? -- no usares de todos os meios para aperfeiçoares teu conhecimento nisto? – em meditares nisto, dia e noite?".


"Tu empregaste a tua memória, de acordo com minha vontade, em juntares quaisquer conhecimentos que tenhas adquirido, os quais conduziriam a ti, para minha glória, para tua própria salvação, ou para o proveito de outro? Tu guardaste nisto, não as coisas sem valor, mas qualquer instrução que tu tenhas aprendido de minha palavra; qualquer experiência que tenhas tido de minha sabedoria, verdade, poder e misericórdia? A tua imaginação foi empregada, não em pintar imagens vãs; muitos menos, para nutrir tais 'desejos tolos e prejudiciais'; mas para apresentar a ti, o que quer que tua alma possa ter proveito, e despertar tua busca de sabedoria e santidade?".


"Tu seguiste minhas direções com respeito à tua vontade? Ela foi totalmente entregue a mim? Ela foi tragada pela minha, de modo à nunca se opor, mas sempre seguir paralelo a ela? As tuas afeições foram situadas e reguladas, da maneira como eu indiquei em minha palavra? Eu fui objeto de teu amor? Todos os teus desejos eram para comigo, e para com a lembrança do meu nome? Eu fui a alegria de teu coração; o deleite de tua alma; o principal entre infinitos outros? Tu não te entristeceste por coisa alguma, mas com o que afligiu meu Espírito? Tu temeste ou odiaste alguma coisa mais, a não ser o pecado? Todo o fluxo de tuas afeições estava de acordo com minha vontade – não com o propósito das finalidades da terra, nem com a tolice, ou pecado, mas com quaisquer coisas que fossem puras; quaisquer coisas que fossem santas; com o que quer que fosse condutivo para minha glória, e para a paz e boa-vontade entre os homens?".


4. Teu Senhor irá, então, inquirir:


"Tu empregaste o corpo, no que eu incumbi a ti? Eu dei a ti uma língua para me louvares por meio dela: Tu a usaste para a finalidade a qual ela foi dada? Tu a empregaste, não na maledicência, ou diálogos vãos; em conversas impiedosas e inúteis; mas em tais que foram boas, assim como necessárias e úteis, tanto a ti mesmo quanto aos outros? Tais que sempre tenderam, diretamente ou indiretamente, a 'ministrar graça aos ouvintes?'".


"Eu dei a ti, juntamente com teus outros sentidos, essas grandes vias de acesso de conhecimento, visão e audição: estes foram empregados para aqueles propósitos excelentes, para os quais eles foram concedidos a ti? Para trazerem a ti, mais e mais instrução na retidão e santidade verdadeira? Eu dei a ti, mãos e pés, e vários membros, por meio dos quais executas as obras que foram preparadas para ti: eles foram empregados, não para fazer 'a vontade da carne', da natureza pecaminosa; ou a vontade da mente; (as coisas para as quais tua razão ou imaginação conduzem a ti); mas 'para a vontade Dele que enviou' a ti para o mundo; ;meramente para operar tua própria salvação? Tu ofertaste todos teus membros, não para o pecado, como instrumento de iniqüidade, mas a mim somente, através do Filho de meu amor, 'como instrumentos de retidão?'".



5. O Senhor de todos irá em seguida inquirir:


"Como tu empregaste os bens mundanos que eu depositei em tuas mãos? Tu usaste de tua comida; não tanto para buscares ou colocares tua felicidade nela, mas também para preservares teu corpo sadio, na força e vigor, um instrumento adequado para a alma? Tu usaste de vestimenta, não para alimentares o orgulho ou vaidade; muito menos, para tentares os outros ao pecado, mas para, convenientemente e decentemente, protegeres a ti mesmo dos danos do clima? Tu preparaste e usaste tua casa, e todas as outras conveniências, com um olhar puro para minha glória -- em todos os pontos, buscando, não tua honra, mas a minha; planejando agradares, não a ti mesmo, mas a mim?". 


"Uma vez mais: de que maneira, tu empregaste aquele talento abrangente do dinheiro? – não em gratificar o desejo da carne, o desejo dos olhos, ou o orgulho da vida; não o esbanjando em despesas vãs – o mesmo que jogá-lo no mar; não em ajuntá-lo, para deixá-lo atrás de ti – o mesmo que enterrá-lo; mas, primeiro, suprindo tuas próprias necessidades razoáveis, junto com aquelas de tua família; então, devolvendo o que sobrou a mim, através do pobre, a quem eu tenho designado recebê-lo; olhando para ti mesmo, apenas como mais um desses pobres, cujas necessidades deveriam ser supridas, com parte de minhas posses, e que eu coloquei em tuas mãos para este propósito; deixando a ti o direito de ser suprido primeiro, e as bênçãos de dar, preferivelmente a receber?".


"Foste tu, conseqüentemente, um benfeitor geral da humanidade? Alimentaste o faminto, vestiste o nu, confortaste o doente, assististe o estranho, aliviaste o aflito, de acordo com suas várias necessidades? Tu foste os olhos dos cegos, e os pés do coxo; um pai para o órfão, e um marido para a viúva? Trabalhaste para melhorar todas as obras exteriores de misericórdia, como meios de salvar tua alma da morte?". 


6. Teu Senhor irá inquirir, mais além:


"Tu tens sido um mordomo sábio e fiel, com respeito aos talentos de uma natureza promíscua, os quais eu emprestei a ti? Tu tens empregado tua saúde e força, não em tolice ou pecado; não nos prazeres que perecem ao uso, 'não em fazeres provisão para a carne, para executares os desejos dela', mas na busca vigorosa daquela melhor parte que ninguém poderia tirar de ti? Tu empregaste tudo o que era agradável, em tua pessoa ou maneira; tudo o que conseguiste, através da educação; tudo que compartilhaste do aprendizado; tudo que conheceste das coisas ou homens, e que foram confiadas a ti, para promoveres a virtude no mundo, para ampliares o meu reino?".

 

"Tu empregaste qualquer parte do poder que tu tiveste; toda a influência sobre outros, através do amor ou estima que eles tinham concedido a ti, para o crescimento da sabedoria e santidade deles? Tu empregaste aquele talento inestimável do tempo, com cautela e circunspeção, como devidamente pesando o valor de cada momento, e sabendo que tudo será incluído na eternidade? Acima de tudo, tu foste um bom mordomo de minha graça, impedindo, acompanhando, e seguindo a ti? Tu observaste devidamente, e cuidadosamente melhoraste todas as influências de meu Espírito – todo bom desejo; toda medida de luz; toda as reprovações duras ou gentis Dele? Que proveito tu tiveste 'do Espírito de escravidão e medo', que foi prévio 'ao Espírito de adoção?'. E quando tu foste feito parceiro deste Espírito, clamando em teu coração, 'Aba, Pai', tu permaneceste firme na liberdade glorioso, por meio da qual eu te tornei livre?".


"Tu glorificaste a mim, com todo teu corpo e espírito, deste momento em diante, através de tua alma e corpo, todos os teus pensamentos, tuas palavras e ações, em uma chama de amor, como um sacrifício santo?".


E o que restará, tanto ao mordomo fiel, quanto infiel? Nada, a não ser a execução daquela sentença que tem sido passada, através do justo Juiz; fixando a ti, em um estado que admite nenhuma mudança, através dos tempos eternos! Permanecerá, apenas, que tu serás recompensado, por toda eternidade, de acordo com tuas obras.


IV


1. Destas considerações claras, podemos aprender, Em Primeiro Lugar, quão importantes são esses breves e incertos dias de nossa vida! Quão preciosa, acima de toda elocução, acima de toda concepção, será cada porção dele! 


O menor desses demanda um sério cuidado;

Porque embora poucos, eles são areias douradas!

Quão profundamente, concerne a cada filho do homem, não deixar alguns desses serem desperdiçados; mas melhorá-los, todos, para propósitos mais nobres, por quanto tempo o fôlego de Deus estiver em nossas narinas! 


2. Nós aprendemos disto, Em Segundo Lugar, que não existe empreendimento de nosso tempo, nenhuma ação ou conversa, que sejam puramente indiferentes. Tudo é bom ou mal, porque todo nosso tempo, assim como tudo que temos não é nosso. Todos esses são, como diz o Senhor – propriedade de outro; de Deus, nosso Criador. Agora, estes podem ser empregados ou não, de acordo com a vontade Dele. Se de acordo com Sua vontade, tudo será para o bem; se, do contrário, tudo será para o mal. Novamente: É da vontade Dele que possamos continuamente crescer na graça, e no conhecimento vivificante de nosso Senhor Jesus Cristo. Conseqüentemente, todo pensamento, palavra, e obra, por meio dos quais este conhecimento é aumentado; por meio dos quais crescemos na graça, serão para o bem; e todo aqueles, por meio dos quais, este conhecimento não é aumentado, serão verdadeiramente e propriamente para o mal. 


3. Nós aprendemos disto, Em Terceiro Lugar, que não existem obras de supererrogação; que nós nunca faremos mais do que nossa obrigação; vendo que tudo que temos não é nosso, mas de Deus; tudo que podemos fazer é devido a Ele. Nós não temos recebido Dele, isto ou aquilo, ou muitas coisas, apenas, mas tudo: portanto, todas as coisas são dívidas que temos para com Ele. Ele que as deu a nós deve ter o direito sobre todas elas: de modo que, se pagarmos a Ele, qualquer coisa menos do que tudo, nós não poderemos ser mordomos fieis. Assim sendo, 'todo homem deverá receber sua própria recompensa, de acordo com seu próprio trabalho'; nós não podemos ser mordomos sábios, exceto se trabalharmos com toda a força de nosso poder; não deixando coisa alguma sem ser feita, daquilo que possivelmente podemos fazer, mas empregando nisto toda nossa força.  


4. Irmãos, 'quem é o homem de entendimento, e dotado com o conhecimento, entre vocês?'. Que ele mostre a sabedoria que vem do alto, caminhando adequadamente com seu caráter. Se ele assim se considera um mordomo dos múltiplos dons de Deus, que ele veja que todos os seus pensamentos, e palavras, e obras, sejam concordantes ao ofício que Deus tem designado a ele. Não é uma coisa sem importância, deixar Deus fora de tudo que você tem recebido Dele. Ela requer toda sua sabedoria, toda sua resolução, toda sua perseverança e constância, muito mais do que, alguma vez, você teve, através da natureza, mas, não mais do que você possa ter, por meio da graça. Porque a graça Dele é suficiente para você; e 'todas as coisas', você sabe 'são possíveis a todo aquele que crê'. Pela fé, então, 'retribua ao Senhor Jesus Cristo'; 'retribua todo o amor de Deus'; e você será capaz de glorificar a Ele, em todas as palavras e obras; sim, de trazer cada pensamento cativo na obediência de Cristo!


Edinburgh, 14 de Maio de 1768.


[Editado por Kristina Hedstrom, estudante da Northwest Nazarene College (Nampa, ID), com correções de George Lyons para a Wesley Center for Applied Theology.] 


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